quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Rainha do Mar

Eu estava sentado sobre uma pedra. Não sei bem ao certo o que eu esperava que fosse acontecer no mar, mas é como se não houvesse outro lugar no mundo onde eu pudesse estar. O sol derramava levemente seu brilho sobre a água; a brisa suave fazia com que pequeninas ondas distorcessem o reflexo das árvores. Deitei olhando para o céu que cintilava num azul profundo, meus olhos se perdiam naquele infinito, como se fosse possível ver além, muito além do céu. Um barulho nas águas me tirou desse devaneio profundo, pensei ser um peixe ou qualquer outro bicho que tivesse se atirado no lago, mas não era nada daquilo.

Ela era linda. De uma beleza simples, sem luxúria, rara. Seus cabelos encaracolados eram a moldura da maravilha que era o seu rosto. A harmonia e o equilíbrio de cada elemento encantavam a qualquer um; sorriso leve, profundo e branco que levantava levemente suas bochechas e comprimia seus olhos. Que olhos lindos eram aqueles; carregavam sabedoria, graça e força; eram encantadores e eu os desejei diante dos meus no mesmo instante. Ela vestia um fino manto branco, tão branco quanto sua alma. O tecido fino desenhava as formas de seu corpo, era como se o desejo se espalhasse por pernas, pés, braços, seio e ventre. Não havia nada vulgar naquela beleza, nada profano; ele era puramente divino.

Todos nós sabemos das lendas das lindas mulheres que arrastam os homens para o fundo do mar, mas eu ignorei anos de lendas e conhecimentos e caminhei em direção a ela. O mar estava mais raso do que eu imaginava e caminha até a rocha onde ela estava foi fácil. Eu subi e fiquei diante dela. Nossos olhos se encontram numa ternura que eu nunca tinha percebido. Era aquele o lugar. Era aquele o momento. Quando ela disse a primeira palavra eu me apaixonei. Sua voz era doce, com um acento grave no final, que fazia com que meu cérebro vibrasse a cada tom que ela produzia. Confesso que me acanhei e soltei uma das minhas piadas (que na realidade tem pouco ou nenhuma graça). Quando ela deu uma risada o meu mundo se transformou. Senti cada centímetro do meu corpo se arrepiar, o riso dela me contagiou e eu sorri de volta.

Segurei em sua mão e a beijei. A tirei da pedra e fomos juntos, nos olhando, caminhando para a margem. Quando meu pé tocou a terra ela parou.
- Não posso ir com você.
- Porque não?
- Meu lugar é no mar, cuidando de todos que vivem aqui.
- Eu te levo pra terra, pra minha cidade, pra minha família, pro meu amor.
- Mas eu sou a rainha do mar.
- Te dou um novo nome e você começa uma nova vida.
- Que nome?
- Janaina.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

E Com a Saudade Como Faz?

Sinto falta da cerveja, da sueca, do eu nunca e da falta de memória.
Sinto falta das piadas machistas que eu sei que no fundo você adora
Sinto falta do vestido provocante e dos olhares que me deixam sem jeito

Me dá um peda do seu sorriso pra eu guardar nos dias de chuva?
Me dá um peda do seu sofá por que eu preciso dormir em algum lugar hoje.
Me dá um peda da sua força pra eu poder vencer na vida

Vai deixa de ser assim, me dá um peda de terra pra podermos construir
Um castelo em louvor da nossa parceria de geladas a poemas não acabados
Quero um peda de esperança pra passar por cima dessa saudade e te ver.

Te dou um peda do ébano dos meus braços sempre que precisar
Te dou um peda da minha poesia (que hoje é pequena, mas quando crescer será também sua)
Te daria um peda do mundo... Mas sei bem que você já o conquistou.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Reaja

Um dia Deus estava observando a terra – não vamos nos debater em conceitos teológicos é pra ser um texto bonito e não uma tese – ele observou toda a tristeza e dor que os homens estavam provocando um no outro. Aquilo machucava o coração de amor e por um instante ele pensou: “todos os meus filhos são assim?”

Enquanto isso, na terra, um homem acabava de admitir pra sua analista que ele era louco.

— Doutora... Eu... Eu realmente sou louco.

— Fale-me sobre. De onde tirou isso?

— Olha nosso mundo! As pessoas parecem não se importar uma com as outras. Vejo pessoas abandonadas nas ruas; em casas de abrigo. E os hospitais? As pessoas passam dias, algumas meses, entre idas e vindas, quartos estranhos, pessoas que pouco se importam com o que elas estão sentindo. Do que vale salvar o corpo se muitas pessoas saem dos quartos com as almas mortas? Eu não suporto mais viver com isso. Essas ultimas palavras foram ditas com a cabeça entre as mãos e as mãos entre lágrimas. O silêncio de sua analista o afligiu e levantando a cabeça ficou impressionado. Ela chorava convulsivamente, perdida entre manter-se sob controle e entregar-se aquela verdade. Era impossível estar ouvindo todas aquelas palavras. Não era o que tinha sonhado na noite anterior. Os dois abraçaram-se como dois amigos que se reencontram décadas depois. Do céu, Deus via tudo.

O coração de amor alegrou-se e ao mesmo tempo teve uma iluminação: “sei que eles se importam, mas vão precisar de ajuda.” Então ele separou para si quatro anjos; anjos especiais, que entre si tinham uma afinidade tão plena que mal se podia dizer onde um terminava e onde o outro começava. Os dois primeiros pareciam um só. Como yin-yang; como as duas faces da mesma moeda. Magros, altos e de cabelo curto; o mesmo instrumento musical, mas se fez dia e o outro se fez noite. Mantinham um ar sério e responsável, mas quando desciam a terra com suas roupas de amor eles conseguiam arrancar risos até de uma pedra. Infelizmente não consigo lembrar os nomes, mas é que não importa, sempre que você chamasse um o outro viria junto, afinal de contas “o cordão de três dobras nãos e pode quebrar.”

A terceira era uma anjinha linda (quanto ao sexo dos anjos discutimos depois). E do tamanho da sua beleza era o tamanho dos seus desastres. Era sempre assim: se levava os pratos, deixava a comida; levava a comida toda, esquecia os convidados, mas quando finalmente (e depois de um certo esforço) ele conseguiu o que precisava para ajudar, um sorriso maravilhoso encheu seu rosto. Um rosto belo, suave, mas isso tudo era por conta da alegria dela, afinal de contas “o coração alegre aformoseia o rosto.”

A ultima, e com toda certeza não menos importante, era uma anja de cabelos verdes, sim senhoras e senhores ela tinha cabelos verdes. Seu corpo parecia feito de cristal de tão frágil aparentava ser; era como se fosse preciso um cuidado extremo para que ela não se desfizesse ao mais leve toque. Na verdade isso era um grande engano; nunca, nem em mil era, uma coisa frágil poderia carregar tanta alegria como havia dentro dela. Era de um riso contagiante e sua voz parecia estremecer os corações de alegria. Sua cabeça funcionava numa velocidade tão rápida que ela nunca terminava uma piada do jeito certo, mas sua graça era tanto que todos acabavam rindo. Ela tinha uma voz maravilhosa; cantava como um coro de flores do campo, canta tão bela quanto os pássaros que ouço agora. Afinal de contas “tudo que tem fôlego cante.”

Agora eles estão aqui e lá, soltos por toda parte fazendo o bem e cumprindo a missão que lhes foi dada. São gente, ajudando gente, pra fazer um mundo diferente. Reaja.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mais Um João e Maria

Tempo, ele é uma verdade absoluta e isso nem o mais cético pode negar, os cabelos dele vão ficar brancos. E foi assim com João e Maria (esses nomes são genéricos por que representam milhares de pessoas no mundo).

Ele já não era mais aquele bom moço do ABC com o corpo queimado do trabalho ao sol e as pernas fortes do futebol; sua barriga já era ligeiramente grande e flácida; suas pernas perderam muito da força que tinham (a vida no funcionalismo publico faz isso); os cabelos já estavam ficando brancos, mas só aqueles que ainda não haviam caído. As mulheres sempre envelhecem com mais dignidade que os homens, mas mesmo elas não são imunes ao tempo. A menina de coxas firmes e bumbum arrebitado deu lugar a uma mulher de meia idade com braços flácidos, seios já não tão firmes e “aquele” calorão.

Da união de mais de trinta anos nasceram duas filhas lindas: Renata e Luiza. Eram meninas corajosas, dinâmicas que só se assustavam com uma coisa: depois de tanto tempo os pais ainda pareciam dois adolescente inconseqüentes.

Certo dia Renata chegou da faculdade e encontrou os dois abraçadinhos no sofá, com uma barra de chocolate assistindo “P.S.: I Love You”. A mãe estava com o olho cheio de água e o pai a consolava com um cafuné. Renata ria, mas já estava acostumada, o que ela não aceitou foi que as duas da madrugada os dois estavam no sofá em plena pegação, ela teve que dar uma de mãe chata: “Porque você não vão fazer isso no quarto?” Os dois saltaram sapecas e correram para o quarto.

Luiza viveu uma situação um pouco mais inusitada. Cansada dos estudos para o vestibular resolveu relaxar e comer alguma coisa, saiu do seu quarto e teve uma visão que nunca iria esquecer: a mãe nua enrolada num lençol procurando alguma coisa dentro da geladeira.

- Mãe! Que isso?

A mãe só exclamou um belo “achei!” e voltou pro quarto. Ao passar pela filha, como se só a tivesse visto naquele momento, sorriu e disse: “oi filha”. Luiza estava com uma total cara de paisagem.

Tardes no cinema e no parque, noite na balada e no motel; jantares surpresa no meio da semana (sem nenhuma data em especial). Se você perguntasse o porquê disso tudo João diria que é por que só ela sabia cutucá-lo daquele jeito que fazia cócega; só ela cantava com aquela voz tão aconchegante que deixava ele horas pensando naquele timbre. Maria iria falar que era o jeito com que ele conhecia cada centímetro do corpo dela e cada desejo que ela tinha, sem bajular; ele recitava Vinicius ao pé do ouvido e no instante seguinte a possuía com toda sua virilidade; sabia tratá-la com educação, romantismo e força. Ele era leve, como se o mundo fosse eterno.

Como eles fizeram tudo isso resistir? Sabendo que aquela briga boba por causa do cinto era só uma briga boba, prima-irmã de tantas outras brigas. Que ela briga séria sobre sentimentos e escolhas era só um passo para se amarem ainda mais. Não sei o nome de vocês hoje, mas se vocês desejarem de coração disposto e sincero vocês podem ser mais um João e Maria.

Santidade

Se eu acreditasse em são longuinho
Eu jurava mil e um pulinhos
Só pra ver você com saúde e com juízo

Se eu acreditasse em São Cristóvão
Eu rezava até setembro
Pra ele guardar seu carro quando você vai na contramão

Se eu acreditasse em Santo Antônio
Eu pedia sua mão, corria pela praia, te fazia uma canção
E perguntava pra sempre: “o que você vai fazer hoje?”

Se eu acreditasse em Santa D´Alva
Eu pedia você toda pra mim, desse jeitinho assim
E tocava chá verde pra você melhorar

Mas só se eu acreditasse. Dá pra acreditar?

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Baby

G.C.,
Resolvi escrever só pra poder te atualizar do meu mundinho sem graça. Faz quanto tempo? Quando a saudade bate forte isso nem importa muito. Sei que faz menos do que eu sinto e bem mais tempo do que eu posso agüentar.

Finalmente terminamos de instalar a piscina; o deck ficou muito lindo, coloquei umas espreguiçadeiras para podermos conversar... Podermos... Acho que isso já não existe mais. A Carolina sente saudade, ela ainda chora um pouco às vezes, mas tenho certeza que logo se acostuma. Ninguém guarda mais a margarina como você fazia: sem a tampa enrolada no papel plástico. Leu os jornais dessa semana? A gasolina vai subir de preço, mais uma vez.

Sei bem como as coisas funcionam, mas o mundo está acontecendo e eu ainda me sinto preso nas coisas que você me dizia, nas músicas que você me mostrava. É como se meu corpo ainda estivesse preso no meio das cordas do seu violão. “Preto, você precisa aprender inglês” era seu estandarte preferido quando eu perguntava alguma coisa sobre aquela música do Bob Dylan. Nunca quis aprender inglês, queria aprender o idioma do seu corpo; sempre busquei as palavras que pudessem abrir seus caminhos.

Estamos em São Paulo, e por mais que você prefira o Rio aqui é a melhor cidade da América do Sul. Vamos ver um show na praça e outro na estação da luz; amanhecer na Paulista e tomar um café com leite no copo americano (numa dessas padarias perdidas). Sai comigo de novo, preciso muito sair, lembra daquele sorvete olhando o pessoal passear na Praça da Sé?

Acho que eu nunca entendi de verdade o que estava escrito na sua camisa...

