segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Amor-dos-homens

Eu te vi. A mulher mais linda sentada num jardim.
Minhas mãos carregavam sementes (ainda) sem vida.
Seu olhar se perdia num pôr-do-sol alaranjado,
Enquanto meus pés pisavam a terra viva.

Parei a dois passos de você e contemplei o brilho de seus cabelos
Se misturar e se perder no brilho do sol.
Com as mesmas mãos que alimentam a terra
Lancei sementes sobre você.

Um ponto negro repousou em suas costas
E regado foi por minhas lágrimas de alegria.
Não foram necessárias as estações, em pouco tempo
O Amor-dos-homens nasceu em você.

Ele era frágil; tão belo quanto frágil ele era.
A primeira brisa fria da noite sobrou
Desfazendo-o em milhares de pequenos amores
Que voavam para longe de mim. Pensei que tinha acabado.

Mas ao olhar novamente, no ultimo instante de luz do sol
Pude ver e perceber toda a verdade que nascia.
Cada grão de amor que flutuava pelo ar
Transformava-se num pássaro de liberdade.

Voavam alto até se queimarem com o sol,
E suas cinzas trazidas de volta pra mim,
Enchiam as minhas mãos
Com novas sementes de amor.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Um Bom Coração

Todos os dias ele saia a mesma hora para o trabalho. Banho tomado, perfume passado e um bom humor anormal como diria o pessoal da firma.
Ele sempre se sentava ao lado do cobrador e não era pra conversar, era pra fazer caridade. Sempre que alguém esquecia o dinheiro ou estava sem saldo no vale transporte ele se levantava com um sorriso no rosto e passava seu cartão. Nem perguntava nada que era pra ninguém negar. Como sempre dizia: “era só uma gentileza".
Certa vez uma moça quis que ele aceitasse parte da passagem como agradecimento. Isso o ofendeu profundamente e de cara feia ficou até o final da viagem.
Já era famoso no ônibus das duas e trinta e cinco, mas nenhum passageiro nunca teve coragem de se aproveitar. Quando era questionado por qual motivo ele fazia aquilo, sempre dizia: "ajudar não dói".
Numa quinta-feira qualquer do mês de agosto sentou-se no mesmo lugar pronto a ajudar quem precisasse. Subiu então um jovem de capuz azul, calças pretas e um olhar que não se podia ler. Passou o cartão uma, duas vezes e a mesma mensagem aparecia em letras apagadas: "saldo insuficiente". Era o momento. Era a chance de ajudar alguém. Sacou seu vale transporte, mas não percebeu que o rapaz sacava um revólver. Enquanto ele pedia licença para ajudar, não percebeu que o jovem pedia o dinheiro. E foi quando ele colocou o cartão, vendo a luz verde se acender, que o tiro foi disparado.
Se fosse um policial, um bombeiro ou quem sabe um professor poderia se dizer que morreu no exercício da função. Até hoje o que se diz no ônibus das duas e trinta e cinco, é: "aquele cara tinha um bom coração."

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Último Soneto

Nesse labirinto de palavras tortas e esquecidas
Escuto sua voz rouca chamar meu nome em direção da luz
Que me levará para longe do presente de todas as feridas
E me aliviar do peso fatigante da minha pequena cruz

E se essa for realmente a ultima chance de escrever?
Vou ficar com medo e mais uma vez negando a emoção?
Liberte meus dedos para que finalmente possa dizer
Que não há resposta exata que satisfaça nossa razão.

Mas no ultimo soneto, sua voz se cala e leva contigo meus verbos
Os adjetivos amarelam e os pronomes não são meus
Resta o som mudo de dedos agora lerdos

Uma ultima olhada, para aqueles que são seus
E um suspiro aliviado que alcança o perdão
E um suspiro quente e abafado, que enterra a paixão.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Seu Rock do Amar Antes

- Cansou do violão?
- Violão cansa, poeia cansa...
- E cerveja não cansa?
- Cerveja não cansa, mas deixa bêbado e é nessa hora que a gente para e conversa com quem pode no ensinar, com quem pode nos clarear a mente.
- Você não vai namorar minha filha.
- Eu sei disso. E sei que ela só não quer porque o senhor não quer.
- Não é por você, não me entenda mal...
- Bom, se não é por mim pelo que seria então?
- A vida. Sabe, olha você. Você é igualzinho a mim quando conheci minha mulher. Jovem, sonhador, forte... Você ainda vai sofrer muito pra se tornar um homem de verdade.
- Você é feliz?
- Claro!
- Quero dizer o senhor foi feliz com toda essa jornada pra se tornar um homem de verdade?
- É sofrido. É bem pior do que trabalhar até tarde e estudar de manhã.
- Ela estava com você o tempo todo?
- Quem?
- Sua esposa.
- Sim, a cada instante e cada dificuldade.
- Isso que não faz muito sentido pra mim sabe. Você viveu e cresceu ao lado de uma pessoa; passou de um menino sonhador a um homem de verdade. Você não chegou aqui completo e com flores na mão. É meio chato você querer me privar disso.
- Não me ofenda. Você nem sabe dirigir.
- Pois é, mas... É, você tá certo, realmente não sou o mais adequado. Vai aparecer alguém que vai fazê-a feliz.
- Burro.
- Que?
- Essa não é a primeira vez que tenho essa coversa.
- Claro, aposto que não sou a primeiro carq a ficar afim dela.
- Não é sobre isso que eu tô falando. Eu já tive uma conversa assim, mas eu estava no seu lugar.
- ...
- É não foi fácil. O velho era bem linha dura, vivia me testando pra saber se eu iria mesmo dar conta.
- Isso tudo fou um teste?
- Garoto, eu sou um pai. Eu sempre vou querer o melhor para os meus filhos, mas uma coisa que você precisa saber é: o melhor nem sempre é o mais bonito.
- O que você quer dizer com isso?
-Vai fundo cara. E busca mais uma cerveja, conversar com você não cansa, mas da sede.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Soneto ao Sonho que Tive

