quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Rainha do Mar

Eu estava sentado sobre uma pedra. Não sei bem ao certo o que eu esperava que fosse acontecer no mar, mas é como se não houvesse outro lugar no mundo onde eu pudesse estar. O sol derramava levemente seu brilho sobre a água; a brisa suave fazia com que pequeninas ondas distorcessem o reflexo das árvores. Deitei olhando para o céu que cintilava num azul profundo, meus olhos se perdiam naquele infinito, como se fosse possível ver além, muito além do céu. Um barulho nas águas me tirou desse devaneio profundo, pensei ser um peixe ou qualquer outro bicho que tivesse se atirado no lago, mas não era nada daquilo.

Ela era linda. De uma beleza simples, sem luxúria, rara. Seus cabelos encaracolados eram a moldura da maravilha que era o seu rosto. A harmonia e o equilíbrio de cada elemento encantavam a qualquer um; sorriso leve, profundo e branco que levantava levemente suas bochechas e comprimia seus olhos. Que olhos lindos eram aqueles; carregavam sabedoria, graça e força; eram encantadores e eu os desejei diante dos meus no mesmo instante. Ela vestia um fino manto branco, tão branco quanto sua alma. O tecido fino desenhava as formas de seu corpo, era como se o desejo se espalhasse por pernas, pés, braços, seio e ventre. Não havia nada vulgar naquela beleza, nada profano; ele era puramente divino.

Todos nós sabemos das lendas das lindas mulheres que arrastam os homens para o fundo do mar, mas eu ignorei anos de lendas e conhecimentos e caminhei em direção a ela. O mar estava mais raso do que eu imaginava e caminha até a rocha onde ela estava foi fácil. Eu subi e fiquei diante dela. Nossos olhos se encontram numa ternura que eu nunca tinha percebido. Era aquele o lugar. Era aquele o momento. Quando ela disse a primeira palavra eu me apaixonei. Sua voz era doce, com um acento grave no final, que fazia com que meu cérebro vibrasse a cada tom que ela produzia. Confesso que me acanhei e soltei uma das minhas piadas (que na realidade tem pouco ou nenhuma graça). Quando ela deu uma risada o meu mundo se transformou. Senti cada centímetro do meu corpo se arrepiar, o riso dela me contagiou e eu sorri de volta.

Segurei em sua mão e a beijei. A tirei da pedra e fomos juntos, nos olhando, caminhando para a margem. Quando meu pé tocou a terra ela parou.
- Não posso ir com você.
- Porque não?
- Meu lugar é no mar, cuidando de todos que vivem aqui.
- Eu te levo pra terra, pra minha cidade, pra minha família, pro meu amor.
- Mas eu sou a rainha do mar.
- Te dou um novo nome e você começa uma nova vida.
- Que nome?
- Janaina.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

E Com a Saudade Como Faz?

Sinto falta da cerveja, da sueca, do eu nunca e da falta de memória.
Sinto falta das piadas machistas que eu sei que no fundo você adora
Sinto falta do vestido provocante e dos olhares que me deixam sem jeito

Me dá um peda do seu sorriso pra eu guardar nos dias de chuva?
Me dá um peda do seu sofá por que eu preciso dormir em algum lugar hoje.
Me dá um peda da sua força pra eu poder vencer na vida

Vai deixa de ser assim, me dá um peda de terra pra podermos construir
Um castelo em louvor da nossa parceria de geladas a poemas não acabados
Quero um peda de esperança pra passar por cima dessa saudade e te ver.

Te dou um peda do ébano dos meus braços sempre que precisar
Te dou um peda da minha poesia (que hoje é pequena, mas quando crescer será também sua)
Te daria um peda do mundo... Mas sei bem que você já o conquistou.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Reaja

Um dia Deus estava observando a terra – não vamos nos debater em conceitos teológicos é pra ser um texto bonito e não uma tese – ele observou toda a tristeza e dor que os homens estavam provocando um no outro. Aquilo machucava o coração de amor e por um instante ele pensou: “todos os meus filhos são assim?”

Enquanto isso, na terra, um homem acabava de admitir pra sua analista que ele era louco.

— Doutora... Eu... Eu realmente sou louco.

— Fale-me sobre. De onde tirou isso?

