segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O décimo segundo lugar

“Quantos lugares hoje? ’

“Onze o Walter vem, mas vai demorar por que ficou preso na marginal’

“O Walter? Quanto tempo faz?”

“Menos do que parece e mais do que meu coração merece.”


O riso era o forte do lugar, mas dona Neuza dizia que o forte mesmo era o risoto de alcatra que ela fazia. Na memória dela o almoço mais triste foi quando ela teve de cozinhar para duas pessoas... Como pode uma mãe de família fazer comida pra esse pingo de gente? Ela não confessa, mas chorou no final por que se sentiu desrespeitada. O Maridão com aquele jeito que só ele tinha a abraçou por trás enquanto ela lavava os poucos pratos.

“O neguinha, fica assim não, chorar pra que?”

“Não to chorando, é esse detergente novo que você comprou.”

Sentiu-se tão tola a dizer aquilo que se deixou levar pela água da torneira e esqueceu o mundo. Hoje era um almoço especial, por tantos motivos que ela nem conseguia enumerar. Até hoje ela tinha cozinhado para 10 familiares (almoços industriais não entravam nas contas); hoje seriam onze: ela e o Maridão, o único que esteve presente em todos os almoços. Os dois se amavam desde sempre. Ele mecânico de carros antigos, recusava-se a trabalhar com carros novos; ‘esses carros feitos de plástico, sem motor, não é pra mim! Eu gosto do ronco do motor, do ferro, do metal inflamado. ’ Era um Sócrates dos motores. O encontro dos dois foi o mais inusitado e belo possível, ela tinha dez e ele doze. A vizinha nova descia a rua na sua linda bicicleta rosa, o cesto cheio de coisas do armazém do seu Vieira e o vestido florido que balançava ao vento. Ele sentado na calçada, o chefe dos meninos da rua (eram queridos por todos no bairro), até pela dona Alzira, a mesma que teve seu banheiro atacado por um pequeno exército de ratos. A corrente soltou, o freio falhou e a menina caiu, ele correu como um raio na direção da moça caída.

“Você está bem?”

“Tô. Mas minhas compras não.”

A sacola havia se rasgado e os temperos se espalhado pela rua.

“Quanta coisa boa e diferente. Sua mãe vai cozinhar?” O menino era valente, mas estava um pouco tímido, tentava puxar assunto.

“Na verdade sou eu, meu primeiro almoço hoje.”

“Parabéns. És nova aqui no bairro né?”

“Sim, me chamo Neuza.”

“Muito prazer Neuza, eu vou dar uma olhada na sua bicicleta.” As mãos já eram rápidas naqueles tempos e em minutos deixou tudo ‘nos conformes’.

“Nossa. Você é bom nisso.” Ele corou, mas conseguiu dissimular.

“Que isso...”

“Vem almoçar lá em casa! Não tenho dinheiro pra pagar o conserto”

Um sorriso iluminou os dois, e foi assim num acidente que começou uma linda história de amor, que dura até hoje. Vieram outros almoços, outros acidentes (alguns muito engraçados outros nem tanto). Mas deixemos o casal de lado, pois temos ainda outros lugares à mesa.

Bela, a filha mais velha estava acompanhada de Jorge seu segundo esposo. Não havia ninguém que soubesse mais piadas do que ele, o que fazia quase todos ficarem vermelhos de tanto rir. Bela era muito séria, fala exata, sem rodeios, muito econômica. O filho dos dois, Mario, era um pequeno prodígio no computador e insistia com o avô pra modernizar a oficina. ‘Colocar essas coisas que quebram com um espirro é prejuízo’, defendia-se. Carlos era o caçula dos mais velhos, trabalhava como veterinário com a esposa, Claudia, no interior. Tinham uma filhinha de três aninhos, Neuza, como a avó. Rafael era a raspa do tacho (ele detesta ouvir isso), trabalhava com o pai na oficina e todos já sabiam que ele tinha o dom. A sua namorada, Aline, era a menina mais querida do mundo, adorava cozinhar com a sogra e estava pensando em abrir um restaurante pras duas. O ultimo lugar era de Walter. Há oito anos não pisava na casa dos pais, depois de uma briga cheia de ofensas e verdades, ele e o pai quase se destruíram. Nos últimos meses ele se reaproximou da família, mas tinha negado todos os convites para estar lá. O ultimo diálogo com o pai foi quando a mãe esteve doente no ultimo mês.