Diante da bandeira tremulante sonhei
Os absurdos de um futuro bom me dominaram
E de mãos abertas e coração estendido esperei
Receber as palavras de poder que em mim se aninharam

Diante dos olhos cerúleos da minha prátria chorei
Por saber que era o nêmisis de mim mesmo
Mas com a força de palavras belas triunfei
Deixando um passado perdido a esmo

Canta comigo, meu amor, as verdades desse sonho bom
Vem fazer das nossas vozes um mesmo som
E numa espriral de luz vamos subir ao céu.

Vem contar comigo a história dessa arte que é amar
E escrever um destino de beleza sem par
E faremos do sorriso da terra o nosso véu.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Carta ao Tom

Olá meu amigo,
Sei que agora você está na sua sala, bebendo seu Scott e fumando seu charuto em paz. Já já você vai dedilhar alguma coisa no violão e olhar pela janela lamentando que o mundo já não é mais o mesmo... Eu sei.
Resolvi te escrever essa carta por que as coisas estão um pouco complicadas. Tudo já perdeu alguma coisa; semana passada eu pedi minha carteira e no começo do mês meu vinil preferido do Cole Porter, mas quando a perdi me pareceu que fui perdido junto. Você se senta pra escrever e as palavras ficam se remoendo dentro de você e nada faz muito sentido, nenhuma frase está no lugar.
Já tentei bastante coisa. A bebida nunca ajudou muito e agora menos ainda. Tentei o violão, novos amigos, aventuras, mas nada a trouxe de volta. É complicado por que é como se ela ainda estivesse aqui, como se ficasse pairando sobre mim, deixando que eu sinta seu cheiro, mas sem poder tocar ou possuí-la de verdade. Tentei até não tentar. Ficar parado e ver se minha ausência a fazia voltar... Tolice da minha parte.
Sei que seus conselhos vão ser para que eu me acalme, que não seja tão precipitado como sempre sou. Ela me faz falta meu caro, deixa um vazio estranho no dia. Um quebra-cabeça quase completo, com toda a imagem, mas sem o toque final. Estou calmo, melancólico e quase ascendendo um cigarro (não, eu não fumo).
Os desabafos de amizade são sempre os melhores. Espero que essa carta te encontre em paz, como sempre. E espero que ela volte com sua resposta. È meu amigo eu não dei valor ao que eu tinha, eu não sabia o que fazia, que saudade...

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Pai

“Somos a resposta exata do que a gente perguntou; entregues num abraço que sufoca o próprio amor. Cada um de nós é o resultado da união de duas mãos numa mesma oração. Coisas do coração.” — Raul Seixas


Meu velho pai que todos os dias aproveitava o sol no mesmo canto do sofá. O “livro da capa preta” era sua companhia matinal. Uma caneca sobre a mesa com um café fumegante, com uma fumaça que descrevia e escrevia versos enquanto subia para o céu. Seus olhos confusos nunca me disseram se ele havia nascido para enfrentar o mar ou se era apenas um jovem faroleiro, que a ponta pro mar escuro um feixe de luz.
Meu velho pai que com força e graça todos os dias mata mais um leão. Que sabe muito bem que esse “tempo fugido” vai nos sugando e quando menos esperarmos já seremos os mesmos de sempre. Uma arrogância que transborda amor que banha a muitos mesmo que num anonimato disfarçado, por que amor é bem mais do que um sorriso de bom dia. E todas as vezes que colocas seus olhos sobre mim, sei que em segredo seus braços me protegem.
Meu velho pai que era duro como uma rocha e que só uma única vez verteu lágrimas sobre um deserto chamado morte. Uma rocha tão dura que vencia todas as batalhas e que trazia os espólios enrolados em papel de pão. Amava-me de um jeito tão diferente que eu não conseguia entender; e se um dia eu sonhei que era invisível, e hoje sou, sei que seus olhos sempre puderam me ver.
Meu velho pai... Quanto amor, que não vê preço maior na minha vida. E no dia que as mãos gélidas tocavam meus lábios e me levavam pra longe, ele, como um filho, me privou do dever de partir. E quando ando perdido em ruas tão claras quanto o dia, ele me abraça e me deixa respirar seu perfume.
E eu sei que pareço distante, como se meus olhos já não desejassem conhecer os seus; mas, meu velho pai, se escrevo essas palavras banhadas pelas fontes que nascem dos meus olhos, é por que te amo de todo meu coração.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Sonhos

"Fá com baixo em fá; fá com baixo em fá sustenido."