Do ainda seu,
C.V.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Bodas de Papelão

Eu sei bem que esse amor de quinta não vai longe
Eu estou sempre alheio e você sempre muito ocupada
Tu passas pelo mundo como uma corredora e eu como um monge
Mas isso tudo me lembra uma canção que já foi cantada

É bom lembrar o encontro inesperado marcado sobre o tédio
A aula que foi morta sem nenhuma discrição
O sorriso da criança que pra mim foi um remédio
E a avenida que era pequena pra toda nossa ação

Destino incerto, ônibus errado e falta da passagem
Conceitos refeitos, idéias transformadas e mesma mochila da sexta série
Mudança de planos, novos caminhos e um empréstimo; que sacanagem

O lábio marcado, o sorriso no rosto e a surpresa do fato
O desejo de estar, o desejo de voar, a liberdade pra sonhar
Mas não vamos falar disso, é nosso aniversário, não quero ser chato

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Porta Esta Aberta. Feche Por Favor

A casa não estava suja ou bagunçada, tinha uma ou duas duvidas para resolver, algumas tristezas guardadas e muita, mais muita poesia. Eles estavam sentados a mesa; do lado dele uma caneca com café e bastante açúcar (como ele gosta), talvez ele desejasse um pouco de conhaque que lhe desse coragem; do lado dela? Bem, não sei dizer, não a conheci o suficiente para saber dizer o que ela gosta de beber. Como a casa era dele, ele deveria começar; como sempre hesitou tentando escolher as melhores palavras, mas começou:

- Você vai ter que ir embora.

Não sei o que ela respondeu.

- Chega uma hora que as coisas têm que tomar seu lugar de verdade.

A reação dela aqui? Fica como incógnita para nós.

- Eu não te conheço e mesmo assim me apaixonei seriamente por você. Mas como posso deixar uma estranha viver aqui dentro?

Talvez aqui coubesse o silêncio e a fuga do olhar.

- Que droga! É isso que eu não quero. Quero que você fale quero que reaja e me mostre o que se passa com você. Queria nem que fosse um tapa seu na minha cara, pelo menos assim eu sentiria você me tocar.

Ela ficaria uma pouco surpresa, eu acho, mas não sei descrever como.

- Seu silêncio e distância já me confundiram demais. Não culpe o tempo (ou a falta dele), não culpe os compromissos, não culpe a mudança. Você simplesmente não fez nada.

Tendo dito isso deu um belo gole no café, sentiu-se mais leve, mais tranqüilo. Olhou-a diretamente nos olhos e aguardou a resposta. Bem meus caros, não posso escreve como termina essa história... Ainda não.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Bom Dia Anjo

E era assim, não podia ser diferente. A primeira vez que vi você dormindo comecei a me questionar sobre a existência dos anjos. Você ainda estava nua e no seu corpo ainda restava o calor do nosso amor. Seus cabelos caiam delicadamente sobre seu rosto ocultando parte da sua beleza. Mas eu ainda conseguia ver, por entre os fios de sedas que eram seu véu de glória, seus lábios rosados e doces. Via seu nariz que parecia ter sido esculpido durante eras, pelo fluxo bendito de uma cachoeira de águas cristalinas. Seus olhos fechados não eram menos encantadores; que sonho estariam eles contemplando agora? Eu não sabia, mas desejava ardentemente fazer parte deles.

O lençol de cetim num tom claro (que você insiste em chamar de pérola, mas que para mim sempre será bege) cobria seus quadris, sem esconder suas formas acentuadas. Seus pés pareciam duas peças de porcelana, delicados, finos; mas como eram ligeiros na hora de correr de mim ou de subir numa arvore como uma moleca. Suas pernas eram as colunas de sustentação do tempo maravilhoso que era seu corpo, eram firmes e fortes, como suas opiniões nas nossas discussões. Suas costas eram a tabula rasa da minha felicidade, era possível erguer um reino sem fim sobre elas.

Deitei-me ao seu lado e Afrodite com delicadeza te repousou sob meus braços. Naquele instante, com suas vestes celestiais que pareciam encher todo o quarto, a deusa me disse:

- Que te importa no mundo?

- Ela.

- Dou-te terras que seus olhos nunca serão capazes de ver por inteiro. Que te importa no mundo?

- Ela, pois de nada me vale ter terras a perder de vista, se minhas vistas não puderem se perder nos olhos da minha amada

- Dou-te poder que nunca conhecerás o limite. Que te importa no mundo?

- Ela, porque não me importa ter poder que minha razão não conhecerá o limite, se está circunscrita no sorriso dela toda força que preciso para me levantar e amar.

- Dou-te a palavra absoluta, certeira e inefável; faço de ti artesão supremo das letras. Que te importa no mundo?

- Ela, pois não sei se entendes minha deusa, de nada vale ter uma palavra ideal ou todas elas, se não for para fazê-la sorrir.

E tendo dito isso a deusa evaporou-se diante de mim como a fumaça de um incenso doce, porém ciumento. Olhei e você ainda estava em meus braços; suas mãos repousaram sobre meu peito e eu podia sentir meu coração bater através delas. Seus braços tão longos quanto sua paciência comigo pareciam me proteger de qualquer mal do mundo, mesmo com você dormindo. Seus seios encostaram no meu corpo e eu pude sentir a maciez deles mais uma vez. Como eles estavam belos, como duas colinas férteis e inexploradas. Comecei a sentir o leve perfume que brotava da raiz de seus cabelos, fechei os olhos deixei meus sentidos serem tomados por você.

Despertei.

Um peso sem mais fim caiu sobre meu coração quando me vi sozinho sobre uma cama bagunçada. Meus braços vazios, a ausência da sua pele e do seu calor, era como se pudesse ouvir ao longe o riso do amor ciumento de Afrodite. Mas ao levantar meus olhos lá estava você, meu anjo transformado em mulher. Estava sentada vigiando meu sono, como fez nossa mãe Eva antes de Adão despertar do sono que Deus o colocara, para que ela pudesse existir. Seus olhos eram olhos vividos de paz, e despejavam sobre mim os sonhos que guardaram por toda a noite, e sim, eu era a tema da maioria deles.

O cetim agora te cobria toda, mas ainda podia sentir seu corpo me chamar de longe. Se anjos realmente existem ou não, não sei; mas se sim, com certeza você é um deles.


Te olhei, sorri e só pude dizer:

- Bom dia Anjo.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Futuro Que Eu Vejo; No Presente Que Eu Sinto

Sentou na escrivaninha e olhou fixamente para a folha branca diante de si. Seu olhar penetrou tão fundo no papel que ele pode ver as palavras brotando como se dessem vida a si mesmas. Fechou os olhos suavemente e sentiu seu corpo e mente convergir para o texto, ligou o velho rádio já bem surrado que tocava uma canção que sempre repetia: “deixa ser.” Bebeu um bom gole do seu café, preparado como ele: forte e doce.

Deixou-se levar pela melodia e pelo caminhar da sua caneta sobre o papel. Lembrou-se de uma história que ha muito tempo ocupava sua mente, ele sabia que em algum lugar (ou em algum tempo) ela foi real. Começou a escrever sobre a trajetória de um jovem casal, vivendo encontros e desencontros até alcançar a tão sonhada felicidades.

Ele era assim homem sensível, sábio, realista e leve. A sua leveza beirava a irresponsabilidade; dizia ela:

- Bonito, desde sempre o chamara assim, você levou o ultimo manuscrito pra editora?

- Xiii! E batia com a mão aberta na testa. Me esqueci, fiquei jogando vídeo-game com a Clarice, ma seu levo amanhã.

- Amanhã é o ultima dia do prazo.

- Relaxa amor.

Ela ficava louca, esbravejava pra si mesma, sofria, mas sabia que no final ele sempre conseguia dar um jeito em tudo. Essa era a mágica dele. O tempo formou nele uma força inacreditável para quem não compartilha dela; não havia como crer, mas depois que ele levantou-se e jurou a si mesmo lutar por seus sonhos ele só cresceu. Suas palavras, seus roteiros e até uma ou duas canções que fez com velhos, e eternos, amigos eram de uma beleza e poder maravilhosos. E foi sobre essas palavras que ele construiu prestigio e reconhecimento.

Ela não ficava atrás em talento, conseguia envolver com as palavras como se elas fossem parte do nosso corpo. Ela era uma mãe, não por cuidar ou qualquer sentimento de super-proteção, mas ela tinha o dom de nos fazer sentir em casa, sempre. Ela amava, beijava e abraçava de um jeito que constrangia de amor. Quando ele expressava a saudade e abria o coração era capaz de conquistar metade de um império, se sorrisse o conquistava todo. E por mais que o relógio de marca, que a ensinou a viver o frenesi de São Paulo, tentasse sufocá-la pelo pulso, ela sabia tirá-lo e alisar o rosto com a barba por fazer do seu bonito, por longos e longos minutos.

Nem tudo começou assim tão belo. Ela não sabia onde era seu lugar no mundo, mas sentia com profunda dor que estava no lugar errado. Era como se as mãos de um futuro promissor estivessem sufocando sua vida. Tinha um que de amor, um que de proteção, mas não era aquele o lugar. Ele estava lá, sentindo ainda resquícios de um amor que não seria correspondido, não mais. Ele estava lá, lugar no mundo? Sim ele pensava, mas era uma questão que ainda não pesava tanto, então seguia os dias bebendo, escrevendo e fazendo muita vida.

Eles foram se ajudando aos poucos, sem pretensões. Eram como dois estranhos, encontrando-se numa esquina, num lugar comum. E foi desse lugar comum que passaram a ser um o lugar um do outro. Com o tempo não havia mais como negar: eram um do outro por completo. Ele beijava outros lábios, fazia viagens tão loucas sem sair do lugar e deixava-se levar pelo doce fel da cevada e seus variantes; mas quando piscava o olho por um segundo, todas as meninas da festa tornavam-se a única menina que ele gostaria que existisse. Ela tinha mil amantes aos seus pés. O moço recatado de boa família, o melhor amigo da mãe dela; o bom moço descolado, romântico e atencioso; a talentoso pop das noitadas de São Paulo, mas senhoras e senhores, a verdade dorme embaixo do nosso travesseiro e todas as noites depois de uma jornada trop fatigue, ela lembrava-se dele.

Ela foi tema de amor mil e uma vezes sob um letreiro velho; ele fez nascer milhões de flores num jardim de primavera. Certo dia, enquanto festejavam mais um reencontro (foi complicado o tempo que moraram tão longe), um amigo lhes disse: “Eu sei que você é paranóica e você um irresponsável, mas mesmo assim eu amo muito vocês.” Ele disse, eles ouviram, mas talvez não tenham entendido o quanto.

Passaram-se anos, uns mais fáceis do que outros. Saudades, dores, apertos financeiros, mas o mais belo que venceram tudo com um sorriso no rosto.

Abriu os olhos. O papel estava repleto de palavras que falavam de verdades possíveis e, especialmente naquele dia, reais. Organizou as folhas, desligou o rádio e foi deitar-se, porém mais uma vez ele esqueceu a caneca sobre a mesa.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Sobre o Sono e as Pessoas que Ainda não São Más

Encontros e desencontros; eufemismos e feminismos; encantos e desencantos; aquilo que entra e aquilo que sai. Existem milhões de coisas por serem escritas, acredito que todas elas vão encontrar seu lugar nas palavras, mas depois de ver a fonte tanto tempo entupida resolvi falar de duas numa história só.

Não era sempre que ele era dado às coisas da religião, mas lembrou-se de um termo que escutou na missa uma vez: “A Coroa da criação”. O sacerdote usou como exemplo um sundae e sua cereja, foi assim que ela ficou gravada na sua mente. Ele bem sabia que rótulos são para geléias, mas a primeira exclamação que surgiu na sua mente foi: “que loiraça gata!” Isso não se faz, mas foi mais rápido do pode se controlar. Ela estava vestida para o crime: roupas justas e escuras como uma estrada perigosamente desejável; um rosto fatal e mortífero, como uma fera caçadora em busca de presas indefesas.

Começaram as brincadeiras, os trocadilhos e ele pensou: “vamos ver o quão feroz é essa fera.” A batalha começou e ele criou regras tão claras que seria impossível ser derrotado, mas na ânsia de domar a fera flechou o próprio pé. Nem mesmo Mnemosine conseguiu clarear-lhe todas as lembranças, deve ter sido por conta dos juramentos feitos em nome dos olimpianos, mas ele tem claro e vivo em sua mente o impacto maravilhoso que foi o encontro de seus corpos. As mãos, os toques, os sorrisos; era divino como a própria figura dela representava ser. E falando em deuses lá veio ele sob a forma de uma taça bem servida de álcool. A ultima lembrança antes de Morfeu arrancar sua alma de dentro do corpo com suas mãos fortes, foi da suave doçura daqueles lábios.

Escuro.