“O que ela tem de verdade?”

“É um tumor, mas é benigno.”

“Quando é a cirurgia?”

“Terça agora. Você vem vê-la filho?”

“Vou ver minha mãe sim. Tchau”

O pai tinha reconhecido seus erros, mas o filho era duro na queda assim como ele.

O transito na marginal sempre é complicado, mas não é eterno, enquanto riam com mais uma piada de Jorge a campainha tocou. Dona Neuza largou o pano na pia e correu, como sentia saudades do filho, não podia deixar de ser a primeira a abraçá-lo. Todos olharam para o pai com certa expectativa. A porta se abriu, dona Neuza quase desmaiou, empalideceu e balançou se apoiando na porta.

“O que foi dona Neuza?” Correu Aline em auxilio a sogra.

“Precisamos de mais um lugar. O Walter não está sozinho, nenhum dos dois está sozinho.”



Continua...

sábado, 25 de setembro de 2010

Reflexões da Alvorada

Era um momento atípico, incomum. Sentou-se no sofá improvisado, bebendo uma bebida improvisada (como uma casa não tinha café?). Mas era sua vida. Os pássaros ainda cantavam em ‘piano’, mas cantavam todos. Como escrever com analogias musicais o fazia lembrar-se de um amor que já partiu. Fora ela que o ensinou a amar tanto a natureza? Ele já não se lembrava da resposta. A inspiração atravessou tanto a madrugada que ganhou o dia que nascia novo.

‘Agora sim começou o sábado’ pensou consigo mesmo. A fonte seca começava a borbulhar lentamente, ninguém sabia de onde vinha essa água nova, mas era boa, tão boa de sentir molhando os lábios e correndo ligeira pela garganta seca. Quantos dias? No calendário marcava cinco ou sete, no coração uma eternidade.

Sempre lhe ensinaram para não trocar o certo pelo duvidoso, mas tem dias que nossas duvidas são tão atraentes. O sorriso tinha sua beleza, o semblante e as conversas tinham o seu charme, vale à pena arriscar? Ele conseguia ver o Taj Mahal equivocado no cinema, mas não saberia dizer se o amor estava nela ou não. A outra era mais séria, centrada o tipo de desafio que ele adorava. E o passado como fica?

É melhor parar. Arrastar o sofá improvisado pra varanda, pegar o violão e dedilhar as poucas músicas que conhece. Pensar é uma benção ; questionar-se um dever ; descobrir-se um temor. Falta a bem amada, a causa alcançada, o Hércules na calçada ; o que lhe falta não deixa triste ou com temor, mas o mostra que ainda existe muito o que se viver.

É

É imaginar, a nova vida que começa. O canto do galo que não cessa e não deixa dormir.
É desejar ver de novo o céu tão estrelado, como se fossem pequenos buracos, no chão do paraíso.
É querer bem a quem não se conhece, de quem não se sabe e a quem não se vê.
É sorrir ao ouvir o canto dos pássaros que nascem com a alvorada e revelam o amanhecer.
É falar de você, sem saber ao certo quem você é, mas desejar-lhe sem lhe saber do olhar.
É ir à varanda olhar o mar e ver o sol nascer, e entender que a natureza só se revela para a quem quer conhecer.
É perder a noção do tempo enquanto se faz arte e o velho amigo dorme num quarto que não é seu.
É sentir um prazer, que lhe fora roubado, mas que voltou de repente sem dizer por onde andou.
É fazer um pouco de vida. Vida.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Voz da Madrugada

Parecia que os assuntos haviam se esgotado. De política até moda, passando por futebol, religião e música, conversaram sobre tudo que era possível. Os dois lutavam contra seus próprios corpos, como era bom estar ali vivendo um momento tão banal, mas que se fazia único e verdadeiro. O sono já tinha mandado todos os avisos: frases que não se completavam, risos que nasciam do nada, olhos que se fechavam por longos segundos. Ele estava encantado e não restavam mais artifícios para fazê-la ficar; existia apenas um ultimo golpe, um pedido que poderia mudar tudo:

“– Canta pra mim?”