— Olha nosso mundo! As pessoas parecem não se importar uma com as outras. Vejo pessoas abandonadas nas ruas; em casas de abrigo. E os hospitais? As pessoas passam dias, algumas meses, entre idas e vindas, quartos estranhos, pessoas que pouco se importam com o que elas estão sentindo. Do que vale salvar o corpo se muitas pessoas saem dos quartos com as almas mortas? Eu não suporto mais viver com isso. Essas ultimas palavras foram ditas com a cabeça entre as mãos e as mãos entre lágrimas. O silêncio de sua analista o afligiu e levantando a cabeça ficou impressionado. Ela chorava convulsivamente, perdida entre manter-se sob controle e entregar-se aquela verdade. Era impossível estar ouvindo todas aquelas palavras. Não era o que tinha sonhado na noite anterior. Os dois abraçaram-se como dois amigos que se reencontram décadas depois. Do céu, Deus via tudo.

O coração de amor alegrou-se e ao mesmo tempo teve uma iluminação: “sei que eles se importam, mas vão precisar de ajuda.” Então ele separou para si quatro anjos; anjos especiais, que entre si tinham uma afinidade tão plena que mal se podia dizer onde um terminava e onde o outro começava. Os dois primeiros pareciam um só. Como yin-yang; como as duas faces da mesma moeda. Magros, altos e de cabelo curto; o mesmo instrumento musical, mas se fez dia e o outro se fez noite. Mantinham um ar sério e responsável, mas quando desciam a terra com suas roupas de amor eles conseguiam arrancar risos até de uma pedra. Infelizmente não consigo lembrar os nomes, mas é que não importa, sempre que você chamasse um o outro viria junto, afinal de contas “o cordão de três dobras nãos e pode quebrar.”

A terceira era uma anjinha linda (quanto ao sexo dos anjos discutimos depois). E do tamanho da sua beleza era o tamanho dos seus desastres. Era sempre assim: se levava os pratos, deixava a comida; levava a comida toda, esquecia os convidados, mas quando finalmente (e depois de um certo esforço) ele conseguiu o que precisava para ajudar, um sorriso maravilhoso encheu seu rosto. Um rosto belo, suave, mas isso tudo era por conta da alegria dela, afinal de contas “o coração alegre aformoseia o rosto.”

A ultima, e com toda certeza não menos importante, era uma anja de cabelos verdes, sim senhoras e senhores ela tinha cabelos verdes. Seu corpo parecia feito de cristal de tão frágil aparentava ser; era como se fosse preciso um cuidado extremo para que ela não se desfizesse ao mais leve toque. Na verdade isso era um grande engano; nunca, nem em mil era, uma coisa frágil poderia carregar tanta alegria como havia dentro dela. Era de um riso contagiante e sua voz parecia estremecer os corações de alegria. Sua cabeça funcionava numa velocidade tão rápida que ela nunca terminava uma piada do jeito certo, mas sua graça era tanto que todos acabavam rindo. Ela tinha uma voz maravilhosa; cantava como um coro de flores do campo, canta tão bela quanto os pássaros que ouço agora. Afinal de contas “tudo que tem fôlego cante.”

Agora eles estão aqui e lá, soltos por toda parte fazendo o bem e cumprindo a missão que lhes foi dada. São gente, ajudando gente, pra fazer um mundo diferente. Reaja.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mais Um João e Maria

Tempo, ele é uma verdade absoluta e isso nem o mais cético pode negar, os cabelos dele vão ficar brancos. E foi assim com João e Maria (esses nomes são genéricos por que representam milhares de pessoas no mundo).

Ele já não era mais aquele bom moço do ABC com o corpo queimado do trabalho ao sol e as pernas fortes do futebol; sua barriga já era ligeiramente grande e flácida; suas pernas perderam muito da força que tinham (a vida no funcionalismo publico faz isso); os cabelos já estavam ficando brancos, mas só aqueles que ainda não haviam caído. As mulheres sempre envelhecem com mais dignidade que os homens, mas mesmo elas não são imunes ao tempo. A menina de coxas firmes e bumbum arrebitado deu lugar a uma mulher de meia idade com braços flácidos, seios já não tão firmes e “aquele” calorão.

Da união de mais de trinta anos nasceram duas filhas lindas: Renata e Luiza. Eram meninas corajosas, dinâmicas que só se assustavam com uma coisa: depois de tanto tempo os pais ainda pareciam dois adolescente inconseqüentes.

