terça-feira, 30 de agosto de 2011

Carta ao Tom

Olá meu amigo,
Sei que agora você está na sua sala, bebendo seu Scott e fumando seu charuto em paz. Já já você vai dedilhar alguma coisa no violão e olhar pela janela lamentando que o mundo já não é mais o mesmo... Eu sei.
Resolvi te escrever essa carta por que as coisas estão um pouco complicadas. Tudo já perdeu alguma coisa; semana passada eu pedi minha carteira e no começo do mês meu vinil preferido do Cole Porter, mas quando a perdi me pareceu que fui perdido junto. Você se senta pra escrever e as palavras ficam se remoendo dentro de você e nada faz muito sentido, nenhuma frase está no lugar.
Já tentei bastante coisa. A bebida nunca ajudou muito e agora menos ainda. Tentei o violão, novos amigos, aventuras, mas nada a trouxe de volta. É complicado por que é como se ela ainda estivesse aqui, como se ficasse pairando sobre mim, deixando que eu sinta seu cheiro, mas sem poder tocar ou possuí-la de verdade. Tentei até não tentar. Ficar parado e ver se minha ausência a fazia voltar... Tolice da minha parte.
Sei que seus conselhos vão ser para que eu me acalme, que não seja tão precipitado como sempre sou. Ela me faz falta meu caro, deixa um vazio estranho no dia. Um quebra-cabeça quase completo, com toda a imagem, mas sem o toque final. Estou calmo, melancólico e quase ascendendo um cigarro (não, eu não fumo).
Os desabafos de amizade são sempre os melhores. Espero que essa carta te encontre em paz, como sempre. E espero que ela volte com sua resposta. È meu amigo eu não dei valor ao que eu tinha, eu não sabia o que fazia, que saudade...

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Pai

“Somos a resposta exata do que a gente perguntou; entregues num abraço que sufoca o próprio amor. Cada um de nós é o resultado da união de duas mãos numa mesma oração. Coisas do coração.” — Raul Seixas


Meu velho pai que todos os dias aproveitava o sol no mesmo canto do sofá. O “livro da capa preta” era sua companhia matinal. Uma caneca sobre a mesa com um café fumegante, com uma fumaça que descrevia e escrevia versos enquanto subia para o céu. Seus olhos confusos nunca me disseram se ele havia nascido para enfrentar o mar ou se era apenas um jovem faroleiro, que a ponta pro mar escuro um feixe de luz.
Meu velho pai que com força e graça todos os dias mata mais um leão. Que sabe muito bem que esse “tempo fugido” vai nos sugando e quando menos esperarmos já seremos os mesmos de sempre. Uma arrogância que transborda amor que banha a muitos mesmo que num anonimato disfarçado, por que amor é bem mais do que um sorriso de bom dia. E todas as vezes que colocas seus olhos sobre mim, sei que em segredo seus braços me protegem.
Meu velho pai que era duro como uma rocha e que só uma única vez verteu lágrimas sobre um deserto chamado morte. Uma rocha tão dura que vencia todas as batalhas e que trazia os espólios enrolados em papel de pão. Amava-me de um jeito tão diferente que eu não conseguia entender; e se um dia eu sonhei que era invisível, e hoje sou, sei que seus olhos sempre puderam me ver.
Meu velho pai... Quanto amor, que não vê preço maior na minha vida. E no dia que as mãos gélidas tocavam meus lábios e me levavam pra longe, ele, como um filho, me privou do dever de partir. E quando ando perdido em ruas tão claras quanto o dia, ele me abraça e me deixa respirar seu perfume.
E eu sei que pareço distante, como se meus olhos já não desejassem conhecer os seus; mas, meu velho pai, se escrevo essas palavras banhadas pelas fontes que nascem dos meus olhos, é por que te amo de todo meu coração.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sonhos

"Fá com baixo em fá; fá com baixo em fá sustenido."

O apartamento era o mesmo, não pequeno aconchegante diziam eles. A maioria dos móveis eram estantes e todas abarrotadas de livros. Alguns dicos de vinil contracenavam com os cabos dos notebook's que sempre estavam prontos à escrever. O quarto guardava aquele cheierinho de amor eterno, guardava mais livros e um violão. A cozinha era pequenina, mesa pra dois e quase nunca com comida caseira.

Mas hoje as coisas não estavam assim, uma certa melancolia pairava no ar, uma tristeza sem nome. Qual preço se pode pagar pela felicidade? Qual valor possui sua liberdade? Não havia mais forças para ir além. Quanto tempo iria demorar para que tudo se torna-se realidade?

A casa nunca existiu. As paredes cheias de livros na verdade eram as paredes de dois corações abarrotados de sonhos. O embrião do nosso amor foi abortado pela nossa pressa de ser feliz.

Restou um silêncio ao telefone. Uma conversa inacabada que termina assim:
- vou desligar, preciso dormir.
- guarda um sonho pra mim?
- De chocolate?
- Não, de amor.