A força de Morfeu é indizível em palavras humanas, sem saber por que, quando e de que modo, seu corpo foi entregue a um sono tão profundo quanto uma reflexão de Vigotski. Num segundo de distração da divindade ele levantou-se em busca de seu ipê roxo. Ao despertar viu a velha amiga que tanto ama; cumprimentou-a e viu também o, quiçá, novo amigo, mas notou que a sala, além de bem mais bagunçada do que antes, estava um pouco sem brilho, vazia de beleza, ela não estava lá, mas Morfeu estava e o aprisionou novamente.

As brincadeiras de Morfeu nunca duram para sempre, a divindade se foi e nosso pobre amigo ficou com o peso da culpa, da vergonha e da graça. Os bons amigos sempre nos tiram o peso da melhor maneira possível:

- Você é burro.

- Muito burro.

- Cara como você pode fazer isso?

- Eu sou burro.

Rir da situação foi quase que involuntário. Quando ela retornou a casa, ainda mais bela do que quando havia partido, ele realmente percebeu que tudo seria uma boa lembrança (ou um texto). Ainda brincou e tentou ser legal, mas restava rir de si mesmo e tentar dormir.

As manhãs nos trazem sempre bons sons e boas imagens. Depois de despertar ao som da mais nobre Black music norte-americana, foram os pássaros que prosseguiram com as melodias. Levantou-se e ela estava lá, quase mais bela do que na noite anterior. A beleza das coisas simples e cotidianas sempre foram à ele mais encantadoras do que tudo. Vestia um pijama rosa num tom tão familiar quanto podia ser. É como se ela fosse capaz de passar o dia vestida com ele.

- Bom dia. Foi o bom dia mais constrangedor de sua vida. A sua alma galante gritava sempre, que uma dama nunca poderia ser abandonada daquele jeito.

- Bom dia

- Estou indo tomar um café, quer alguma coisa pra comer? A única coisa que fazia sentido para ele era ser cortes e gentil, mal sabia que para ela estava tudo bem e normal.

- Claro, algo de presunto e queijo e um todinho.

Foi ali num sofá muito gasto que a “gata arrasa quarteirão” tornou-se um moça com um brilho só dela, como todos nós. Com todos despertos seguiram-se as grandes questões do dia: destino do almoço, da tarde, as trocas de passagens, horários de ônibus; a grande sina dele contra os “psicoloucos” se deve ao fato dele mesmo ter muito de ler e reler as pessoas.

Aqueles olhos lindos de pupilas dilatas, rajado de verde-mel era de uma sagacidade admirável (ele sempre amara mais as pessoas ruins que as boas), mas boiava numa candura muito linda. Ela destilava cortes e pequenas doses de ironia, mas no instante seguinte se deixava atingir por se saber “ajeitadinha”.

Um ipê roxo pode ser amarelo? Alguns responderiam com um simples e não reflexivo “não”, mas a grande verdade é que ela era um lindo ipê roxo e amarelo. Ela tinha sim tudo para ser uma pessoa altiva, cruel e esnobe, mas o problema era a beleza do sorriso dela; a delicadeza das suas roupas e chaveiros rosa; como alguém que imita com tanta graça o andar de um passarinho pode ser má?

Se um charuto pode ser só um charuto, talvez um titulo não queira dizer nada. Quiçá a falha e os contratempos tenham sido os grandes motores do encanto. Se o que acontece aqui, fica aqui, você deveria ficar.

domingo, 7 de novembro de 2010

Semiton

Nossa vida é toda dividida em semitons e é assim que eu quero pra sempre.
Não importo em te arrancar do seu conforto na hora que bem me aprouver
Passo-te a mão onde quero e te faço falar do jeito que eu quero
E se não for assim te aperto e estico sem dó, até me obedecer

E não venhas reclamar, porque te levo até a mais lugares do que deverias ir
(por mais que não deixe outros te encostarem as mãos, mas isso é escolha minha)
Levei-te a praia várias vezes e já fugisse para lá sem minha ordem uma vez
Não vou te castigar, pois sei que és obediente

Mas confesso que só você consegue dizer exatamente o que desejo ouvir
Quando sua voz vem vibrando pelo meu corpo me sinto incendiar
E se me dizes algo novo, assim como de surpresa
Percebo que há um universo a ser descoberto em você

Ah! Vai, me desculpa os dias em que eu te jogo na cama viro e durmo
E finjo que o dia com você foi maravilhoso
Mesmo você me dando presentes tão bonitos que vou mostrar para todos
E que nem sempre eu vou saber cuidar

Roda Viva ( ou Uma Caneca Sobre a Mesa)

Eu vos leio com os olhos que me destes
Leio gestos, palavras, histórias e sentimentos
Leio vosso sorriso, vosso olhar e os gestos despretensiosos
E depois de ler sinto minhas mãos plenamente carregadas

Eu escrevo. Palavras que são em parte minhas e em parte vossa
Escrevo de mundos possíveis e desejáveis a todos nós
E alguns outros que ninguém queria ter, viver ou olhar
Escrevo da minha alma, que é sempre tocada pela vossa

E vocês lêem. Não é algo distante de vosso próprio corpo
Não são textos que contam a história de terceiros
Mas espelhos que revelam o pouco de vós que há em mim
Vocês lêem o que vossas próprias mãos escreveram pelas minhas

E assim vos me reescreveis, com a sobra de vossas palavras ditas por mim
Dão-me novos olhos e novas mãos para que eu cumpra minha tarefa
De reescrevê-los, para que vocês possam ler-se
Diante do espelho das minhas palavras.

sábado, 6 de novembro de 2010

A Dama dos Olhos Azuis

Se me restasse apenas um poema para falar sobre você
Que palavras eu poderia usar para expressar a verdade?
Que detalhes ou fatos eu usaria para descrever você
De um modo que o mundo viesse a te amar?

Não vou negar que seus olhos azuis são os olhos azuis mais belos que já vi
São profundos e muitas vezes parecem mudar de cor
Posso falar dos seus negros cabelos que me cobrem como o véu da noite
A forma com que eles conseguem ficar sempre perfeitos me fascina

Posso falar também do quando você é chata e fresca
Do seu olhar altivo como se o mundo estivesse abaixo de você
Do desprezo com que você me trata só porque não te agrado tanto
Mas não sei se isso tudo é quem você realmente é

Mas quero falar do jeito que você me fisga pelas vísceras quando faz piada
Quando tira fotos engraçadas como se fosse uma criança
Sei bem que é uma mulher que faz moda e faz o mundo
Mas você pode, um dia ou outro, ser leve como eu

É pra você, minha dama dos olhos azuis, que eu escrevi
Só pra te deixar sem entender direito o que significa
Sorria para o mundo, e ele vai sorrir de volta
Sorria para mim porque eu “sórrio” pra você.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Toquei Um Blues Pra Você Dançar

Sei que a noite já esta bem escura, mas eu puxei a guitarra pra perto de mim e acendi um cigarro. Não, eu não me importo de tocar e fumar; não faz diferença ter nicotina entre os dedos se aquele acorde dissonante que me faz lembrar você sair perfeito. Deixei as partituras no carro e não me lembrei de nenhuma peça do Bach... Bah! Deve ser o álcool.

Quando olho seu corpo deitado no chão, me lembrei daquela noite que saímos correndo no píer e você quebrou nossa ultima garrafa de tequila, o que era para ser trágico tornou-se cômico quando você a olhou toda espatifada no chão e disse: “tadinha!” Rimos o suficiente para ter que voltar pra casa de taxi. Vendo o seu collant preto, tão justo e reto no seu corpo, lembro do primeiro dia que te peguei na dança e vi você voar como um pássaro livre. Naquele momento eu descobri o que realmente te fazia feliz.

Então eu combino uma escala com a outra, encaixo um acorde no outro e percebo um leve sorriso nascer no canto dos seus lábios enquanto você ainda finge que dorme. O ritmo vai crescendo e eu sei bem que seu corpo fala bem mais alto que você. Vendo você sentada e olhando pra mim, lembro do dia que eu quase morri de gripe (sim são meus dramas) e nem conseguia tocar; você pegou o violão e tocou a única música que sabia inteira. Naquela hora me lembrei de uma frase do Vinicius de Moraes: “amar, porque não existe nada melhor para saúde do que um amor correspondido.”

Você é dança meu amor; o resto? É puro apêndice. Seus giros, seus saltos, a alegria do seu corpo ao entregar-se para dança como uma oferta divina. Suas pernas como o vento levam e elevam seu corpo a um nível incrivelmente profundo; seus braços como as asas de um falcão me revelam que você sabe voar, com maestria. Suas formas, seus contornos revelam graça e precisão.

Enquanto eu busquei em escalas e acordes; madeira, metal e cabos a expressão dos meus sentimentos, você esculpiu o seu próprio corpo para que fosse seu instrumento. Suas mãos e pés; seu pescoço e sua cintura; todos os seus membros são como uma orquestra totalmente dedicada ao seu grande maestro:o coração.

Agora vem você com seu corpo esguio e delicado me oferecendo uma taça cheia do meu vinho predileto. E eu me entrego a taça; me entrego em seus braços e sou rendido pelo nosso amor.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Ode do Amor a Simplicidade

Não tem sapatos bem polidos e nem um cetro dourado na mão
Não traz consigo tesouros ou o poder sobre outros reinos
Fez pouco caso do protocolo e só faltou com a educação
Trazia os pés quase descalços como uma camponesa de poucos feitos

Suas vestes são pouco nobres e seu passar é quase indigno
Canta canções estranhas e chora, parece bastante sentimental
Não carrega nobreza e sua coroa é um pedaço de elástico fino
Seria uma desfiguração nos padrões reais do sistema feudal

Mas quem disse que eu ligo para isso tudo? Para essas convenções?
Quem pode impor ao Amor qualquer tipo de regra ou modo de ser?
Aprendi que o único caminho verdadeiro é o das emoções
E que maior bem do que a paixão reino nenhum pode ter

Ela traz em si um sorriso belo que poucas sabem carregar
Tem mãos delicadas e um jeito de olhar que nos desarma
Tem uma risada que enche de alegria o ar
E abraça nos entregando de volta toda a calma

É o desdém que tem com o mundo que me mostra o que ela quer
É o modo como ela sabe viver a eternidade de cada minuto que me encanta
É o espelho pequeno que me diz: “assim como você é”
É o desejo de ver o mar e sobre as ondas convidá-la para uma dança.

Ela senta no chão, abraça apertado, canta bonito e ouve poesia
Bagunça minha vida, tira meu sono e enche meu papel de canção
Ela come devagar, caminha sem pressa e faz pão caseiro (como minha vó fazia)
É franca em palavras, delicada em ações e forte em sua decisão

Ela é simples, como simples é o amor
Ela é simples, e descobriu que seu olhar, em mim, torna-a fatal
Ela é simples, e carrega isso consigo aonde for
Ela é simples, tão simples porque é real.

Um Novo Conto de Fadas

O príncipe estava feliz finalmente chegara o dia de conhecer a sua tão amada princesa. Ele escolheu o melhor manto, um bem escarlate com detalhes em branco. Mandou polir com maestria o cetro e a coroa. O anel real em sua mão parecia ainda maior e brilhante. Sentou-se quase soberano sobre seu trono no salão real; toda a corte o observava, viam aquele que em breve se tornaria o rei, o que não sabiam é que por dentro ele ainda era um menino que sonhara se apaixonar.

O Salão estava em ansiedade. Quem seria a nova princesa? De que reino viria? Era alta? Magra? Simpática? Teria irmãos ou irmãs? O ritual era simples: a princesa entraria apresentando-se ao pretendente e depois os dois iriam ceiar diante da corte. A mesa do casal estava repleta de iguarias que nem os mais abastados do reino conheciam: carne de caça do norte do reino; romãs colhidas por virgens ao sul (na fronteira com os reinos negros); taças de ouro trazidas do oriente, tão bem trabalhadas que pareciam ter vida própria; a mesas e as cadeiras eram tão perfeitas como se já tivessem nascido daquele jeito.

Subitamente as portas do salão se abriram e as trombetas soaram anunciando a chegada da princesa. Primeiro seu Arauto entrou; ele era tão belo quanto o próprio príncipe e vestia vestes nobres que fizeram todos especularem sobre quão grande seria a beleza da princesa, visto que seu servo era tão apresentável. O Arauto aproximou-se do trono e curvou-se, estendeu uma pequena caixa ao príncipe, era um humilde presente: um pequeno espelho que trazia gravado em sua moldura, “assim como você é”. Levantou-se e, indicando a porta, anunciou a entrada da princesa.