“– O que?”

“– É! Canta uma música pra mim.”

E ela começou a argumentar do sono que sentia; que era tarde e precisava ir e tantas outras coisas que o sono não deixava os dois assimilarem. A resposta dele foi simples, como ela havia ensinado enquanto estavam sentados na ancora protegendo-se do sol: ele sorriu. Não havia como se defender, ela sorriu de volta, como sempre fazia, sorriu com o olhar e cantou.

É difícil explicar o que aconteceu a seguir, aquela voz encheu a noite quente de paixão e desejo. As mãos delas estavam levemente tremulas, mas pousaram com delicadeza sobre as dele, a voz vibrava pelo corpo dos dois. Ela aninhou-se em seus braços e seguiu a melodia de forma leve. Ele sentia como se tivesse o mundo todo diante de si. Com mãos suaves acariciou os cabelos negros e deixou-se levar por aquele som encantador. Seus dedos percorriam a nunca num cafuné tão doce quanto aconchegante.

E veio um bocejo, que interrompendo a melodia denunciou que a noite estava chegando ao fim.

“– Cuida de mim essa noite?”

Era a mesma voz doce que melodiava a minutos passados.

Como poderia alguém negar um pedido desses? Ele é encantado por ela (ou por quem ele a faz ser) e isso faz dele um eterno responsável por seu bem estar. Ele já quis ser um mestre da música; já desejou ter as palavras mais belas em seus versos; quis até ser ponta esquerda, mas foi desencorajado por seus amigos de faculdade. Agora já não queria ser mais nada, somente guardião daquele tesouro; bela, frágil e encantadora. Ela estava entregue, não era indefesa, antes era forte e determinada, mas resolveu render-se a esse momento, a essa beleza; quem poderia conter-se diante daquele sorriso? Ele fez-se Arlequim e ela era a sua Colombina.

“– Cuida de mim essa noite?”

Sempre, foi a reposta ante que os dois adormecessem no suave girar do mundo e no leve balançar da rede.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O Eterno (ou Letreiro Velho)

Eu tenho um amigo. Ele vende livros, não; não sei, mas eu sempre tenho a impressão de que ele é um livreiro. Não vou falar dele por conta dos livros que ele vende, ou venderá, mas por que ele crê numa mesma coisa que eu creio: a eternidade.

Não vamos nos prender a conceitos religiosos de vida após a morte, céu e inferno, enfin não é da eternidade da alma que vamos falar.

Na realidade ele crê é na eternidade dos momentos, das pessoas, da vida! É tão fascinante ver como ele não é nenhum pouco preso ao tempo: não tem relógio (nem no celular); pergunta as horas só se for pra alguma coisa muito importante.  Ele não tem tempo de definição, nunca será dele a frase: “você tem até 30 anos para definir a sua vida.” Coisa que outro grande amigo meu defende. E por não ter tempo, como se tudo fosse eterno, ele ama as pessoas no agora.

Não é preciso compartilhar grandes segredos, ou ter que vivido momentos épicos, ele te ama e pronto, pois o tempo de amar é agora.

Precisava mesmo falar desse amigo. Sabe, por acreditar na eternidade tu serás eterno. Serás eterno em cada letreiro velho que for pendurado numa loja de livros. Serás eterno em cada roda de violão que acontecer num fim de tarde, tocando hermanos ou não. Serás eterno em cada “criatura preta”, por que é só você que me chama assim e é assim que eu permito que seja.

E se você sumir, de novo, ou beber até ficar burro como só você sabe fazer, serás eterno, pois o que é eterno não passa!