O apartamento era o mesmo, não pequeno aconchegante diziam eles. A maioria dos móveis eram estantes e todas abarrotadas de livros. Alguns dicos de vinil contracenavam com os cabos dos notebook's que sempre estavam prontos à escrever. O quarto guardava aquele cheierinho de amor eterno, guardava mais livros e um violão. A cozinha era pequenina, mesa pra dois e quase nunca com comida caseira.

Mas hoje as coisas não estavam assim, uma certa melancolia pairava no ar, uma tristeza sem nome. Qual preço se pode pagar pela felicidade? Qual valor possui sua liberdade? Não havia mais forças para ir além. Quanto tempo iria demorar para que tudo se torna-se realidade?

A casa nunca existiu. As paredes cheias de livros na verdade eram as paredes de dois corações abarrotados de sonhos. O embrião do nosso amor foi abortado pela nossa pressa de ser feliz.

Restou um silêncio ao telefone. Uma conversa inacabada que termina assim:
- vou desligar, preciso dormir.
- guarda um sonho pra mim?
- De chocolate?
- Não, de amor.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Dezessete Dias

Dezessete dias, era o que faltava. Era, mas ninguém sabia disso. Ninguém sabia que um atraso, um punhado de chá fervente e um encontro que finalmente aconteceu mudariam tudo.
Bruna. Uma menina dinâmica. Dessas mulheres “à lá” século vinte e um que não precisam de ninguém para conquistar o mundo todo. Desde os 14 anos o máximo de tempo que ficou desempregada foram, o que ela mesma batizou, os seis meses da preguiça; onde ela realmente não quis fazer nada. Ela iria se casar. A primeira dos quatro filhos de seu pai e dois de sua mãe. Ela vencera muitas coisas pra chegar até ali, mas tinha um grande inimigo: o despertador.
Ele era jovem, forte e muito bonito. George tinha recém começado seu trabalho na policia, ele era um atendente e tinha passado em terceiro lugar no concurso. Estava radiante de feliz. Como ainda morava com os pais estava acostumado a toda manhã, antes de partir, encontrar o café pronto e colocado à mesa. Naquela manhã não foi assim; naquela manhã foi tudo diferente.
Antônio era mais um operário, ele sabia disso. Quem passava pela rua e o olhava via apenas mais um homem sem estudo que acabou se firmando no primeiro emprego que lhe pagou razoavelmente bem. Nada disso era mentira, a mentira era acreditar que por conta disso ele não poderia ser feliz. Naquela noite isso seria provado. Finalmente a ruiva do 307 resolveu aceitar sair com ele; iriam a um samba muito bom e com um carro emprestado do irmão ele iria buscá-la com toda pompa, e foi.
Um calor escaldante, talvez fizessem uns 45° no asfalto. O mar estava a apenas 200m de distância e Antônio com uma parafusadeira industrial de 20 kg pregando os guard-rails novos na estrada. 16h45 quinze minutos de expediente e ainda uma tarde inteira de serviço. Havia uma ruiva o esperando e ele ainda tinha que se arrumar e buscar o carro na casa do irmão. Educadamente (e aqui cabe muita ironia e cinismo) o encarregado pediu que ficassem até deixar o serviço um pouco adiantado pro turno da manhã. Tonho, como era conhecido, praguejou aos quatro ventos, mas ninguém ouviu por que ele fez isso dentro da sua mente. 17h25 a ultima lâmina foi parafusada com tanta displicência que até uma criança, ou quem sabe um bêbado, poderia arrancá-la. Seria um bêbado.
Jovens fortes, bonitos e com dinheiro no bolso tentem a ser totalmente irresponsáveis, mas não George. Ele sempre soube que se for dirigir não bebia, até o cara da TV sabia disso. Naquela noite foram beber num boteco perto de casa e beberam tudo o que tinham direito: quatorze garrafas de cerveja e oito doses de pinga de banana, tudo isso em quatro pessoas. Na volta vinham discutindo os dramas do futebol e escalando a seleção principal pra Copa América. Quando um amigo, Paulo, disse que o Roque Jr. deveria voltar a jogar, George não agüentou e caiu na gargalhada, todos riram. O riso foi tanto que ele precisou se debruçar na proteção da pista. Uma queda. Uma queda daquelas lindas e ai ninguém agüentou; uns quinze minutos depois conseguiram se levantar e continuarem andando.
7h os Beatles começam a tocar “All You Need is Love”, mas param abruptamente assim que o botão soneca é ativado. 7h10 eles tocam os primeiros acordes novamente, são vencidos pelo botão soneca. Isso se repetiu por mais uns ciclos até que às 7h37 Bruna percebe que está totalmente atrasada e corre pra se arrumar deixando o celular na cama tocando Beatles pra quem quisesse ouvir.
Nem a bateria de mil escolas de samba faria a cabeça de George ribombar tanto. Acordou com a Sapucaí na cabeça, quase que literalmente. Arrumou-se o mais dignamente possível, para causar uma boa impressão no emprego novo. Ao chegar à cozinha percebeu que o café não estava posto como sempre, mãe postou um copo cheio de chá quente para ele beber no caminho e curar a ressaca. Bruna correu, calou os Beatles e vestiu seu uniforme. Ela sabia que se pagasse o ônibus de 7h55 chegaria só vinte minutos atrasada. Vinte minutos, que lástima!
De que adianta ter um porta copos no carro se o copo não cabe nele? E de que adianta brigar com o porta copos se ele não vai ficar maior? Com a bolsa balançando atrás de si ela correu até o ponto para pegar o ônibus, seus saltos pareciam um metrônomo louco de um estudante de Rachmaninoff.
Depois de um gole mal dado e uma nova tentativa frustrada de colocar o copo no seu lugar devido, o colo de George foi banhado com um punhado generoso de chá fervente. Se o chá estivesse no copo e não no colo o carro teria ficado na pista. Com o tic-tac frenético dos saltos no asfalto, Bruna decidiu passar pelo vão de uma parte do guard-rails que não foi colocada. Se não estivesse atrasada, não estaria ali. Se a proteção tivesse sido colocada, não haveria como passar por ali. Se...
Todos sabem. Todos realmente sabem o que aconteceu. Duas coisas aconteceram e uma não. Houve uma condenação; não houve um casamento; houve uma demissão. E uma bolha, gigantesca e amarela, de tristeza explodiu por sobre a cidade.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Soneto à Menina Que Não Existe