A entrada dela deixou a todos chocados. O Arauto olhou em direção a ela e sorriu; a corte toda expeliu um “oh!”; o príncipe endireitou-se na cadeira e esfregou os olhos para ter certeza de que o que via era real. O protocolo dizia que a princesa entraria com as vestes oficiais do reino, o cetro e a coroa sobre a cabeça e o cetro em mãos. Deveria vestir cores claras e calçar sapados de salto claros também. Ajoelhar-se-ia diante do príncipe, diria seu nome e quando ele estendesse a mão (se a aceitasse) ela se levantaria e sentaria ao lado do amado, mas as coisas foram um pouco diferentes.

No lugar de sapatos de salto com cores claras ela trazia nos pés um par de havaianas florais, branco com rosa, suas preferidas. Suas unhas estavam pintadas de renda à francesinha. O longo vestido deu lugar a uma calça jeans bem surrada (com a barra um pouco gasta) e um moletom azul-marinho da GAP que era um pouco largo para ela, mas que a fazia sentir-se totalmente à vontade, o capuz atirado para trás com seus cordões jogados para frente. Não mão não trazia um cetro e sim um celular um pouco velho já e quase sempre sem crédito; nas orelhas não haviam grandes brincos de pérola apenas dois fios brancos dos fones do seu iPod que tocava algumas canções dos Beatles, ainda se podia ouvir os versos de “All My Loving”: “Close your eyes and I'll kiss you/Tomorrow I'll miss you/Remember I'll always be true/And then while I'm away/I'll write home everyday/And I'll send all my loving to you”. Na cabeça não havia nenhuma coroa, mas um cabelo amarrado num rabo-de-cavalo feito as pressas com pequeno elástico. Ela não usava uma grama se quer de qualquer tipo de maquiagem; seus lábios só mostravam o cabo do pirulito, de morango por que ela adorava; a pele era clara e sem nenhuma marca do passado. Seus olhos eram vivos, castanho-escuros e fortes; percorreram o salão observando cada rosto, todos perplexos, até que se detiveram sobre o rosto do príncipe e sorriram. Ela seguiu em direção ao moço real que parecia cada vez mais chocado, passando pela mesa observou todas as guloseimas e as desejou. Não curvou-se ou esperou qualquer reação apenas olhou sorrindo para o príncipe e disse seu nome e estendeu a mão, pois como dizia sempre sua mãe fez dela uma menina bem educada.

Os bispos queriam rezar para que Deus não os castigasse por aquele sacrilégio; as carpideiras já se colocaram a chorar (o que elas estavam fazendo ali?); as damas desmaiaram e as donzelas ficaram indignadas em terem perdido o príncipe para aquelazinha. Os soldados riam disfarçadamente da má sorte do pobre príncipe e alguns homens a acharam de certo modo até muito atraente. O que ninguém imaginava era o impacto que aquele sorriso causou dentro da alma do príncipe.

Sentaram-se para o jantar, o que deixou a todos um pouco irritados ao ver que o príncipe levava em frente aquela história toda. Não era possível escutar o conteúdo da conversa, mas a princesa pareceu bem tranqüila o tempo todo, diferente do príncipe que começou há comer um pouco tenso. Ela não seu fez de rogada em nenhum momento conversa, dava risada e gesticulava bastante. O celular tocou duas vezes, mas ela preferiu não atender porque o papo estava muito bom.

Tendo os dois terminado, ela cochichou algo no ouvido do príncipe, que a essa altura já estava totalmente entregue aos encantos da moça, e os dois saíram para o jardim. Correram juntos, deram as mãos em alguns momentos; ela chorou uma ou duas vezes (pois ele tinha dores e sempre dói um pouco quando nos abrimos com alguém); fez muitas perguntas e percebeu que em alguns momentos foi tagarela além da conta. Teve vergonha e ficou sem palavras quando ele pegou a lira e cantou e depois recitou alguns versos apaixonados a ela. Eles deram o primeiro beijo, ambos ficaram sem jeito (a gente sempre fica um pouco sem jeito no primeiro beijo). Depois sentaram-se para escrever.

Quando voltaram o príncipe já estava sem manto e a coroa estava sobre a cabeça dela, os dois riam bastante. Com uma mão ele segurava mão da amada e na outra trazia um pergaminho, que foi entregue ao Arauto que o leu para todos escutarem:

Ode do Amor a Simplicidade

“Não tem sapatos bem polidos e nem um cetro dourado na mão
Não traz consigo tesouros ou o poder sobre outros reinos
Fez pouco caso do protocolo e só faltou com a educação
Trazia os pés quase descalços como uma camponesa de poucos feitos

Suas vestes são pouco nobres e seu passar é quase indigno
Canta canções estranhas e chora, parece bastante sentimental
Não carrega nobreza e sua coroa é um pedaço de elástico fino
Seria uma desfiguração nos padrões reais do sistema feudal

Mas quem disse que eu ligo para isso tudo? Para essas convenções?
Quem pode impor ao Amor qualquer tipo de regra ou modo de ser?
Aprendi que o único caminho verdadeiro é o das emoções
E que maior bem do que a paixão reino nenhum pode ter

Ela traz em si um sorriso belo que poucas sabem carregar
Tem mãos delicadas e um jeito de olhar que nos desarma
Tem uma risada que enche de alegria o ar
E abraça nos entregando de volta toda a calma

É o desdém que tem com o mundo que me mostra o que ela quer
É o modo como ela sabe viver a eternidade de cada minuto que me encanta
É o espelho pequeno que me diz: “assim como você é”
É o desejo de ver o mar e sobre as ondas convidá-la para uma dança.

Ela senta no chão, abraça apertado, canta bonito e ouve poesia
Bagunça minha vida, tira meu sono e enche meu papel de canção
Ela come devagar, caminha sem pressa e faz pão caseiro (como minha vó fazia)
É franca em palavras, delicada em ações e forte em sua decisão

Ela é simples, como simples é o amor
Ela é simples, e descobriu que seu olhar, em mim, torna-a fatal
Ela é simples, e carrega isso consigo aonde for
Ela é simples, tão simples porque é real.”


Quando o Arauto enrolou o pergaminho seus olhos estavam marejados. Ao observar toda a corte, damas, donzelas, soldados e bispos, todos estavam a chorar (de alegria). As carpideiras choravam de graça (talvez por isso estivessem ali). Todos sorriam e aplaudiam fervorosamente. A princesa sorria olhando seu amado; o príncipe sorria olhando sua amada. E os dois de mãos dadas e sentados no meio fio da calçada descobriram como escrever, um novo conto de fadas. Onde não há torres inexpugnáveis, dragões ferozes ou feitiços e maldições. Existe apenas dois desejando a cada dia, ser um.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Nina

Cinema, a sétima arte tão bela quanto todas as outras. Essa arte que nos revelou tantos homens e mulheres talentosos; fez-nos ver que “o vento levou amores possíveis da mão que balança o berço, a mão do poderoso chefão que mora numa casa blanca”. Cinema, essa sala mágica de tela grande e som poderoso, alguns vão até lá para namorar, outros para dormir, uns para assistir, mas eu fui para observar. Não tinha certeza se era anjo, fada, menina ou uma mistura tão divina quanto tudo isso pode ser.

Comer é um dos maiores prazeres da vida, alimenta o corpo e dá força; rezar é a mesma coisa, mas faz isso com o espírito o deixa forte e pronto para encarar qualquer parada. Amar... Não é preciso dizer muito, é isso que ilumina nossas vidas que faz dos dias cenas coloridas, nos faz desejar um sorriso, um olhar. Eu tinha tudo isso, bem na cadeira oito ao meu lado.

A luz tênue da sala releva seus contornos. Sei bem que ela não estava muito a vontade, seus braços cruzados só se mexiam quando o nervosismo ruía as unhas ou para arrumar, o já tão arrumado, lenço de onça (que eu não sabia, mas que viria a conhecê-lo muito bem). Seu rosto revelou-se fascinante: o nariz levemente empinado, os lábios rosados, a pele macia e aqueles olhos que pareciam iluminar tudo o mundo, olhos que fingiam não me ver olhar. Ela ficava sem jeito, jogava o cabelo e falava de outras coisas para me distrair; mas não tinha como eu precisava decorar aquela imagem. Como era bela quando sorria envergonhada e olhava para mim. A vaidosa passava creme nas mãos, e eu sendo oportunista pedi nas minhas também. Como foi bom sentir suas mãos tocarem as minhas, eram delicadas e firmes, queria que elas estivessem aqui agora. Restou o cheiro do seu creme em minhas mãos, que se mistura ao meu teclado, ao meu violão, ao meu jeito de ser. Esse cheiro se misturou com meu olhar, com meu modo de ver você.

Num momento percebi que seus olhos estavam marejados. Não eram lágrimas de alegria e isso me cortava levemente o coração. Confesso que naquele momento vi se manifestar uma beleza tênue, melancólica e encantadora. Com certo bom humor tentei conversar.

“Porque você quer chorar?”

“Não é nada.”

“Lembra aquela vez que te disse que um dia todos nós seriamos felizes, Independente do foi, do que é, ou do que será? Nós seremos todos felizes.”

“É, mas às vezes demora.”

“Talvez você já esteja feliz.”

A cena do filme era pra ser linda: um barco, uma paixão e uma ilha só para os dois, mas a mocinha temeu. Nossa cena seria ainda mais bela, seria quase uma citação: “eu, você, nós dois aqui nesse banquinho a beira mar.” Queria ver aquele mesmo rosto sendo iluminado pelo sol que nasce, acompanhado de acordes dissonantes e melodias suaves. Tive que me denunciar.

“Eu não tenho um barco, mas poderíamos passar uns momentos juntos.”

Ela sorriu, de novo, e isso foi me encantando cada vez mais.

Faz dezoito dias que escrevi esse texto, e acredito que descobri o que é apostar. Voltei pra casa leve, com essas palavras nascendo em mim como se eu fosse fonte. Eu sorria para o nada pensando em você. Quem sabe enquanto escrevo você esteja pensando ou falando de mim (que pretensão), mas e agora? No fim das contas percebo que desejo sua felicidade, que você prossiga vencendo e seja realizada. Se eu fosse músico te fazia uma canção, mas me restou ser um humilde artesão de palavras por isso te escrevi. Fiz de tudo para que não fosse bonito e sim lindo, mas isso quem decide é você. Felicidades.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Poema Francês

Eu me esqueci um pouco
Eu me esqueci bastante
Eu esqueci todas as coisas que me diziam que não poderia ficar com você

Eu me esqueci

Esqueci o dinheiro
E agora não posso lhe pagar nem uma flor

Mas o ouro e a prata
Eles não podem pagar o amor

Eu esqueci a caneca sobre a mesa
E meu café esfriou
Mas minhas mãos
E meu coração
São quentes

Ainda

Eu me esqueci de afinar o violão
Mas eu sei que a canção pode ser escutada
Sempre que alguém
Colocar os ouvidos na areia

Eu me esqueci
Como se escreve
Sempre haverá uma palavra
Para dizer o que precisa ser dito

Só não esqueci do Amor
Pois lembrei de Você

domingo, 24 de outubro de 2010

Alta Madrugada

Com certeza é a voz mais doce e bela que se pode ouvir. Lembro da primeira vez que a ouvi, foi algo simples, talvez tão simples quanto um “oi”. Mas veio o tempo e fez aquilo que faz de melhor: transformou as coisas mágicas em normais, e as normais em banais, e as banais em obsoletas.

Aquela voz tão viva foi aos poucos desaparecendo no meio de tantos sons. Eram máquinas e carros; gritos de olé, gritos de protesto; sabores novos e velhos desgostos; novas formas sem nenhum conteúdo. “Você viu o acidente?”; “ela não quer falar com você”; “você é meu amor”; “faz biquinho”; “ê tem som de í e ú tem som de ê”. Não sei como e nem onde, mas todos esses sons se misturaram e eu perdia aquela voz.

Então eu corri, passei por tantos lugares pra ver se podia pelo menos encontrar um eco dessa voz de amor, a voz do próprio Amor. Esqueci a diferença entre o dia e a noite e os limites eram tão tênues que... Acredito que ultrapassei todos. E onde estava minha voz? Que melodia ela cantava enquanto eu ria sem ver graça? Estava lá sussurrando pra eu olhar pra trás.

Encontrei essa voz onde menos esperava: numa conversa no sofá; num bate papo no bosque e num sorriso de mulher. Hoje mesmo a ouvi e percebi que há vida quando ouço o amor falar. Chama meu nome e me acalma. Talvez eu venha a me distrair de novo e quem sabe deixar uma ou duas palavras passarem, mas quero que essa voz soe de dentro pra fora. E quando estiver no sofá poderei de entender e respeitar; quando estivermos no bosque saberei te ajudar e ouvir. E quando contemplar o Sorriso, não irei me inquietar, vou descansar e ouvir sua voz dizer que me ama.