Muito obrigado. Foi você, a mais um alguém, que encabeçou um movimento no meu coração, chamado: Amor. Para mim o seu orbe brilha como o sol e é bem maior que Júpiter. Prossiga nos iluminando e sendo iluminado, pois do és sábio, mesmo que não saiba. Abraços.

Dancemos ( ou Minha Querida Primavera)

Dancemos, pois hoje e sempre nossos caminhos foram feitos de flores
Dancemos, porquê é no nuance de um novo amor que descobrimos que somos livres
Dancemos, pois mesmo à distância podemos pintar a vida com infinito de cores
Dancemos, porquê estaremos juntos em piano e violão, e em tempos de crises

Foi dançando que percebi que posso ser mais de mil personagens
E é dançando que vejo em você a realização de um sonho, que sonhei acordado
Foi dançando que fiz uma canção tão bonita, que ela fugiu de mim para sempre
E é dançando que eu a procuro todos os dias sem descansar jamais

Dança menina, roda sua saia e deixa louco aquele rapaz que te olha de longe
Dança mulher, e conquista corações que eu sei que você não vai cuidar
Dança poeta, e faz do verso seu guia, seu ritmo, seu bordão
Dança você que ama, e ame, ame, ame sem nunca parar de dançar

Vão minha gente, por entre prédios e construções, executivos e peões
Vamos dançar e sermos um em nome de tudo aquilo que é maior do que nós
Dá-me sua mão, e vamos rodopiar num gramado novo, sem pensar no amanhã
Quanto estou aqui esqueço tudo que já combatemos, e numa voz louca eu grito: DANCEMOS!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Véu da Noite

“Oi, trouxe tudo: café, boas conversas, música nova, inspiração e o violão já está afinado.”

“Oi. Obrigado por me deixar escrever, mas precisava demorar tanto?”

“Que isso; e eu não demorei, sempre chego a essas horas.”

“Eu te esperei o dia todo.”

“Você o que?”

“Ah! Pois é. Por que as coisas tem que ser assim?”

Risos. ”Não sei quando combinamos isso, mas... Você passou tantas manhãs desenhando, não pensou em ficar por lá?”

“Ta me dispensando?”

“Não, jamais.”

“Acho que foi no ensino médio. Gastava as madrugadas lendo e colocando idéias no diário.”

“Verdade! Eram tão bonitas suas divagações, você ainda guarda?”

“Vê as caixas? Está em alguma delas.”

“Deverias voltar lá, ajuda bastante.”

“Eu sei disso. Continuo lá, quando você chega consigo dizer as mesmas coisas, e agora outras pessoas podem ver também antes tinha muito segredo.”

“Isso me alegra. Desculpa, mas você poderia me abraçar? Estou um pouco fria hoje...”

“Bem que eu queria... Adoro quando você está quente (sem trocadilhos). Fica tão fácil caminhar vários quilômetros.”

“E por que não faz isso?”

“Todos meus amigos que pensam assim moram muito longe, ou sou eu quem mora longe?”

“É você. Mas olha eu vim para você poder escrever, se ficarmos conversando não vai dar muito certo.”

“Verdade. Fica por ai me vigiando.”

“Estarei sim, pode deixar.”

“Sei que é estranho dizer isso, mas... Boa noite madrugada.”

Gargalhou e ficou o observando.

domingo, 12 de setembro de 2010

Acabou.

