sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Um Bom Coração

Todos os dias ele saia a mesma hora para o trabalho. Banho tomado, perfume passado e um bom humor anormal como diria o pessoal da firma.
Ele sempre se sentava ao lado do cobrador e não era pra conversar, era pra fazer caridade. Sempre que alguém esquecia o dinheiro ou estava sem saldo no vale transporte ele se levantava com um sorriso no rosto e passava seu cartão. Nem perguntava nada que era pra ninguém negar. Como sempre dizia: “era só uma gentileza".
Certa vez uma moça quis que ele aceitasse parte da passagem como agradecimento. Isso o ofendeu profundamente e de cara feia ficou até o final da viagem.
Já era famoso no ônibus das duas e trinta e cinco, mas nenhum passageiro nunca teve coragem de se aproveitar. Quando era questionado por qual motivo ele fazia aquilo, sempre dizia: "ajudar não dói".
Numa quinta-feira qualquer do mês de agosto sentou-se no mesmo lugar pronto a ajudar quem precisasse. Subiu então um jovem de capuz azul, calças pretas e um olhar que não se podia ler. Passou o cartão uma, duas vezes e a mesma mensagem aparecia em letras apagadas: "saldo insuficiente". Era o momento. Era a chance de ajudar alguém. Sacou seu vale transporte, mas não percebeu que o rapaz sacava um revólver. Enquanto ele pedia licença para ajudar, não percebeu que o jovem pedia o dinheiro. E foi quando ele colocou o cartão, vendo a luz verde se acender, que o tiro foi disparado.
Se fosse um policial, um bombeiro ou quem sabe um professor poderia se dizer que morreu no exercício da função. Até hoje o que se diz no ônibus das duas e trinta e cinco, é: "aquele cara tinha um bom coração."

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Último Soneto

Nesse labirinto de palavras tortas e esquecidas
Escuto sua voz rouca chamar meu nome em direção da luz
Que me levará para longe do presente de todas as feridas
E me aliviar do peso fatigante da minha pequena cruz

E se essa for realmente a ultima chance de escrever?
Vou ficar com medo e mais uma vez negando a emoção?
Liberte meus dedos para que finalmente possa dizer
Que não há resposta exata que satisfaça nossa razão.

Mas no ultimo soneto, sua voz se cala e leva contigo meus verbos
Os adjetivos amarelam e os pronomes não são meus
Resta o som mudo de dedos agora lerdos

Uma ultima olhada, para aqueles que são seus
E um suspiro aliviado que alcança o perdão
E um suspiro quente e abafado, que enterra a paixão.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Seu Rock do Amar Antes

- Cansou do violão?
- Violão cansa, poeia cansa...
- E cerveja não cansa?
- Cerveja não cansa, mas deixa bêbado e é nessa hora que a gente para e conversa com quem pode no ensinar, com quem pode nos clarear a mente.
- Você não vai namorar minha filha.
- Eu sei disso. E sei que ela só não quer porque o senhor não quer.
- Não é por você, não me entenda mal...
- Bom, se não é por mim pelo que seria então?
- A vida. Sabe, olha você. Você é igualzinho a mim quando conheci minha mulher. Jovem, sonhador, forte... Você ainda vai sofrer muito pra se tornar um homem de verdade.
- Você é feliz?
- Claro!
- Quero dizer o senhor foi feliz com toda essa jornada pra se tornar um homem de verdade?
- É sofrido. É bem pior do que trabalhar até tarde e estudar de manhã.
- Ela estava com você o tempo todo?
- Quem?
- Sua esposa.
- Sim, a cada instante e cada dificuldade.
- Isso que não faz muito sentido pra mim sabe. Você viveu e cresceu ao lado de uma pessoa; passou de um menino sonhador a um homem de verdade. Você não chegou aqui completo e com flores na mão. É meio chato você querer me privar disso.
- Não me ofenda. Você nem sabe dirigir.
- Pois é, mas... É, você tá certo, realmente não sou o mais adequado. Vai aparecer alguém que vai fazê-a feliz.
- Burro.
- Que?
- Essa não é a primeira vez que tenho essa coversa.
- Claro, aposto que não sou a primeiro carq a ficar afim dela.
- Não é sobre isso que eu tô falando. Eu já tive uma conversa assim, mas eu estava no seu lugar.
- ...
- É não foi fácil. O velho era bem linha dura, vivia me testando pra saber se eu iria mesmo dar conta.
- Isso tudo fou um teste?
- Garoto, eu sou um pai. Eu sempre vou querer o melhor para os meus filhos, mas uma coisa que você precisa saber é: o melhor nem sempre é o mais bonito.
- O que você quer dizer com isso?
-Vai fundo cara. E busca mais uma cerveja, conversar com você não cansa, mas da sede.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Soneto ao Sonho que Tive

Diante da bandeira tremulante sonhei
Os absurdos de um futuro bom me dominaram
E de mãos abertas e coração estendido esperei
Receber as palavras de poder que em mim se aninharam

Diante dos olhos cerúleos da minha prátria chorei
Por saber que era o nêmisis de mim mesmo
Mas com a força de palavras belas triunfei
Deixando um passado perdido a esmo

Canta comigo, meu amor, as verdades desse sonho bom
Vem fazer das nossas vozes um mesmo som
E numa espriral de luz vamos subir ao céu.

Vem contar comigo a história dessa arte que é amar
E escrever um destino de beleza sem par
E faremos do sorriso da terra o nosso véu.