Agora eu vou correndo em direção a ela todos os instantes. Com busão cheio ou não, eu posso ouvir; sozinho em casa ou no meio da multidão, eu posso ouvir; em palavras lidas, escritas ou faladas, eu posso ouvir. Eu vou me abraçar com essa voz e guardá-la fundo no peito pra quando o amor vacilar eu ajudá-lo a levantar; quando as duvidas se colocarem (da maneira certa ou não) saberei responder. E é assim: eu vou.

sábado, 23 de outubro de 2010

Soneto Inspirado

Quem é você, que carrega um “quê” de melancolia, mas mesmo assim me encanta?
De onde vem esse cheiro de morango que faz sentir saudade e aperta o coração?
O que é isso que me deixa sem jeito, com sorriso estreito e ao mesmo tempo me espanta?
Pra onde vai esse caminho oculto, por hora de incertezas, que eleva minha canção?

Sobrou a duna, os textos, as cifras o violão jogado e o sorriso largo.
Falta saber dos medos e das risadas, dos acertos e das aspirações.
Tem ainda um restinho de vinho tinto da noite passada, se você quiser eu trago.
Os filmes pensantes e românticos ainda vão abrir caminhos para muitas emoções.

E nessa hora que parece que você pensa em mim, eu escrevo pra você
Mas pode um poema ser distante, não romântico e imparcial?
Acho que não, mas não sou eu quem define o final.

Tem dias que é complicado rimar, quem vai nos aquecer?
Se um dia me perguntarem quem me inspirou a escrever
Vou esconder seu nome, mas não vou te esquecer.

Gêmeos do Mal

Heróis e vilões, todos convivem com isso desde muito pequenos, nos desenhos, nas brincadeiras e nas cantigas de roda. Não dá pra negar que pelo menos uma vez o vilão chamou bem mais atenção que o mocinho; cá entre nós o mocinho é sempre o mocinho: dócil, amável, respeitador, honrado e corajoso. Não pode e nem quer fugir muito disso. Já os malvados eles são tão versáteis quanto versáteis podem ser: às vezes são monstros gosmentos com cores estranhas e poderes esquisitos; outros são doutores megalomaníacos com idéias mirabolantes; já vi alguns que são tristes melancólicos idealistas que querem mudar o mundo (sem contar os loucos extravagantes que querem destruir tudo para governar... nada?).

Mas ela era uma vilã diferente: era alta, corpo esguio, cabelos longos e escuros; olhos tão negros quanto uma noite sem lua, eram olhos que carregavam um ar debochado, superior e displicente; pele clara e sorriso radiante. Quem a visse de longe pensaria logo que ela era a mocinha, a princesa a ser salva, a donzela presa no quarto mais alto, da torre mais alta. Mas quem pensava isso se enganou, e feio.

Certo dia até prenderam ela num lugar, protegida por um dragão feroz e até aquele dia tido como indestrutível, mas ela não ficou ali muito tempo. Enfezou-se de tal maneira que saiu do quarto, matou o dragão, comeu um pouco da carne e ainda usou o couro para fazer uma bolsa linda. Ela serrava o galho das arvores e depois pedia pro mais corajoso escalar, só pra ver o coitado se espatifar no chão. Roubava os ovos dos passarinhos, fritava e cominha bem embaixo da árvore onde ficava o ninho. Colocava tachinha na cadeira da diretora só pra ouvir os gritos de indignação de Dona Sandra.

Mas um dia ela encontrou alguém tão malvado quanto ela. Entre as maldades dele estavam prender a língua de dois gatos com super bonder e um pequeno incêndio na televisão do quarto (o que rendeu um pintura nova para toda a casa por conta da fumaça). Tinha a pele negra, um jeito altivo e ouvidos tão atentos que era capaz de conversar e ainda ouvir duas conversas paralelas. Nunca lhe faltou uma resposta, a ponta de sua língua era uma flecha envenenada.

Quando se viram não foram necessárias palavras, sabiam que ali estava um belo exemplar de maldade. Tornaram-se aliados no mesmo instante, começaram a compartilhar as traquinagens e nas rodas de conversa eram sempre os mais terríveis e temíveis. Um era uma versão melhorada do outro o que lhes rendeu o apelido de Gêmeos do Mal.

O tempo passou e mesmo com os dois brigando às vezes, tornaram-se grandes amigos; aprontaram tanta coisa juntos. De tanto fazerem maldades em algumas situações foram verdadeiros heróis, mas isso eles nunca vão admitir. Ouvi dizer que viajaram pra Itália afim de “arrumar” a torre de Piza; encontrei uma lista na com a letra dos dois:

- Maquiar a Mona Lisa
- Apagar a pira Olímpica
- Furar as bolas da final da copa
- Contar os três segredos da Fátima (Vizinha)
- Colocar pó de mico na batina do Frei Dimas

E algumas outras coisas que não quero nem me lembrar. E assim eles seguiram, sempre perguntando: “travessuras ou travessuras?”

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Há uma mão que não segura a minha, mas que mesmo assim por ela é desejada;
Há um caminho a ser caminhado, seja o amor e uma grande amizade.
Há uma moça que quando a olho diretamente fica desajeitada,
Há um homem que com ela quer fazer um pacto de sinceridade.

Eu tenho alguns livros, verdade e muita vontade de te conhecer bem melhor.
Será que você tem um pouco de sorriso, atenção e palavras para dividir comigo?
Eu tenho fé e amor em alguém que é maior do que nós e pode ser um grande professor.
Será que você tem uma praia, com uns banquinhos de madeira e um violão, pra fazer de mim seu amigo?

Vem comigo eu te pego de surpresa, te escrevo um poema e faço você corar.
Eu vou com você para me levares nos seus lugares, que são bonitos, mas eu ainda não conheço.
E juntos podemos atravessar as madrugadas, com conversas e risadas, ajudando um ao outro a orar.

Vem comigo e eu te mostro um acorde dissonante tão bonito que me fez lembrar você.
Eu vou com você pelas canções que te encantam, te fizeram rir e chorar.
E juntos vamos esquecer as nossas dores e deixá-las pra longe, para nunca mais voltar.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Bientôt

Fechou as cortinas com certa melancolia. Na mochila velha uma muda de roupas, alguns livros com anotações e muita experiência. Observou o velho letreiro que balançava ao vento da lagoa; olhou as dunas quem sabe por uma ultima vez. Deu duas voltas na chave e virou-se, mas deu de cara com ele.

“Você não pode fazer isso.”

“Calma irmãozinho.” Disse com aquele bom e velho sorriso no rosto.

“Calma? Você é louco, como me pede calma tomando uma decisão dessas?”

Sentou na guia e respondeu com uma calma que era comum a ele em todas as conversas.

“Cara vai ficar vivo tudo aquilo que construímos juntos, as lembranças são eternas, elas são cíclicas.”

Ele não percebeu, mas seu interlocutor ferveu de raiva por dentro.

“Lembranças? Elas vão me ajudar a vomitar? Vão beber até ficarem burras e esquecerem-se das conversas da noite?”

“Percebeu? É isso que fica, ficarás bêbado e burro; vai vomitar e vai se esquecer de muita coisa; e quando isso acontecer você vai lembrar-se de mim.”

“E eu vou chorar seu cabeçudo, e sabe o motivo? Foi com você que gastei mais horas conversando (mais horas do que gastei estudando). Quando fiquei interessado naquela menina, foi você que me convenceu que valia a pena investir. O primeiro ‘continue escrevendo’ foi seu.”

O amigo estava inconsolavelmente abatido, não chorava, mas sentia a dor.

“É isso ai man, chegou a hora. E como você mesmo diz: ‘fica o que é verdadeiro’.”

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Não consigo entender direito por que meus olhos estão úmidos, faz tão pouco tempo. Nunca te dei nada de valor (talvez algumas cervejas e um jogo de cordas de violão), e sei também que isso não importa muito pra você, mas quero dizer que te dou um pedaço da minha história, um pouco do meu apreço e muito, muito mesmo, da minha admiração. Nesses últimos dias, vamos viver o que você escreveu: “Você vai me ensinar e eu vou te ensinar. Você vai rir de mim e eu vou rir de você.”

Sou grato por muitas coisas, mas talvez a principal delas seja aquela em que você me fez crer. Minhas preces e desejos de boa sorte irão te perseguir aonde você for. Houve, haverá e há-braços.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Mineirinho

O cenário não era dos mais lúdicos e belos: uma casa mofada, vazia e um colchão emprestado. Jogou o corpo cansado sobre o pedaço de espuma e pensou: “e agora José?” Olhava para o teto da casa tentando falar com Deus, mas tudo parecia novo, prazeroso e assustador.

Sentiu-se forte o suficiente, com conhecimento e propostas suficientes para iniciar uma nova fase na sua vida. O interior sempre é lindo, têm sua calma, suas igrejas, seus carnavais de rua; mas olhando toda aquela beleza pura e simples sentiu que estava na hora de voar. Começou a conversar com a mãe do mesmo jeito de sempre, mas ela sentia dentro do seu coração que aquela não seria mais uma conversa comum. Depois de muito falarem, ele disse.

“Mãe eu to indo embora trabalhar.”

“Mas filho aqui você tem tudo, fica, não precisa ir pra tão longe.”

“Eu sei mãe, eu te amo, mas chegou a hora de voar sozinho.”

Lembrou-se da casa bem arrumada, com suas coisas sempre prontas e no lugar, das facilidades e da cama sempre tão acolhedora e confortável. Quando deu por si estava de novo no colchão emprestado, na casa vazia e mofada. E o que você faz quando chega num lugar totalmente estranho e só se tem um sorriso? Você faz amigos. E foi assim que conquistou um coração após o outro. Umas se apaixonaram na hora com o jeitinho de falar diferente, as risadas e o carinho; alguns não gostaram por que ele parecia ser um tanto superior, como se já soubesse de tudo; um outro (que mais tarde viria a tornar-se um irmão) ignorou. A verdade é que nenhum coração conseguia ficar indiferente a existência dele.

As coisas nem sempre são como nos prometem. O lugar é lindo? Sim, mas muito caro para se viver. O emprego é bom? Muito, mas o salário é um pouco menor. Houveram noites de cabeça cheia e barriga vazia. A solidão que leva a lágrimas tão amargas quanto fel foi a única companheira por longos dias. Quando a única coisa que existia para alimentar-se era uma prece ele começava a questionar a proporção da cagada que poderia ter feito saindo de casa, mas uma vez fora, para sempre fora.

Lutou consigo mesmo e contra o mundo. A casa já não estava vazia, agora vivia repleta de amigos e companheiros. Não acreditou quando viu seu espaço invadido por tanta gente num aniversário que era pra ser simples. A noticia correu como um rastilho de pólvora.

“Tem que subir o morro?”

“Qual o numero da casa?”

“Mais salgado, mais salgado!”

Ele sorria e percebeu que já era muito aceito e começa a ser amado.

Via uma nova família nascer ao seu redor. Um pai acolhedor e conselheiro, que o fazia sempre dar o melhor de si; uma mãe forte e dura, com um sorriso que inundava qualquer lugar e situação e tinha até um pequetito, muito inteligente que arrancava boas risadas de todos. E aquele “um” que ignorou, hoje dava e recebia atenção sem igual.

Hoje a casa cresceu mais amigos e mais amores foram conquistados. Ele tem com quem conversar e compartilhar; tem com quem brigar e fazer as pazes; tem com quem lutar lado a lado para que o amor seja real. Tem muitos outros planos e ainda muito céu para voar; dança tão desengonçadamente nas festas, mas sem perder nem um pouco da graça. Descobriu que nas noites que se alimentou somente das preces foi quando melhor comeu; percebeu que a família que se deixa nunca se abandona e mesmo de longe eles existem em outras pessoas.

Não conhece o futuro e saber o dia do amanhã é um desejo de todos, mas não uma necessidade. Ele sabe que o que os seus desejam (até do “um” que o ignorou) é que seja feliz realizado e prospero. Que encontre no amor parte da sua realização e a outra parte fica com a causa. Hoje ele sabe que tem onde pedir socorro, onde caminhar na praia e com quem contar, quase sempre e pra quase tudo. Ele é feliz.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Olhando pra Dentro de Longe

Ser feliz por uma conquista pessoal é tão nobre quanto à própria conquista. Mas ficar feliz por terceiros é um sentimento nobre e maravilhoso de se sentir. Naquela tarde de domingo não havia outra coisa que se sentir; mesmo depois de ver tanta coisa, contar e ouvir tantas histórias ele encantou-se com uma cena que nunca mais iria esquecer.

Cerveja, risada e um pouco de comida, eram os prazeres da vida, aqui da terra, mas seus olhos pertenciam à outra natureza, eram de um lugar distante, belo e eterno. Por isso esses olhos foram sugados para os dois jovens que num simples sofá criavam uma das obras de arte mais lindas da vida. Ele era assim, como é até hoje, simples e nem de longe medíocre. Fazia dos sentimentos imagens, e das imagens palavras tão belas que fizeram os dedos de pedra virar carne e poesia. Ela era uma flor, das mais raras e belas; era mais, podemos dizer que ela era a personificação da própria primavera em todos os seus tons, cheiros e sabores.