Ele continuava sobre a cama, esticado como se ela ainda estivesse dentro dele. A imagem que nasceu foi dela deitada depois do almoço quando abandonava a louça e se jogava para tirar um pequeno cochilo. Hoje não teve almoço, nem cochilo, nem carinho e risadas no lavar da louça; as coisas estavam bem difrentes depois que ela foi embora levando tudo, mas esquecendo aquele presente grego sobre a cama.
Um pedaço de pano, com motivos florais, trazia tantas lembranças. Do primeiro encontro a ultima briga. Era o mesmo pano que a cobria no dia que ela saiu correndo na chuva para salvar um cachorrinho que tinha se perdido; quando ela falou que iria no mercado comprar umas cervejas, só por que era aniversário dele, mas na realidade foi buscar os amigos que estavam escondidos na esquina para a primeira surpresa dele, era aquele mesmo pano que marcava a cena.
Sentou-se a beira da cama e começou a dobrá-lo. Só tinha feito isso uma única vez, quando entre rosas e taças de vinho haviam se amado pela primeira vez. Lembrou-se como o tecido revelava o desenho de seu corpo; como as tulipas ganhavam forma com o volume de seus seios ou como a suavidade do tecido denunciava as torres que eram suas pernas. Com mãos melancólicas o guardou numa sacola de papel, mas não tinha muita idéia de qual seria o destino daquele tesouro. Não imagina como poderia vê-lo em outro corpo vivendo outra história, passando outros momentos; invadido por uma onda de displicência tomou um pequeno papel, escreveu e com um grampo prendeu na sacola.
O luto é necessário, sempre, ela o ensinará que se você guardar as lágrimas elas explodem em outro lugar e isso não é saudável, nunca. Foi até o portão e observou a rua que tantas vezes caminharam juntos, o portão que tantas vezes um esperou o outro, esperar... Levou alguns minutos para voltar a si, pendurou a sacola no portão e entrou. Foi criar seu próprio momento de luto: apagou todas as luzes, fechou todas as cortinas (mas como era dia o sol ainda entrava pela janela da cozinha),ligou a tv, o DVD e já sabia qual seria a canção que ele iria escolher.
A voz não era grave, mas trazia a rouquidão que ele sempre amou. Era quase o mesmo tom de quando ela cantou “Chá Verde” para acordá-lo. A canção começou, a meia luz, a cantora em pé, o clarinete e o violão, tudo criava o ambiente ideal para que o fim fosse celebrado. E foi celebrando um fim que a canção começou. “Acabou... Agora tá tudo acabado, seu vestido estampado dei...” Nesse momento como se seus olhos pudessem ver ao longe, leu o papel que estava preso na sacola pendurada no portão: “À quem puder servir.”

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Tudo Tem Seu Lado Bom

          Dor. Não só uma, mas duas dores. Presentes e vivas, todavia elas eram de naturezas diferentes. Falemos da primeira.

          Levar o corpo ao limite é tão prazeroso quanto dolorido. Correr sem precisar fugir, sem precisar chegar é uma das emoções mais prazerosas que podemos viver. Foi o que fez, em silêncio carregando a poesia começou a correr, correr e correr. Como um contador de histórias foi marchando sem se prender ao caminho, ou ao companheiro ao seu lado. Um, dez, cem, mil metros e seu corpo gritou: "Ei! Eu ainda estou aqui. Para agora, se não nós dois morremos!" E o corredor etéreo desfez-se e voltou a ser humano. Carne, osso e tendões, muitos tendões e todos eles muito doloridos forçando-o a parar, pois mais um lance de corrida o colocaria no chão.

          Caminhar é uma atividade muito prazerosa também, diria minha querida Avó: "caminhar ajuda a pensar". E foi caminhando que ele percebeu que seus limites já haviam sido ultrapassados. O corpo reclamava muito dizendo que aquilo não era jeito de ser tratado, afinal de contas ele não era uma máquina ao dispor do capricho de seu senhor. A alma só queria um pouco mais do prazer de sentir longe daquele chato. As corridas acabaram, o feriado acabou e o presente que trouxe para casa foram duas pernas doloridas. Ainda era um cara legal, mas não podia correr, sentar, chutar, girar ou abaixar-se; restava a ele apenas respirar e digitar.

          Seu computador tinha problemas, não eram técnicos, eram de personalidade. Quando se julgava apto funcionava como uma invenção de Da Vinci, mas se batesse um leve mau humor, não havia quem desse jeito, na realidade havia: O Pai. Se há um desejo no coração de todos os pais é esse: "que os filhos sejam como os computadores." Claro! Assim quando não estiveres nos conformes, ou quando o problema for muito grave formata que resolve. E a conversa começou assim:

          " - Filho, salvou todas as músicas já? Posso formatar?"
          " - Salvei sim, mete bronca."