Certo dia Renata chegou da faculdade e encontrou os dois abraçadinhos no sofá, com uma barra de chocolate assistindo “P.S.: I Love You”. A mãe estava com o olho cheio de água e o pai a consolava com um cafuné. Renata ria, mas já estava acostumada, o que ela não aceitou foi que as duas da madrugada os dois estavam no sofá em plena pegação, ela teve que dar uma de mãe chata: “Porque você não vão fazer isso no quarto?” Os dois saltaram sapecas e correram para o quarto.

Luiza viveu uma situação um pouco mais inusitada. Cansada dos estudos para o vestibular resolveu relaxar e comer alguma coisa, saiu do seu quarto e teve uma visão que nunca iria esquecer: a mãe nua enrolada num lençol procurando alguma coisa dentro da geladeira.

- Mãe! Que isso?

A mãe só exclamou um belo “achei!” e voltou pro quarto. Ao passar pela filha, como se só a tivesse visto naquele momento, sorriu e disse: “oi filha”. Luiza estava com uma total cara de paisagem.

Tardes no cinema e no parque, noite na balada e no motel; jantares surpresa no meio da semana (sem nenhuma data em especial). Se você perguntasse o porquê disso tudo João diria que é por que só ela sabia cutucá-lo daquele jeito que fazia cócega; só ela cantava com aquela voz tão aconchegante que deixava ele horas pensando naquele timbre. Maria iria falar que era o jeito com que ele conhecia cada centímetro do corpo dela e cada desejo que ela tinha, sem bajular; ele recitava Vinicius ao pé do ouvido e no instante seguinte a possuía com toda sua virilidade; sabia tratá-la com educação, romantismo e força. Ele era leve, como se o mundo fosse eterno.

Como eles fizeram tudo isso resistir? Sabendo que aquela briga boba por causa do cinto era só uma briga boba, prima-irmã de tantas outras brigas. Que ela briga séria sobre sentimentos e escolhas era só um passo para se amarem ainda mais. Não sei o nome de vocês hoje, mas se vocês desejarem de coração disposto e sincero vocês podem ser mais um João e Maria.

Santidade

Se eu acreditasse em são longuinho
Eu jurava mil e um pulinhos
Só pra ver você com saúde e com juízo

Se eu acreditasse em São Cristóvão
Eu rezava até setembro
Pra ele guardar seu carro quando você vai na contramão

Se eu acreditasse em Santo Antônio
Eu pedia sua mão, corria pela praia, te fazia uma canção
E perguntava pra sempre: “o que você vai fazer hoje?”

Se eu acreditasse em Santa D´Alva
Eu pedia você toda pra mim, desse jeitinho assim
E tocava chá verde pra você melhorar

Mas só se eu acreditasse. Dá pra acreditar?

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Baby

G.C.,
Resolvi escrever só pra poder te atualizar do meu mundinho sem graça. Faz quanto tempo? Quando a saudade bate forte isso nem importa muito. Sei que faz menos do que eu sinto e bem mais tempo do que eu posso agüentar.

Finalmente terminamos de instalar a piscina; o deck ficou muito lindo, coloquei umas espreguiçadeiras para podermos conversar... Podermos... Acho que isso já não existe mais. A Carolina sente saudade, ela ainda chora um pouco às vezes, mas tenho certeza que logo se acostuma. Ninguém guarda mais a margarina como você fazia: sem a tampa enrolada no papel plástico. Leu os jornais dessa semana? A gasolina vai subir de preço, mais uma vez.

Sei bem como as coisas funcionam, mas o mundo está acontecendo e eu ainda me sinto preso nas coisas que você me dizia, nas músicas que você me mostrava. É como se meu corpo ainda estivesse preso no meio das cordas do seu violão. “Preto, você precisa aprender inglês” era seu estandarte preferido quando eu perguntava alguma coisa sobre aquela música do Bob Dylan. Nunca quis aprender inglês, queria aprender o idioma do seu corpo; sempre busquei as palavras que pudessem abrir seus caminhos.

Estamos em São Paulo, e por mais que você prefira o Rio aqui é a melhor cidade da América do Sul. Vamos ver um show na praça e outro na estação da luz; amanhecer na Paulista e tomar um café com leite no copo americano (numa dessas padarias perdidas). Sai comigo de novo, preciso muito sair, lembra daquele sorvete olhando o pessoal passear na Praça da Sé?

Acho que eu nunca entendi de verdade o que estava escrito na sua camisa...

Do ainda seu,
C.V.