Seus olhos nunca mais foram os mesmos, aquela imagem tornou-se um ritornelo de uma verdade: o Amor é real e possível. O rapaz sentado desajeitadamente no braço do sofá carregava seu bom, velho e negro companheiro de seis cordas. Seus dedos percorriam as cordas já gastas formando uma harmonia que era regada de amor e paixão. Estavam um diante do outro, seus olhares se encontravam e o sol lá fora brilhava mais forte, o céu ficou mais azul. O expectador não ouvia a melodia, e talvez não queira descobri-la, mas podia ouvir que as notas eram murmúrios de amor, confissões de que “eu prometo não viver mais sem você” e juras de “se o mundo passar e meu corpo for feito em mil pedaços, meu amor por ti estará guardado numa caixa”. Ficou sabido naquele momento que qualquer pessoa em qualquer tempo que pudesse ver, ou pelo menos saber dessa cena, iria acreditar no amor, pois um amor de verdade inspira outrem.

Nosso querido expectador abaixou a cabeça e guardou a cena para sempre consigo. Voltou de súbito a crer num amor bonito, como dos filmes e tão real e vivo quanto o das ruas. Quanto tempo passou sem viver seus próprios amores? Já não sabia, mas sabia que como ele sabia que podia dar certo iria à busca do seu. Graças a dois, um creu. Algum outro passante meio distraído bateu em seu ombro e perguntou.


“Olha que cena linda. Será que o amor ainda existe?”

A resposta foi simples, como simples é o amor.

“Ainda e sempre.”

Lavar a Louça

Lavar a louça é uma tarefa chata na maioria das vezes, mas quando se faz com prazer é maravilhosa. O que muitas pessoas não entendem é que lavar a louça pode ser uma grande terapia, um momento de profunda meditação e até com um certo humor.

Eram quatro horas da manhã, mas o desejo misturou-se com a responsabilidade e ele foi lavar. Seguiu o mesmo método de sempre: foi esvaziando a pia separando os talheres, os copos, os pratos e as panelas, as malditas panelas. Se lavar a louça fosse uma analogia da vida com toda a certeza as panelas seriam nossos problemas. Grandes, desengonçadas e difíceis de lidar; nesse teatro de água e sabão as panelas de pressão seriam os maiores problemas (aqueles de família ou de coração) que por mais que lutemos e viremos de cabeça para baixo, sempre resta àquela agüinha chata. Os copos seriam o próximo, é até bom “ensaboá-los” por dentro, mas se for sem jeito ou você se machuca, ou eles se quebram.

Depois de tudo devidamente separado e organizado, como deve ser na vida, pôs-se a lavar. Era de certo modo uma alegria para ele, pois podia pensar em tudo e em todos e ainda ajudar na casa, sorria para a parede branca com o desejo de colar nela um recado em letras garrafais: “MENINAS O LUGAR DO RESTO É NO LIXO. NA PIA SÓ A LOUÇA! GRATO”. O “grato” na verdade era só um eufemismo de algumas coisas que não posso colocar aqui. Nosso lavador de pratos, como se intitulou, lembrou da sua nova e feliz situação financeira: Bolsista. Tentou localizar-se na pirâmide social e viu que estava em algum lugar entre os estagiários e os seminaristas, mas era bom poder ajudar. Esqueceu-se de que não teria como almoçar por que seus passes para o restaurante e o dinheiro acabaram numa sincronia quase sinfônica.

Pensou nas crianças e nos fascínio que elas causavam nele. Contar história é um dom (quem sabe ele tinha), mas ser amado pelos pequenos é um dom ainda mais valioso. Ele entendia muito bem que as crianças ou amam, ou não e como queria criar e descobrir histórias que pudessem fazê-las sorrir e cantar. Lembrou-se de todas as delicias (comestíveis ou não) que experimentou no decorrer do dia e de como era fácil ser feliz, é descomplicar. Chocolate, sorvete, frango, café, praia, amigos e o lugar vago ao seu lado no banco de madeira. Onde estaria? Mas tudo isso lhe foi usurpado rapidamente quando se lembrou das três páginas sobre a audição do corajoso herói que desbravou o hades em busca da sua amada.

Quando deu por si a louça havia acabado exceto pela panela de pressão, pois sempre teremos um restinho de problemas; sobrou também um texto que gritava a plenos pulmões que deveria dormir por que amanhã seria um novo dia. Mas a música era tão bela, o dia foi tão bom... Ele adorava lavar a louça, mas ele amava escrever.

domingo, 10 de outubro de 2010

Laila

Dizem alguns sábios que quando menos coisas vocês precisa para ser feliz maior e mais fácil será e virá a sua felicidade. Ela tinha o arco, a cera e a imaginação, do que mais poderia precisar?

Sentou-se na cadeira como se nada mais pudesse existir ao seu redor; colocou o instrumento entre as pernas, curvou levemente a cabeça. Seus cachos misturavam-se levemente com sua mão e com as cordas já afinadas. A luz baixou, a platéia silenciou quando a crina de cavalo devidamente esticada tocou as cordas banhadas a prata, o som era divino. Não houve ouvido ou alma que ficasse alheio aquele som.

Viu-se que o jovem Elliot, estudante do instrumento, observava cada movimento, cada colocação do arco, cada nota, cada movimento. As imagens da possível partitura nasciam na mente dele como um castelo. Senhor Castelmare não pode conter as lágrimas que lhe caiam sobre o rosto. Lembrou-se do dia que caminhou com o sol no rosto, a mão dada, o frio na barriga e o calor no coração, eram lembranças tão boas que aquela melodia trazia. Raquel e Pedro sentiam-se arrepiar, como se cada nota amarrasse o que sentiam um pelo outro.

Nossa musicista desapareceu, não era mais arco, cera e madeira; não era mais osso, tendões e carne; não era mais desejo, pensamento e espírito ela era música. Tornou-se nota, intervalo, acorde; foi feita melodia e ritmo que pulsava no compasso dos corações. Desfez-se diante de todos e passou a fazer parte de todos. Seus cachos eram agora a pauta de toda e qualquer partitura tocada; sua voz se tornou melodia cantada desde as cantigas de rodas, até a mais romântica serenata. Seu coração era agora compasso e ritmo do próprio amor.

Hoje ainda é possível ouvi-la por toda parte. No canto dos pássaros, no riso das crianças, no farfalhar das árvores, no barulho das ondas e na voz de quem ama.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Curriculum Vitae

Algumas meninas realmente dificultam o processo da conquista. Certo dia depois de alguns sonetos e um bom papo, ela me disse: “gostou manda currículo”. Enfezei-me de tal forma com esse ultraje que vai demorar a se repetir, mas como aqueles olhos de mel eram tão doces... Eu fiz.


Nome: Não importa muito, sei que vou ganhar um apelido carinhoso no diminutivo que até vou gostar, mas vou sentir vergonha quando o usares em publico.

Nacionalidade: Onde você estiver.

Idade: Suficiente para te levar pra sair num carro, mas insuficiente para entender algumas loucuras que você comete de 28 em 28 dias.

Estado civil: Fica ao seu critério (literalmente).

Endereço: Seu coração.

Formação: Sou formado em DR I e II, com especialidade em foco de atenção; formação em Passeio no Shopping III e Conversa com a Sogra I; tenho participação em palestras como: “Vencendo a tentação da cunhada bonita”, “Evitando Futebol com Amigos”, ”Conversando com Ela: Antes e Depois”. Especializações em memorização de datas, cortes de cabelo (e tinturas), esmaltes, roupas novas e sapatos. Também com enfoque em: presentes surpresas, cartões para rosas e nossa música ao violão.

Experiência: Até tenho bastante, mas se começar a falar delas você vai ficar brava, e não vai querer que eu ande mais com muita gente.

Objetivo: Sermos felizes juntos seja lá o que isso signifique. E se possível for sobreviver ao processo.

Informações Adicionais: Sou alérgico a pipoca de micro-ondas e não vou assistir “Lipstick Jungle” com você (muito menos “Good Wife”). Preciso que não assistas o futebol comigo pela manutenção da nossa relação.


Agora tá feito, vou enviar e quero ver a resposta. Que audácia dela.

A Dama e o Leão

Naquele dia ela chorou lágrimas simples e quase tão tímidas quanto eu fiquei na hora. Seu olhar distante perdido em números que não interessavam muito a ela, já faz um tempo, mas eu consigo me lembrar bem da cena. O moletom cinza de capuz jogado, o guarda-chuva emprestado apoiado no braço e uma tristeza que rasgava o coração. Os olhos levemente inchados, mas ainda belos, não eram de alguém que acabava de acordar, mas sim de quem chora. Quando vemos alguém com olhar perdido nos perguntamos: “para onde essa pessoa tá olhando?”; eles sempre olham pra dentro, para as memórias. Eu não sei ao certo como foi a briga, mas as mulheres exageram e sabe por que? Porque elas amam, não era diferente com ela.

A devoção que ela tinha com aquele leãozinho era de se admirar. Viajei muito pelo mundo, conheci vários circos ( e até mesmo as savanas africanas), mas nunca vi um leão tão bem cuidado. Juba negra esvoaçante, força e garra para “correr atrás”, porém esses méritos não são dele e sim todos dela. Com mãos de anjo prepara alimento, quando ele vem visitar, com cabelos de seda permite que os seque, com voz de pássaro conversa sempre com ele de longe.

Hoje ela chorou lágrimas tão alegres quanto eu estou. Vestida de branco como uma rainha, dominando todo ambiente com sua beleza, ela brilha. A estrela da nossa noite chora sem perder uma virgula da sua classe e da sua doçura. Ao seu lado o mesmo leão imponente e orgulhoso de ter a mais linda dama consigo. O vestido é perfeito, a noite esta linda, o homem eleito para acompanhá-la por toda a vida segura sua mão. Depois de tudo feito, ainda com algumas lágrimas que testam a maquiagem a prova d´água, no seu anelar esquerdo repousa o simbolo de uma vitória, não só sobre si mesma e todas as dificuldades, mas também uma vitória do amor. É também um simbolo, sem inicio nem fim, de uma nova etapa que começa para a eternidade.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Uma Breve História

Ele secou com o calor infernal que o cercava por todos os lados
A sua casca outrora protetora jazia despedaçada no chão
Sua pele já não o cobria mais, não era mais belo como nos quadros
Sua carne de tão fraca podia ser partida até por uma frágil mão

Ela secou tiraram-lhe todos os líquidos e fluidos não era bela
Sua pele outrora sedosa e macia agora era como de uma velha
Na sua sequidão sua presença não era querida em nenhuma tela
E a beleza que possuiu um dia era agora a feiúra que ninguém se espelha

E os dois secos agora são jogados entre coisas que não são de sua natureza
Ele e ela perdidos em meio a lugares onde não há certeza
Mas o que isso tudo significa para mim?

Um belo e forte outra linda e delicada será o fim?
Isso me dói o peito e minha alma amassa
Sempre que penso na história do amendoim com a uva passa.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

De: Vinicius Para: Vinicius

Olá meu poeta,

A vida é feita de encontro; embora haja tanto desencontro pela vida. Essas suas palavras me colocam a pensar: que encontros existem nessa vida? Se for pra falar de arte temos o seu encontro com Tom e João, naquela noite de agosto de 62, noite em que o mundo se encontrou com a Garota mais famosa que existe. O que dizer então do maravilhoso encontro de Garrincha e Pelé, que juntos nunca viram o Brasil perder? O encontro de Niemeyer com o planalto deserto que fez nascer Brasília; ou o encontro de todo brasileiro quando acorda e vê “um povo que canta e que é feliz, feliz!”. O que seria de nós se o Badeco não tivesse se encontrado com o violão? E se Chico não tivesse se encontrado com as palavras? Pobre de nós. É meu poeta a vida realmente é cheia de encontros, mas tem um em especial.

“Existe uma menina dentro de mim que acredita no amor e um menino em você que acredita no poder da poesia, pensa comigo: como seria o encontro do amor com a poesia?” É meu Vininha, foi isso que ela falou, e como eu fiquei? A sorrir e sorrir,e depois fiquei a pensar e a sorrir, e depois a escrever, pois foi o único modo que encontrei de expressar esse encontro tão maravilhoso.

Se você olhar bem você consegue vê-los ainda hoje. Lá vinha ela aquela menina sapeca, com seu vestidinho rosa, seu chinelo de dedo e um sorriso lindo no rosto; ela trazia consigo, dentro do coração, o maior tesouro da humanidade: o amor. Do lado de lá vinha ele com seu jeito leve e suave de caminhar, sempre trazia nas mãos um caderno que guardava a mais sublime das artes: a poesia. Os dois vinham caminhando, cada qual distraído com seus próprios assuntos. A menina e o amor pensavam em como iriam fazer para que o mundo ainda acreditasse nele; o garoto e a poesia procuravam a palavra certa que expressasse toda a beleza que possa estar contida em um único olhar. A praia estava calma, como sempre, seu mar parecia uma lagoinha; a velha ancora encostada na arvore e os banquinhos de madeira virados diretamente para o mar. Só um deles estava desocupado, a menina sentou e ficou observando aquela beleza infinita, o menino chegou depois, e como o único lugar vago era ao lado dela não se importou em sentar.