          Trinta minutos depois tudo estava pronto e nos conformes. Mas foi conversando com Laila que veio a segunda dor. "Li! E gostei muito por sinal". Ela ressaltou detalhes que tinham passados despercebidos por ele no texto... Texto, os textos! A dor foi tão profunda que causou o riso, um riso sutil, sem jeito, como quando contam uma piada na primeira vez que você vai a casa de um amigo. Foi tímido. Sim todas as 2.172 músicas estavam salvas, mas ele esqueceu-se de salvar os textos; esqueceu-se de todos: os filhos feios; os bonitos, aqueles que estavam sendo revisados, os que eram secretos... Tudo perdido. Do meio do riso tímido e sem graça nasceu a vontade de escrever, de falar sobre textos que... Já não existem mais.

          E essa é a história de como perdi todos os meus textos, mas como tudo tem seu lado bom, do riso fez-se a vida, da tragédia nasceu um novo motivo para escrever. Podem acabar com os bites e os bytes , eu uso caneta e lápis; podem me tirar papéis e papiros, escrevo com meu sangue nas rochas. Não importa o que se perde, e sim, o que se tem. E enquanto eu tiver vocês aqui, terei um motivo para escrever.


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Jardim Japonês

O jardim não era dela, não era. Mas ela não se importava com isso. Caminhava observando as flores, as árvores e as pessoas. Pessoas, tema intrigante; elas são tão diferentes e ao mesmo tempo tão... Iguais! Curto, mas não leio; contraditório. Mas logo as questões filosóficas cederam às belezas do jardim. - “direita ou esquerda?”. Como era destra seguiu a direita, e isso lhe pareceu engraçado.
Era como se não fosse possível caminhar no jardim, ela levitava. Difícil definir o que era mais fascinante: o caminhar leve de seus olhos por sobre a vegetação do Pátio das Magnólias, ou a própria reverência que as flores faziam ao vê-la passar. Ela ouviu um “psiu!”, agudo vindo de baixo, procurou, mas não viu nenhum conhecido. “Psiu!”, novamente, foi quando percebeu que quem a chamava era uma flor, no meio de tantas outras. Inclinou-se para ver melhor e ouviu:
- “Você é ainda mais linda de perto”, a flor sorriu.
Sorrindo de volta ela disse:
- “Você também é muito linda”
- “Porque não te vejo sempre aqui?”; indagou a flor que queria conhecê-la melhor.
- “Moro um pouco longe daqui”
 - “Na cascata?”,
- “Não”;
- “Na Puente Curvo?”
- “Não”;
- “Então deve ser no Campanário?”,
- “Não também”;
- “Ah!”; lamentou-se a flor – “deve ser realmente longe”.
 Ela sorriu e o seu riso encheu de alegria a pequenina flor; despediram-se cordialmente. A flor ficou levemente abatida ao vê-la partir. Pensava consigo - “como são engraçadas essas flores, parecem crianças”. Crianças, sempre que essa palavra ocorria ela não podia deixar de dedicar uns minutos a pensar na sua criança, sua preferida, a “risadinha da tia!”. Como ela era fascinante tão pequenina, tão frágil, mas já tinha personalidade, sabia-se que seria forte. Era o orgulho da tia. Sentiu saudades.
Caminhou até o Campanário. Ela não era budista, ela seguia O Caminho, porém era uma historiadora e como já tinha confessado; “trabalharia 30 anos com história”. Absorveu e observou tudo; sempre fora muito curiosa e aliado aos seus estudos seus olhos eram muito bem treinados. Nada escapou. Cada detalhe: os ornamentos, os sinos, as estátuas. A satisfação que sentia era a prova real de que tinha feito a escolha certa. Ela já fora mais aflita, mas hoje tinha seu carro, sua casa, seus alunos, uma dúzia de quadros (que eram lindos, mas ela era humilde demais para aceitar) e até o poema da vaca amarela, que fez o maior sucesso na terceira série. As coisas aconteceram normalmente, tão normalmente que pareciam que sempre estiveram ali.