É tão bonito observar sua respiração leve enquanto você dorme
Puxo a sua coberta pra deixar todo seu corpo protegido. Eu já sabia que seria assim.
Fico encantado quando você vem, arrastando seu bicho de pelúcia predileto até meu quarto
Coça o olho e pede pra dormir junto comigo. É clichê, mas é você.

Tanto faz as outras pessoas que moram nessa casa. No meu universo só nós existimos.
Até inventei uma maneira para viajarmos juntos pro seu planeta predileto.
Quando eu nasci eram nove, depois oito; e agora quantos são? Não importa...
O importante é viajarmos juntos de mãos dadas.

Eu procurei, escrevi, criei e chorei. E hoje quando coloquei em você o nome que sonhei
Soube que finalmente tinha encontrado a mulher da minha vida.
É você que eu amo mais do que tudo nesse mundo.

E você está lendo isso agora. Significa que o sonho tronou-se realidade, você é linda.
Contenhas as lágrimas, não as suas as minhas. Chorar era tudo que eu queria, mas de alegria,
Quando te fiz esse pequeno soneto. Minha doce e bela Maria.

sábado, 7 de maio de 2011

Reflexões Sabatinais

- leia esse livro você vai gostar.

- por que esse? Algum motivo especial?

- ele é bem diferente de você. Vai adorar o confronto.

Na verdade ele não queria que o confronto existisse, na verdade ele queria (de um modo discreto) mostrar como ele estava vivendo e quem era ele.

Ele nunca quis deixar de fazer parte de sua vida. Ela era ainda linda, digna de todo respeito e carinho, mas ela estava longe... Muito longe. Ela ainda lembrava em detalhes dos cachos, do sorriso, do jeito tímido de lidar com o desejo e a sexualidade. Lembra do companheirismo e de todos os grandes tratados. Da risada. E os pequenos olhos que foi a primeira coisa que lhe chamou a atenção.

- não há conflito... Eu quero você de volta pra mim.

- você sabe que isso não é possível. Era mos muito jovens... Não sabíamos direito o que estávamos fazendo.

- eu era um idiota e você também, essa é a verdade. Você usava desculpas evasivas e eu criava um escudo com uma dor ancestral.

- talvez as coisas não sejam exatamente assim.

-talvez você não tenha aceitado a realidade. Essa é a verdade das coisas.
O “silêncio” que se fez era torturante. Como colocar agulhas entre as unhas. Eles ainda tinham um apreço imenso um pelo outro, mas já não era mais amor.

O amor havia lutado. Resistido a cada ferida que era feita a cada instante. Dores e valores que não cabiam naquele amor acabaram o matando pouco a pouco...

- bom... Leia o livro. Ele sabia que aquele era o único jeito dela estar ligada a sua nova vida.

- não vai mesmo me dar os detalhes?

O tom da conversa mudara repentinamente. A leveza reencontrou neles um lugar para morar. É como se eles se amassem novamente. Pensaram: “por que não deixar as coisas assim?”

terça-feira, 3 de maio de 2011

Ofício

Eu vivo de contar histórias. Quase nunca as minhas histórias, quase sempre histórias emprestadas de amigos, passantes e ilustres desconhecidos.