Os dois estavam ali, quase alheios a presença um do outro, o menino escrevia e a menina a contemplava o mar. Num momento de distração o pequeno caderno caiu no chão espalhando toda a poesia, nossa pequena foi solidária e inclinou-se para ajudar, mas seu coração estava tão cheio que derramou todo o amor em cima da poesia, e ai poetinha as coisas aconteceram. Não dá pra explicar bem o resultado desse encontro, mas eu sei o que eu vi.
Luz, foi a primeira reação. Ela era tão bela, tão suave, aquecia. Quando ela se foi não pude crer no que meus olhos viram. As coisas já não eram mais como eu as conheci: O céu era de um azul tão intenso que mal pude acreditar, as aves que nele voavam tinham penas tão brancas quanto a mais pura neve. A brisa que soprava trazia consigo o cheiro suave dos bolos que esfriavam nas janelas, todas elas abertas pois não havia medo algum. As grades que antes “protegiam” agora divertiam, pois se transformaram em pequenos parques onde as crianças riam durante todo o dia, o riso delas era quase mágico. As ruas eram ladrilhadas com pedras preciosas, como nas cantigas de roda e todos os postes eram forrados com poesias e declarações de amor. Nos coretos o pessoal antigo cantava marchinhas de carnaval, independente do mês, e todos dançavam na mais pura folia. Os namorados subiam nas arvores e roubavam frutos para se presentearem, faziam serenatas e os piqueniques eram repletos de olhares e caricias. Os mais fogosos amavam-se nos bosques de onde só se ouviam os suspiros e o farfalhar das folhas.

No meio dessa festa toda eu a vi. Era tão linda, seus cabelos negros caídos sobre os ombros cheiravam ao campo, e sua fronte era enfeitada com um diadema de flores. Sabia-se que sua pele era macia só de vê-la ao longe, ela sorriu para mim. Eu desejei abraçá-la e conhecer tudo sobre ela, desejei tanto ver o sol nascer ao lado dela, mas ela disse que não podia ficar se não eu iria me apaixonar. Que tola, disse que já estava apaixonado (era mentira, mas contei só pra ver se ela ficava).

É meu poeta, não sei se sonhei ou se aconteceu, mas percebi que a menina e o menino, o amor e a poesia, um era a resposta do outro. Como fazer o mundo ainda acreditar no amor? Com a poesia. E me diz meu amigo: qual palavra expressa toda beleza que pode se conter num olhar? Mande um abraço pra crianças e uma garrafa de uísque pra mim, diga a sua senhora que mando lembranças.

Saudades.

Do seu,
Vinicius.


PS: Escrevi essa carta ouvindo uma música muito bonita, Love Is Not a Fight do Warren Barfield, depois te mando o disco para você ouvir com sua senhora.

sábado, 2 de outubro de 2010

Walter

Quando se ensina um filho a dizer a verdade nunca se espera que ele vá fazer isso diretamente na sua cara.

‘’ Você nunca criou nenhum de nós, vivia bêbado pelos cantos ou jogado em baixo de um monte de graxa! ‘’

‘’ Como você se atreve a falar isso seu moleque? Minhas mãos são sujas e calejadas para você e seus irmãos terem estudo e uma vida melhor do que a que eu tive!’’

‘’ Escola? Aquela droga! Eu não queria um sustentador eu queria um pai! Que se fodam as tabelas e as gramáticas, eu queria um abraço, queria soltar pipa com você, queria contar das meninas que eu me apaixonava na escola. Era isso que eu queria: que você não fosse meu banco, mas fosse meu amigo. ‘’

Não teve como Walter conter as lágrimas, elas eram um misto de tristeza, frustração e raiva.

“Eu fiz o meu melhor, eu tinha medo, medo de falhar como pai, medo de falhar como esposo. Você não entende, eu sentia como se o mundo todo estivesse em minhas costas.”

“E as pessoas ao seu lado? Seus filhos, sua esposa! Todos queriam participar da sua vida, eu desejei ser um copo de cerveja para ver se eu teria um pouco da sua atenção.”

“Não seja hipócrita! Eu sempre estive lá e só vi você correndo pra cima e pra baixo sempre procurando a melhor oportunidade para ganhar dinheiro. Dias longe de casa trabalhando como um loco pra ser o que? O que você é hoje? Nada! Você não é nada.”

“E esse nada que eu sou é bem mais do que você foi toda minha vida!”

Não havia mais espaço para conversa, os dois corações não queriam encontrar um caminho de paz, eles queriam destruir-se. O jovem determinado entrou no quarto e tomou tudo que julgo necessário, foi até o quarto da mãe, que fingia dormir, mas estava em lágrimas, beijo-a e partiu para quem sabe nunca mais voltar.

Com suas reservas, que realmente não eram poucas, viajou e conheceu muita gente pelo mundo. Teve grandes oportunidades, trabalhou com pessoas que eram seus idolos e que depois de ver a maestria com que Walter trabalhava, tornaram-se seus fãs. O jovem tornou-se um homem de respeito em toda cidade, freqüentava as melhores festas, com as melhores companhias, nos melhores carros. Mas toda noite quando se deitava só as palavras do pai martelavam em sua mente: “você não é nada”. Esse era o grande fantasma de sua vida bem sucedida e para fugir dele se jogava no trabalho sem pensar em mais nada. Sua vida era fazer de si mesmo alguém, mas nessa busca desenfreada por nada não percebeu que pouco a pouco se tornara ninguém.

Cinco anos passaram desde que havia abandonado a casa dos pais, as reservas agora era uma pequena fortuna e o fantasma havia se transformado numa legião. O muito trabalho levou a pouca saúde, que levou a muitos remédios. Pegou seu celular para conversar com alguém, sentia-se só, mas só restavam contatos profissionais. Lembrou-se de quando era criança, das brincadeiras, da galera da rua, eram todos filhos dos amigos da antiga galera de seu pai... O pai, a frase: “você não é nada.” Não podia mais conviver com aqueles fantasmas, não dava mais. Pegou uma garrafa de uísque as chaves do carro e partiu. Quando não se sabe mais para onde se vai, nunca se sabe quando chegou. Estacionou o carro de qualquer maneira na beira da praia e caminhou com a garrafa pela areia.

Sentou-se e deu um belo gole no seu uísque, mas percebeu que nem mesmo o gosto da bebida o consolava mais, deitou-se e deixou que seu corpo ficasse lá, jogado. Onde estaria a alegria que sempre teve?

“Tarde demais para se ir à praia e cedo demais para beber não acha?”

Assustado se levantou para ver a imagem que ele decoraria para sempre. Morena, esguia e com cabelos tão encaracolados que pareciam labirintos. Vestia um moletom cinza e sorria como se Walter fosse uma piada. Mas ele sentiu calor naquele sorriso e sorriu de volta.

“É a vida, às vezes temos que fazer coisas diferentes.”

“Eu sempre venho aqui ver a lua cheia, é tão lindo observar como ela ilumina o mar.”

“Já foi o tempo em que eu consegui ver essas coisas. Hoje só vejo areia, água e meu uísque. Quer um gole?”

“Não obrigada, não desse uísque triste. Onde foi que você perdeu a alegria?”

“E quem é que sabe? Prazer, Walter.”

“Muito prazer, Mariana.”

E foi assim na praia sob a luz do luar que ele conheceu o amor da sua vida. Seguiram-se muitos jantares, almoços e lanches nos fins de tarde. Ele contou de suas viagens, seus negócios e das comidas que a mãe fazia; ela lhe contou das suas viagens, do tempo que viveu com uma hippie e aprendeu a meditar e de como amava os sobrinhos. Aos poucos o amor por Mariana foi destruindo todos os fantasmas que existiam dentro dele, dia após dia ele foi recuperando o gosto por sorrir, foi fazendo novos amigos e já não precisava mais de remédios. Ela vivia dizendo que queria conhecer a família dele e experimentar as receitas da sogra; esse era o único ponto de conflito entre os dois, ele se mantinha irredutível: nunca mais pisaria na casa dos pais.

Walter estava curado de qualquer mazela do passado e nem ele mesmo via motivos para não visitar os pais (depois que soubera da doença da mãe, a ida tornou-se ainda mais necessária). Num café da manhã enquanto os se deliciavam com sucos, bolachas e bolos, ela disse.

“Amor, vamos ver seus pais?”

“Por favor, Mari na hora do café não, já disse que só iremos com um bom motivo.”

“Eu tenho um bom motivo.”

“Vai dizer que morreu alguém?”

“Não seu tolo, vai nascer. Eu estou grávida meu amor!”

Walter quase cuspiu o pedaço de bolo que mastigava. Lançou-se da sua cadeira e colocou-se de joelhos diante de sua amada. Não havia sinal algum, nem barriga, nem enjôos nada. O homem que viveu tanto tempo diante da mórbida tristeza, via agora diante de si o milagre da vida. Beijou a esposa com a paixão de um primeiro namorado, olhou-a nos olhos com uma ternura sem mais fim.

“Nós vamos visitar meus pais.”





Continua...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um Olhar Vale mais do que Novecentos e Noventa e Nove Palavras

Caminhava pelo quarto ainda de camisola, os cabelos despenteados revelavam a noite mal dormida. Sua pela clara parecia ignorar o vento frio que entrava pela janela. Chovia. Sobre a cama bagunçada repousava o pequeno baú alheio aos movimentos da moça; todos os móveis a acompanhavam no vai e vem agitado, mas ele prosseguia impassível como se fizesse parte de outra natureza, outro modo de ser e estar. Era uma caixa pequena, de madeira nobre, revestida de um veludo verde suave, com dobradiças douradas. Num passado não muito distante o pequeno baú vivia aberto, revelando um tesouro de valor imensurável e só por estar aberto exalava o cheiro da paixão, das noites de corpos suados, das longas conversas reais e virtuais. Lembrava dos textos, das fotos, das canções olho no olho. Mas depois de tanto tempo fechada, o que ela guardaria?

O silêncio absoluto só era quebrado pela chuva que batia violentamente contra as janelas do ônibus, fora isso todos dormiam; alguns já bem bêbados, outros cansados do amor e mais alguns que dormiam nos braços verdes da natureza, mas ele, ele estava acordado. Seus olhos passeavam pela cidade em meio à chuva; por sob a jaqueta de couro que o protegia do frio que o próprio ônibus criava, uma corrente lançava o gélido pedaço de metal sobre seu peito. Quanto tempo fazia? Uma eternidade? Quem sabe duas? Mas fora ele quem criara essa distância e aprendeu: sentimentos verdadeiros falam mais do que quilômetros. O companheiro ao seu lado roncava com a garrafa de vinho ainda aos seus pés, a chegada parecia distante. Ele amava e nenhuma das convenções sociais o fazia pensar o contrário, e nem mesmo tinham força para fazê-lo viver de outro modo.

As chuvas emblemáticas só cessam no momento certo, e aquele ainda não era o momento. A mesa da cozinha, a que há tantos dias não era usada para uma refeição, estava inerte diante da cena: a dama de camisola deixava seu olhar se perder na xícara de chá de camomila que aos poucos ia colorindo a água. O baú estava lá, fechado, e timidamente o sol começava a nascer. Puxou-o para perto de si e começou a acariciá-lo, como se desse toda vazão a sua memória tátil as lembranças brotavam quase que involuntariamente. Lembrou-se de como ele a segurava, era mais do que pegar era fazer sentir-se segura. As mãos dele eram o número dela costumavam dizer. Lembrou-se que ele não tinha cheiro, tinham aquela barba e sabia olhar e falar com ela como se os dois fossem os únicos habitantes de uma ilha. Essa ilha se chama amor.

Esticar as pernas de verdade depois de dez horas de viagem era uma dádiva. Enquanto todos se preparavam para se alojar ele pegou sua mochila e seguiu outro caminho.

“Aonde você vai?” Perguntou o companheiro que ainda apresentava alguns sinais da ressaca.

“Preciso resolver uma coisa, vou pegar um taxi e até a hora do almoço eu volto.”

“Precisa de ajuda? Quer que eu vá com você?”

“Obrigado, mas eu acho que você precisa descansar bastante.” E rindo, partiu.

Encontrou um taxi rapidamente e depois de indicar o endereço (Rua Clarice Carús Sanches, 720) e coçar a barba apertou forte o pedaço de metal pendurado em seu pescoço. A força da chuva agora atacava a copa das arvores do bairro residencial, a luz do sol já era evidente, mesmo por de trás de tanta tempestade, isso o fez pensar: Seria o amor tão forte para brilhar mesmo com tanta coisa diante dele?