Saindo do Campanário avistou a ponte. Linda, sublime e humilde, num tom escarlate que dominava a paisagem do jardim. Foi em direção a ela, continuava a levitar, mas não notou. O sol banhava sua pele, cada poro o recebia como um elixir de longa vida; endireitou seus óculos vermelhos e sorriu para o sol, ele sorriu de volta. Ao lado da ponte havia uma pedra fora do caminho, na relva. Olhou em volta e sapeca pulou as cordas presas em pequenas toras de madeira; recostou-se na pedra, de frente para o lago, e observou as carpas coloridas. Ela não nadavam, mas bailavam ao som de uma música que só se podia ouvir embaixo d’agua. Abriu a bolsa e pegou um livro. Não era uma primeira leitura, nem de longe, já havido lido diversas vezes, “mas como pode um texto tão simples ser tão cativante? Cativante...”, pensava ela. Seguiu a leitura, e um trecho a fez parar e pensar. Cito:
“Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para fazê-lo feliz quando as contempla.”
Ela sorriu. Julgou-se uma tola, mas sabia que não era. As coisas acontecem por que elas tem que acontecer. Leve, sempre leve.
O tempo passou, não se sabe quanto tempo, mas seus poros já se mostravam fartos do elixir do sol e começavam a corar sua pele branca. O livro não acabara, mas ela tinha uma idéia do que fazer. Despediu-se das carpas, que ainda estavam a bailar. Caminhou até a cascata e bebeu um pouco da água que caia gelada, cristalina, fértil. Riu de si mesma e pensou – “será?”. Era uma coisa louca de se fazer, mas ela nunca gostou das coisas paradas, certinhas. Viu um copo de café vazio, olhou, pegou e teve certeza. Voltou ao Pátio das Magnólias, não mais flutuando, agora ela estava saltitante! Inclinou-se, sorriu e disse:
- “Voltei!”. A florzinha não pode disfarçar, ficou tão contente!  E como se girasse em torno de si mesma, ganhou uma cor mais bela, mais forte, mais viva!
- “Que bom que você voltou!”. Ambas sorriram. Ela hesitou, a flor estranhou; acanhada, por fim disse:
- “Você quer vir comigo?”. Ruborizou, e corada levantou os óculos para melhor ver a flor, que também ficou sem jeito.
- “Eu estou há muito tempo aqui, chez moi, meu lar”.
- “Você fala francês?” Gargalhou animada, pois se lembrou de alguém. A florzinha corou ainda mais, afinal de contas ela sabia só um bocado de palavras em francês, seria muita pretensão considerar-se uma falante.
- “Eu já morei muito tempo num lugar só também, mas eu hoje viajo bastante, sempre, é tão divertido. Posso te levar comigo, te protejo das lagartas, mas deixo uma ou duas, por conta das borboletas.” Inspirou-se ao perceber que havia acabado de fazer uma citação.
- “Mas como você vai me carregar? Não podes caminhar no meio do jardim com um punhado terra na mão. Se me tirares a terra eu morro, e não poderei ficar com você”. A flor quase se pôs a chorar.
- “Don’t worry!”, abriu a bolsa e revelou o copo que encontrara. Cavando com o próprio copo, pegou a terra que julgou suficiente para uma morada provisória. A florzinha só não saltitou, por motivos óbvios.
                Com a delicadeza de suas mãos de pintora, removeu a flor e a colocou no copo. Levantou-se e colocou a florzinha bem próxima de si. Ela, a flor e o sol, todos sorriram. Caminharam em direção a saída em silêncio, mas pensando em todas as coisas que iriam fazer juntas.
- “Gostou do jardim?”, perguntou animada a flor.
 - “Não o conheci todo, fui até um ponto, mas voltei para te buscar”. Nesse instante estavam paradas no mesmo lugar onde ela escolheu que direção tomar. Naquele momento ela percebeu e disse a si mesma - “se tivesse tomado a esquerda, não a teria conhecido”. “Goiaba”, pensou e sorriu.

domingo, 5 de setembro de 2010

l’Amour

            Como se aprende a amar? Há quem diga que já nascemos com isso preso em nós, como se amar fosse um dom inerente a nossa natureza; já outros crêem que nunca se aprende a amar, e que nosso destino é apenas tentar. Mas encontramos a resposta em Drummond, que acaba nos explicando: “amar se aprende amando.”