Viver desse oficio não é nada simples quanto parece. Você vê uma crônica, um conto e até um romance prontos e parece que eles brotaram assim. Mas não. É preciso tempo, suor e inspiração. É preciso ter um par de olhos que vá além da superfície; é preciso ter uma alma que saiba mergulhar ( e não tenha medo de se afogar).

Se você tiver medo de nadar para o fundo vai viver numa mediocridade confortável, num prazer supérfluo e amargo. Se escolher mergulhar mais fundo vai ter tudo. Essa é a verdade: todas as coisas, boas e más, estão ocultas nas profundezas. Os olhos vivos de uma criança e a morte de um pai. O amor ternamente correspondido e a dor da nudez humilhante. Todas as coisas estão ocultos no fundo de um rio chamado vida.

Eu vivo de contar histórias e essas histórias que crio, criam a história que eu quero viver.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Pétala Negra

Só temo que sua poesia te mate. Que cada verso seja como a ultima nota de um réquiem incompleto. Queira, o bom Padre Eterno, que não seja eu diante de uma cova que escreva o ultimo compasso.

Pena que mentir para si é como tentar se fazer cócegas. Por mais que se concentre, seu corpo sempre sabe que são cócegas totalmente previsíveis; por mais que eu tente, sempre vou saber que é uma mentira. Minha e para mim, mas ainda uma mentira.

Parece que a todo tempo a morte (o lado ruim dela) coloca a ponta de seu dedo podre em cada pitada de beleza da sua poesia. É uma marca, uma assinatura de uma co-autora sinistra e indesejada.

Disparo contra ela rajadas de palavras, mesmo sabendo que elas não fazem efeito. Como se você criasse uma barreira para mantê-la ai, ao seu lado. Num olhar cínico e sagaz ela me fita longamente, como quem tem a segurança de que nunca vai morrer. Me olha como quem diz: “ hoje estou aqui... Amanhã posso estar do seu lado.”

E mesmo que em cada botão de rosa nasça uma pétala negra, continuarei amando esse jardim que me fez ver que a mais linda flor ainda respira num local seguro. Como nunca disse Ernesto: “vocês podem para uma ou duas flores, mas nunca irão deter minha querida primavera”.

Torrentes

Caveiras aladas saem de seus ombros e voam para os seus seios. Você sorri.
Uma gueixa dissimula um olhar de sedução ao seu lado. Quem sorri sou eu.
O que sobe por suas pernas não posso descrever com palavras puras. Nós sorrimos.
Não há inspiração que resista a boa e velha madrugada criativa. Ninguém sorri.

Tez alva e sorriso limpo como de uma jovem criança que acaba de nascer.
Voz forte a melodiosa como uma mulher que luta e sabe por que luta.
O que desce por sua garganta é o que a criança não pode provar.
O que sobe por suas pernas é o que a mulher em ti domina e comanda.

Lábios rosados e olhos castanhos. Quem me prendeu nessas correntes?
Caras e bocas em idas e vindas. Os grilhões caem e sigo em direção ao rio.
Não me atiro em calmaria ou paz, me atiro nos braços de torrentes.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Fio Rebelde e o Dado Caolho

Sento numa praça de alimentação lotada, pessoas falam sobre tantos assuntos quanto meus ouvidos são capazes de distinguir. Existe um ligeiro clima de tensão nas pessoas que esperam. Não sei dizer o que se passa com elas ou em que realidade elas se encontram, mas de algum modo me sinto ligado a elas.

Sinto que de algum modo o pequeno menino que subia barrancos, que fui, esta ligado a doutores e senhoras que se sentam ao meu redor. Cada passo dado, cada página lida, tudo, nada mais era do que uma preparação para esse momento. Mas que momento é esse? Nada de especial vai acontecer; não irei conhecer a mulher de minha vida, mas era ali que deveria estar. Não me importo com nenhuma pessoa ao meu redor. Se um desses corpos cair inerte e sem vida, não vou chorar. Porém cada célula do meu corpo é parte, da mesma natureza, da célula do corpo de cada um aqui.

De algum modo O Tecelão Eterno fez com que nossas tramas se unissem naquela hora, formando um tecido chamado momento. E por mais que eu seja um fio totalmente dispare dos demais (e não que eles sejam, também, semelhantes entre si) é como se não houvesse modo de me separar deles. Estamos ligados. E isso me prende ao chão, a terra, a realidade: eu e eles somos as várias faces de um mesmo dado. Somos a mesma coisa e também.

Mas se me movo para longe disso. Se me condeno a ser um fio rebelde que se desarraiga do momento, me sinto subir. Sinto como se a brisa me levasse para as alturas. Não estou mais sentado numa mesa preso a milhares de pessoas que não conheço. Tenho nada e ninguém. Os vejo de cima. São pessoas, histórias e contextos totalmente alheios a mim. Nada me toca, nada me quer.

Sou uma carta fora do baralho; sou uma face do dado que se desprendeu e ganhou vida própria. A folha travessa se entrega ao vento e vai, mas o vento não deseja, só carrega. Me sinto só. Não a solidão do abandono, do esquecimento, mas a solidão do estar só por opção. Não tenho nada, nem dramas, nem dores, nem cores. Sou um prisma de luz que nenhum olho pode ver.