Caminhou para a pequena varanda que havia nos fundos da casa, queria observar melhor a chuva, trazia consigo o baú. O taxi parou em frente ao número 720, pagou e correu em direção de um lugar protegido. Jogou a mochila no chão e tirou a corrente do pescoço. Pensou consigo mesma e percebeu que já tinha gastado muito tempo com aquele assunto, era quarta-feira e ela iria dormir um pouco mais. Observou por alguns segundos a chave presa na corrente dourada, apertou-a forte no punho fechado e lançou seus olhos sobre a campainha. O ultimo gole do chá de camomila foi reconfortante, separou dois saches de chá de morango, seria seu café da manhã junto com alguns biscoitos de manteiga. Respirou fundo, fechou os olhos e tocou a campainha. Subindo as escadas, com o baú a tira colo ouviu sua campainha tocar. A chuva cessou.

Os olhos são as janelas da alma, e aquelas janelas estavam escancaradas revelando todos e quaisquer segredos que pudesse estar oculto lá dentro.

“Oi, tudo bem?”

“Olá, estou bem e você?”

Existem coisas que são indizíveis, fazendo restar apenas o olhar que as diz com maior verdade que as palavras. Perceberam que nada havia mudado, todas as coisas estavam no mesmo lugar: o carinho, o respeito, a admiração tudo no seu devido lugar, como se estivessem guardados numa caixa. Abraçaram-se tão profundamente que mais uma vez suas almas conseguiram se tocar; ele ainda a segurava como ninguém, ela ainda era o seu numero, a ilha, não estava mais deserta. O pequeno baú caiu no chão e a chave foi abandonada ao seu lado.

“Eu te amo.”

No chão a pequena caixa revelou seu precioso tesouro, não foram necessárias chaves, pois ela nunca esteve fechada de verdade. Dentro dela duas pequenas pulseiras, dessas sem quase nenhuma classe feitas na rua, cada uma com um nome bordado trazendo o vermelho, o branco e o preto. Junto com elas duas fotografias “três por quatro”; o interessante é que elas não eram nem um pouco sérias, traziam sorrisos largos e alegres, eram mais do que imagens eram lembranças. Devem ter sido tiradas em alguma cabine de fotos, em alguma estação do metrô, perto de alguma banca que vende pulseiras quase sem nenhuma classe.
Ele a olhou e percebeu que para ela não havia passado um dia se quer, continuava jovem, bela e suave como sempre. Era o momento de saber se ainda existia alguma chance.

“Você ainda me ama?”

“Ainda e sempre.”

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O décimo segundo lugar

“Quantos lugares hoje? ’

“Onze o Walter vem, mas vai demorar por que ficou preso na marginal’

“O Walter? Quanto tempo faz?”

“Menos do que parece e mais do que meu coração merece.”


O riso era o forte do lugar, mas dona Neuza dizia que o forte mesmo era o risoto de alcatra que ela fazia. Na memória dela o almoço mais triste foi quando ela teve de cozinhar para duas pessoas... Como pode uma mãe de família fazer comida pra esse pingo de gente? Ela não confessa, mas chorou no final por que se sentiu desrespeitada. O Maridão com aquele jeito que só ele tinha a abraçou por trás enquanto ela lavava os poucos pratos.

“O neguinha, fica assim não, chorar pra que?”

“Não to chorando, é esse detergente novo que você comprou.”

Sentiu-se tão tola a dizer aquilo que se deixou levar pela água da torneira e esqueceu o mundo. Hoje era um almoço especial, por tantos motivos que ela nem conseguia enumerar. Até hoje ela tinha cozinhado para 10 familiares (almoços industriais não entravam nas contas); hoje seriam onze: ela e o Maridão, o único que esteve presente em todos os almoços. Os dois se amavam desde sempre. Ele mecânico de carros antigos, recusava-se a trabalhar com carros novos; ‘esses carros feitos de plástico, sem motor, não é pra mim! Eu gosto do ronco do motor, do ferro, do metal inflamado. ’ Era um Sócrates dos motores. O encontro dos dois foi o mais inusitado e belo possível, ela tinha dez e ele doze. A vizinha nova descia a rua na sua linda bicicleta rosa, o cesto cheio de coisas do armazém do seu Vieira e o vestido florido que balançava ao vento. Ele sentado na calçada, o chefe dos meninos da rua (eram queridos por todos no bairro), até pela dona Alzira, a mesma que teve seu banheiro atacado por um pequeno exército de ratos. A corrente soltou, o freio falhou e a menina caiu, ele correu como um raio na direção da moça caída.

“Você está bem?”

“Tô. Mas minhas compras não.”

A sacola havia se rasgado e os temperos se espalhado pela rua.

“Quanta coisa boa e diferente. Sua mãe vai cozinhar?” O menino era valente, mas estava um pouco tímido, tentava puxar assunto.

“Na verdade sou eu, meu primeiro almoço hoje.”

“Parabéns. És nova aqui no bairro né?”

“Sim, me chamo Neuza.”

“Muito prazer Neuza, eu vou dar uma olhada na sua bicicleta.” As mãos já eram rápidas naqueles tempos e em minutos deixou tudo ‘nos conformes’.

“Nossa. Você é bom nisso.” Ele corou, mas conseguiu dissimular.

“Que isso...”

“Vem almoçar lá em casa! Não tenho dinheiro pra pagar o conserto”

Um sorriso iluminou os dois, e foi assim num acidente que começou uma linda história de amor, que dura até hoje. Vieram outros almoços, outros acidentes (alguns muito engraçados outros nem tanto). Mas deixemos o casal de lado, pois temos ainda outros lugares à mesa.

Bela, a filha mais velha estava acompanhada de Jorge seu segundo esposo. Não havia ninguém que soubesse mais piadas do que ele, o que fazia quase todos ficarem vermelhos de tanto rir. Bela era muito séria, fala exata, sem rodeios, muito econômica. O filho dos dois, Mario, era um pequeno prodígio no computador e insistia com o avô pra modernizar a oficina. ‘Colocar essas coisas que quebram com um espirro é prejuízo’, defendia-se. Carlos era o caçula dos mais velhos, trabalhava como veterinário com a esposa, Claudia, no interior. Tinham uma filhinha de três aninhos, Neuza, como a avó. Rafael era a raspa do tacho (ele detesta ouvir isso), trabalhava com o pai na oficina e todos já sabiam que ele tinha o dom. A sua namorada, Aline, era a menina mais querida do mundo, adorava cozinhar com a sogra e estava pensando em abrir um restaurante pras duas. O ultimo lugar era de Walter. Há oito anos não pisava na casa dos pais, depois de uma briga cheia de ofensas e verdades, ele e o pai quase se destruíram. Nos últimos meses ele se reaproximou da família, mas tinha negado todos os convites para estar lá. O ultimo diálogo com o pai foi quando a mãe esteve doente no ultimo mês.

“O que ela tem de verdade?”

“É um tumor, mas é benigno.”

“Quando é a cirurgia?”

“Terça agora. Você vem vê-la filho?”

“Vou ver minha mãe sim. Tchau”

O pai tinha reconhecido seus erros, mas o filho era duro na queda assim como ele.

O transito na marginal sempre é complicado, mas não é eterno, enquanto riam com mais uma piada de Jorge a campainha tocou. Dona Neuza largou o pano na pia e correu, como sentia saudades do filho, não podia deixar de ser a primeira a abraçá-lo. Todos olharam para o pai com certa expectativa. A porta se abriu, dona Neuza quase desmaiou, empalideceu e balançou se apoiando na porta.

“O que foi dona Neuza?” Correu Aline em auxilio a sogra.

“Precisamos de mais um lugar. O Walter não está sozinho, nenhum dos dois está sozinho.”



Continua...

sábado, 25 de setembro de 2010

Reflexões da Alvorada

Era um momento atípico, incomum. Sentou-se no sofá improvisado, bebendo uma bebida improvisada (como uma casa não tinha café?). Mas era sua vida. Os pássaros ainda cantavam em ‘piano’, mas cantavam todos. Como escrever com analogias musicais o fazia lembrar-se de um amor que já partiu. Fora ela que o ensinou a amar tanto a natureza? Ele já não se lembrava da resposta. A inspiração atravessou tanto a madrugada que ganhou o dia que nascia novo.

‘Agora sim começou o sábado’ pensou consigo mesmo. A fonte seca começava a borbulhar lentamente, ninguém sabia de onde vinha essa água nova, mas era boa, tão boa de sentir molhando os lábios e correndo ligeira pela garganta seca. Quantos dias? No calendário marcava cinco ou sete, no coração uma eternidade.

Sempre lhe ensinaram para não trocar o certo pelo duvidoso, mas tem dias que nossas duvidas são tão atraentes. O sorriso tinha sua beleza, o semblante e as conversas tinham o seu charme, vale à pena arriscar? Ele conseguia ver o Taj Mahal equivocado no cinema, mas não saberia dizer se o amor estava nela ou não. A outra era mais séria, centrada o tipo de desafio que ele adorava. E o passado como fica?

É melhor parar. Arrastar o sofá improvisado pra varanda, pegar o violão e dedilhar as poucas músicas que conhece. Pensar é uma benção ; questionar-se um dever ; descobrir-se um temor. Falta a bem amada, a causa alcançada, o Hércules na calçada ; o que lhe falta não deixa triste ou com temor, mas o mostra que ainda existe muito o que se viver.

É

É imaginar, a nova vida que começa. O canto do galo que não cessa e não deixa dormir.
É desejar ver de novo o céu tão estrelado, como se fossem pequenos buracos, no chão do paraíso.
É querer bem a quem não se conhece, de quem não se sabe e a quem não se vê.
É sorrir ao ouvir o canto dos pássaros que nascem com a alvorada e revelam o amanhecer.
É falar de você, sem saber ao certo quem você é, mas desejar-lhe sem lhe saber do olhar.
É ir à varanda olhar o mar e ver o sol nascer, e entender que a natureza só se revela para a quem quer conhecer.
É perder a noção do tempo enquanto se faz arte e o velho amigo dorme num quarto que não é seu.
É sentir um prazer, que lhe fora roubado, mas que voltou de repente sem dizer por onde andou.
É fazer um pouco de vida. Vida.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Voz da Madrugada

Parecia que os assuntos haviam se esgotado. De política até moda, passando por futebol, religião e música, conversaram sobre tudo que era possível. Os dois lutavam contra seus próprios corpos, como era bom estar ali vivendo um momento tão banal, mas que se fazia único e verdadeiro. O sono já tinha mandado todos os avisos: frases que não se completavam, risos que nasciam do nada, olhos que se fechavam por longos segundos. Ele estava encantado e não restavam mais artifícios para fazê-la ficar; existia apenas um ultimo golpe, um pedido que poderia mudar tudo:

“– Canta pra mim?”

“– O que?”

“– É! Canta uma música pra mim.”

E ela começou a argumentar do sono que sentia; que era tarde e precisava ir e tantas outras coisas que o sono não deixava os dois assimilarem. A resposta dele foi simples, como ela havia ensinado enquanto estavam sentados na ancora protegendo-se do sol: ele sorriu. Não havia como se defender, ela sorriu de volta, como sempre fazia, sorriu com o olhar e cantou.

É difícil explicar o que aconteceu a seguir, aquela voz encheu a noite quente de paixão e desejo. As mãos delas estavam levemente tremulas, mas pousaram com delicadeza sobre as dele, a voz vibrava pelo corpo dos dois. Ela aninhou-se em seus braços e seguiu a melodia de forma leve. Ele sentia como se tivesse o mundo todo diante de si. Com mãos suaves acariciou os cabelos negros e deixou-se levar por aquele som encantador. Seus dedos percorriam a nunca num cafuné tão doce quanto aconchegante.

E veio um bocejo, que interrompendo a melodia denunciou que a noite estava chegando ao fim.

“– Cuida de mim essa noite?”

Era a mesma voz doce que melodiava a minutos passados.

Como poderia alguém negar um pedido desses? Ele é encantado por ela (ou por quem ele a faz ser) e isso faz dele um eterno responsável por seu bem estar. Ele já quis ser um mestre da música; já desejou ter as palavras mais belas em seus versos; quis até ser ponta esquerda, mas foi desencorajado por seus amigos de faculdade. Agora já não queria ser mais nada, somente guardião daquele tesouro; bela, frágil e encantadora. Ela estava entregue, não era indefesa, antes era forte e determinada, mas resolveu render-se a esse momento, a essa beleza; quem poderia conter-se diante daquele sorriso? Ele fez-se Arlequim e ela era a sua Colombina.

“– Cuida de mim essa noite?”

Sempre, foi a reposta ante que os dois adormecessem no suave girar do mundo e no leve balançar da rede.