                O Amor... Ele passa a existir num processo pois não é uma coisa em si; como é belo esse construto chamado Amor. Quantos elementos somos capazes de usar para fazê-lo existir? Começamos com a amizade, pois que Amor iria permanecer em pé sem uma boa dose de companheirismo e cumplicidade? A amizade é linda por si só, mas quando ela faz parte do Amor ganha um brilho diferente; sem ela o Amor não saberia compartilhar, doar-se e nem ter aquele desejo de ver a outra parte, mais feliz.

                Não podemos ter um Amor bem formado se não colocarmos uma pitada (generosa) de paixão. Aqui, senhoras e senhores, temos uma grande confusão, não venha me dizer que paixão é um fogo desatinado que queima e passa, não! Ela não é isso; paixão é um tempero, um sabor, um “q” especial. É a paixão que nos faz olhar para uma multidão e ver apenas uma pessoa, como se todos fossem opacos, e só ela reluzente. E muito perto dela temos a sabedoria; ela rege todos os elementos e se não vier de Deus meus caros, teremos um Amor até que bonito, mas falho em suas ações. Ela que nos mostra o momento de falar e ouvir, de demonstrar o Amor e de saber receber uma homenagem. A sabedoria é a argamassa do Amor, torna ele firme, consistente.

                O Amor tem esses tantos elementos inclusive a fúria. “Fúria? No Amor?” Perguntam vocês. Sim! Afinal de contas quem não gosta de um conflito? Não me condenem, pois no Amor as coisas são bem diferentes. Esses conflitos de maneira nenhuma querem destruir a outra parte, antes, são uma força que levam os dois a chocarem-se, invadirem um o mundo do outro. Sem a fúria, o Amor nunca faria duas pessoas amalgamarem-se tanto a ponto de não serem dois, mas sim, um a extensão do outro. E pasmem vocês, o Amor tem seu quinhão de ciúme.  Mas desculpe decepcioná-los esse ciúme não de “alguém”, é um ciúme de si. Ele faz com que tenhamos a necessidade de nos reinventar, como se o eu de hoje devesse ser melhor do que o de ontem; isso nos traz novos sorrisos, novas aventuras, transformando todos os dias num primeiro encontro.

                O desejo é dos combustíveis fortes do Amor. Ele não busca apenas a pele contra a pele; nem tão pouco se ocupa de sentir o encontro dos lábios. Ele busca mais: o balançar dos cabelos contra brisa da manhã; o sorriso iluminado que faz crescer o mundo, o som orquestral da risada que inunda o coração e o olhar... O olhar que esquadrinha a alma, que bebe na fonte do ser que é o outro, o olhar...

                E lá vem ela, linda, caminhando com uma Deusa antiga, leve, sublime; o que seria do Amor sem ela? Ela? A Saudade! A saudade gravita muito acima do que podemos pensar; ela está além da nostalgia que se prende as coisas que já passaram; nem a ânsia que só olha para as coisas que hão de vir. A saudade é posta no presente, um sentimento de incompletude.  Sem isso o Amor não existiria. Em principio quando sentimos saudade de uma pessoa que ainda nem conhecemos, o Amor tem sua senda gravada, uma pedra fundamental lança por onde ele poderá se edificar.

                O que mais nos alegra é saber que mesmo depois de lágrimas, desilusões e fugas, o Amor ainda corre a plenos pulmões desejoso de ser construído em mais alguém. Se amar se aprende amando, buscando e aperfeiçoando a amizade, a paixão, a sabedoria, a fúria, o ciúme, o desejo e a saudade, devemos então crer que mesmo com um mundo louco girando em linhas tortas, o Amor segue em linha reta, na direção dEle, o único e perfeito Amor.