Um dia fui crente no outro frio; já fui negro e amarelo; estive longe e perto. E quanto tudo isso se perde? E quando a dualidade é tão dúbia que não há como saber onde se quer ficar? Quando não se tem nem peso nem medida. Para onde se vai?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Furacão

Um dia um furacão passou assim
Rasgou meu peito como se eu fosse feito de papel
Dilatou minhas pupilas, e deixou um buraco oco em mim
Mas sempre me resgatava como um anjo Rafael

É lembrado no copo de cevada processada, não pelo gosto
Mas pelo amor que fazia, e faz, e fará, nascer em cada palavra
É lembrado por encarnar sempre a responsabilidade pelo lado oposto
Rasgava nosso peito com seu amor, como quem rasga a terra que lavra

Vai furacão! Destrua e ame quantas terras for preciso
Construa, reconstrua; escreva e reescreva mil e uma vidas em mil e uma mesas de bar
Mas não esqueça que para muitos você é o dente siso
E pra tantas outras é o ultimo gole de ar

Lembra da fenda na terra que você abriu do Campeche aos Ingleses?
Nós colhemos a semente de suas palavras e as plantamos nela
Dela brotou felicidade, saudade e milhões de prazeres, às vezes
E sempre que anoitece e olhamos o mar, vemos seu rosto, furacão, pela janela.

Um Dia Desses

É triste ir passando pelas ruas
Olhando de janela em janela
E ir vendo um povo que se dá
Só de quando em vez

Ama um cadinho aqui outro acolá e depois some
Faz uma jura de amor a cada ciclo do olho branco no céu
E sempre nega que tá caidinho de amor
Pela mulata que passa a balançar

Olha essa flor, olha esse mar, olha essa morena
Olha pra ela e diz: “assim morena, eu posso até me acostumar;
Com esse chamego todo eu me acostumo, mal, mas me acostumo”.

Deixa de ser João-de-barro viúvo sai dessa toca e fala praquela passarinha de coxa grossa:
“vem comigo voar pro meu sertão e você vai ver queda d água; calango, pé de palma e mansão de pau-a-pique.”

E depois disso você vai ver o que é bom
Sair de fininho à noite pra ver estrelas; ir pro cinema de mãos dada;
Beijar na chuva e sorrir toda vez que ver aquele sorriso frutacor.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Tolo, Bobo, Sozinho e em Negação... Mas Leve

E eu aqui, tolo, pensando que se eu olhar fixamente sua foto você vai aparecer... Você não vai.

E eu aqui, bobo, querendo que as cervejas durassem para sempre, não pelo prazer de beber, mas pelo prazer de estar...
Elas são breves, elas acabam.

E eu aqui, na solidão, pensando em fazer dos dias bons dias tristes só por que seu sorriso não encontrou o meu...
Eu nego, mas eles são bons.

E eu aqui, em negação, vivendo a falsa segurança de não sentir nada; esquecendo que o acendo agudo da sua voz me faz sorrir...
Ele faz, ele é forte.

Agora eu vou sair, leve, almoçar e conhecer novos amigos; mas com o coração grato por ver a poesia resgatada...
Muito obrigado, Dona...

domingo, 27 de março de 2011

Manhã de Domingo

Estou preso num castelo de areia. Alguém pode, por favor, me explicar que essas paredes são tão fracas quanto eu acho que sou? Vem alguém de fora (ou de dentro) me ensinar que um soco forte bem dado vai me tirar daqui e me mostrar os azuis do céu e do mar. Me dêem água eu tenho sede, me dêem assas eu quero voar.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Indizíveis a Olho Nu

Somos todos desterrados, destelhados, vivendo dias lúgubres longe da nossa pátria.
Temos braços cansados, mãos nodosas da luta para conquistar uma terra que não é nossa.
Olhos cansados de noites (mortas) vividas em claro, em busca de tesouros flácidos e frágeis.

E o que somos nós? Estrangeiros numa terra que foi alimentada por nosso sangue?

Somos todos os bastardos preferidos de uma pátria-mãe que não nos mira os olhos.
Meio-irmãos de uma família que não ama nosso sangue, e sim, nossa força.
Jogados no canto da mesa ou gentilmente convidados a nos alimentar num cômodo escuro.

E o que somos nós? Indigentes, nômades, expatriados, errantes? Talvez não exista palavra única para falar sobre nós.

Perdemos mães, filhos, pais e irmãos; porém mais do que isso: perdemos idioma, cultura e fé.

Nosso peito foi rasgado por uma baioneta envenenada e um disparo cruel explodiu nosso coração.

Nossas lágrimas lavam o chão sujo da corrupção alheia e nosso grito de socorro é escutado por ninguém.

E eu me pergunto: quem somos nós? Quem somos nós? Quem somos nós...

domingo, 23 de janeiro de 2011

Santa Clara

É verdade... Isso tudo que você me diz soa como uma forma irônica de me amar. Eu vou caminhando por essas ruas já escuras e geladas; fico tentando encontrar um nexo nesse bolo de palavras confusas que você sempre diz: “liberdade”; “futuro”; “paz”. Isso tudo significa algo de verdade?
Se eu desse quarenta dias pra sonhar comigo, pra sonhar sobre nós, seriam essas as palavras chave? Qual é, sei bem que você pensa que sou eu o cara quem vai te resgatar desse turbilhão chamado vida. Mas eu não ligo se você vai me confundir com algum príncipe encantado num cavalo branco. Não ligo se você prometer que ficaremos juntos no verão se depois eu pude aproveitar o inverno do jeito que bem entender.
Quando eu digo “oi” você faz aquela cara de quem não gosta, mas quando fico perseguindo seu olhar no meio da multidão você sorri e fica corada. Vai ser nosso segredo, não conto pra ninguém que você é doidinha por mim. Só peço que tenha cuidado, pois quando eu disser “bie bie” vai ser de vez, pra sempre.
Mas o que eu posso dizer de você? Com todo certeza hoje eu sei: você é minha Santa Clara, que clareou tudo que parecia embaçado. Se eu te contar um segredo, promete não contar pra ninguém?

sábado, 8 de janeiro de 2011

O Sonho Acabou

É assim que te deixo: com lágrimas nos olhos e um pesar no coração.
Deixo-te para que seja a lembrança de um tempo bom que vivi;
Muitos te conheceram, mas já não saberão de mim por você.

O peso que trago agora nas mãos, é aquele das ultimas palavras,
As ultimas que serei capaz de escrever e mostrar ao mundo.
Deixo-te como alguém que tem de amputar um membro.

Ficarão as boas lembranças de boas risadas, lágrimas de alegria e o amor,
Amor que nos inspirou há passar tanto tempo juntos,
Mas tenho que te deixar, pois já é tarde demais.

Fostes dos presentes aquele que eu mais queria,
E por longas noites era minha única companhia.
Deixo-te como uma caneca sobre a mesa, que já esteve cheia, mas agora esta vazia.

Mr. Jones e Seus Inconfundíveis Óculos Espelhados

Essa é uma história verdadeira. Aconteceu com um amigo de um amigo meu; é a história de Mr. Jones e seus inconfundíveis óculos espelhados. Quando o Mustang Shelby GT500 despontava no começo da rua, toda molecada corria pra ver. O carro negro entrecortado por duas faixas brancas tinha uma imponência sem fim. Todos sabiam quem desceria do carro quando ele parava na garagem do número 183, pois somente um homem era capaz de pilotar uma maquina daquelas: Mr. Jones!

Ele era uma figura emblemática. Parecia que tinha saído de algum filmes dos anos 60. Jaqueta de curo negro; cabelos perfeitamente penteados e nitidamente banhados de gel; calças jeans tão surradas quanto algum adversário de Mohamed Ali; sapatos escuros muito bem engraxados e eles: os inconfundíveis óculos espalhados. Reza a lenda que ele os teria recebido do próprio General Douglas MacArthur, mas isso é só uma fofoca. Por baixo da jaqueta a mesma regata branca e sobre o peito a corrente que segurava um pingente na forma de “E”. Dizem que era de Eleanor, sua falecida mãe; outros diziam que era de Ester, seu primeiro amor que nunca esqueceu e a história mais absurda era de que o tão misterioso “E” era de Emily, uma filha ilegítima que ele teria num estado do sul. A única coisa que se podia ter certeza era que representava uma mulher, porque ele tinha um dom infinito com elas. Não importava quem, quando e onde ele sempre conseguia conquistar.

Píer 23, dez horas da noite. B. Joe marcava suas corridas no porto porque era onde podia ter a maior discrição e os melhores percursos. Quatro pilotos, dez mil em dinheiro e a vaga de piloto vitalício de B. Joe. Lá estava o GT500 e encostado na traseira Mr. Jones e seus inconfundíveis óculos espelhados (usava-os mesmo a noite e não diminuíam em nada suas habilidades). O trajeto era esse: do píer 23 até o píer um, do outro lado do porto, fazendo todo o caminho pela sinuosa parte sul do porto até o píer oito, virando abruptamente para a esquerda até o final. Essa era conhecida como a curva da decisão; quem a cruzava primeiro não perdia a corrida, mais superstição do que lógica.

O ronco dos motores e o cheiro de borracha queimada infestaram o lugar; os carros partiram como flechas deixando para trás fumaça e marcas de pneu no chão. Logo se percebeu que a corrida ficaria entre Mr. Jones e o piloto do carro verde (um camaro qualquer). Os dois pilotavam com dois gladiadores romanos; velocidade, força e destreza. A agressividade dos dois estava nítida com as caixas e barris que eram ignorados quando eles passavam voando baixo.

O trecho antes da curva do píer oito era uma reta perfeita; os dois levaram os carros à máxima potência. Mr. Jones tinha uma ligeira vantagem, centímetros, mas tinha certeza que sua entrada na curva da decisão seria triunfal! Mas o que ele não esperava era o caminhão tanque que estava saindo do píer oito bem na hora. Foram os três segundos mais longos que ele já viveu. Lembrou da primeira vez que dirigiu um carro, o barulho do motor, a sensação ao tocar o couro do volante, lembrou-se do seu primeiro racha e sua primeira vitória; lembrou do pingente em forma de “E” que balançava no seu peito enquanto ele puxava o freio de mão para entrar na curva. De longe só se pode ouvir a explosão e ver a coluna de fumaça que se ergueu muitos metros, como uma mão negra de morte que quer tocar o céu. Os dois corredores mais lentos estavam a salvo; um jogou o carro pra dentro do píer nove e o outro pra dentro de um monte de lixo. Os mais rápidos não se viam.

Fogo, muito fogo, a certeza que ninguém poderia sair vivo dali. Depois que as chamas cessaram não havia duvidas: o camaro acertou em cheio a lateral do caminhão; o carro antes verde agora era apenas um punhado de ferro banho de cinza e o piloto... O que ninguém quis crer foi quando viram o Mustang Shelby GT500 capotado e ainda em chamas. Os pneus já derretidos, a pintura totalmente corroída pelas chamas e uma jaqueta de couro grudada ao acento do carona. Num monte de caixas de papelão, fumando e olhando o céu viram o que parecia impossível: Mr. Jones e seus inconfundíveis óculos espelhados.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Beatriz

Rue du Chateau, Paris; um restaurante de tom quase familiar abriga um casal que só consegue ver a si mesmo. Pierre Sarton, parisiense e dono do restaurante em questão. Beatriz, brasileira e a mais nova bailarina da Ópera Nacional de Paris. Conheceram-se através da irmã de Sarton, Ana, companheira de classe de Beatriz. Logo se apaixonaram perdidamente; ele não perdia uma única apresentação, sempre sentando na terceira fileira da coluna central, e acompanhou de perto a ascensão dela até tornar-se uma estrela respeitada e admirada.

Aquela seria uma noite muito especial, pois ambos tinha grandes noticias para dar. O que não imaginavam é o rumo das suas vidas estavam prestes a mudar. Beatriz não se conteve e disparou:

— Um coreógrafo russo, do Bolshoi, escreveu um solo para mim. Só para mim! É a maior oportunidade da minha carreira, mas... Terei de me mudar para Moscou. O semblante de Pierre foi atirado ao chão; não somente por saber que sua petite fée iria se mudar, mas pelo que isso causava na noticia que ele teria para dar.
— Mon Cher, desculpe avisar as coisas assim, mas é que soube hoje, não tive nem como me preparar para isso, quem dirá preparar você. Ela amava aquele jeito francês de tentar falar em português, mas quando brigavam cada um gritava em sua própria língua mãe.
— Que maravilhoso isso querida, o sorriso amarelado no rosto dele era evidente. Quando e quanto tempo terás de ficar lá?
— Seria... Definitivo de certo modo. O tempo de preparação e ensaios e as temporadas que fossem acontecer lá. Oh! Mon amour não fica assim, me perdoa colocar as coisas assim desse jeito.

Pierre sempre foi um homem muito bem sucedido e grande parte desse sucesso se devia ao fato dele saber resolver qualquer tipo de adversidade em segundos. E foi o que fez, mesmo sem perceber.

— Na verdade meu amor, começou do meio de uma leve risada, isso é completamente pertinente ao o que eu iria dizer.
— Pierre eu te conheço pode me falar a verdade.
— É a verdade. Eu recebi a proposta de abrir mais uma franquia, mas ainda não tinha lugar para escolher. Acho que vai ser moscou.

Os dois se abraçaram com carinho. Pierre sentindo como seria seu futuro agora e Beatriz ligeiramente desconfiada.

Uma das exigências de Beatriz foi que Ana fizesse parte do elenco, o que foi prontamente aceito. Os três partiram para Moscou e uma nova etapa da de suas vidas começou. Pierre abriu uma filial de seu restaurante sob o nome Saveur Parisienne. Beatriz e Ana passavam os dias ensaiando, horas a fio sem nenhum descanso; Sarton aprendi a lidar com os distribuidores russos e com o ligeiro mau humor que eles lhe provocavam. Os dias se arrastavam de uma forma maçante, pesada e chata para Sarton, enquanto para Beatriz eles eram a contagem regressiva para sua realização. Na Rússia eles viviam em mundos diferentes.

As brigas tornaram-se cada vez mais freqüentes. O respeito e o pudor foram lentamente cedendo lugar à crueldade e ao orgulho. Uma semana antes da apresentação A briga aconteceu.

— Você não entende? Não vê?
— O que eu vejo é minha mulher cada vez mais longe de mim!
— É sempre assim: minha mulher, meus restaurantes, meus carros! Eu não lhe pertenço Pierre!
— Você diz isso agora que tem pra quem se aparecer, mas quando não havia uma única companhia te querendo você sempre necessitava de mim. Você precisou dos meus contatos pra crescer.
— Eu fiz o que fiz pelo meu talento, EU NÃO PRECISO DE VOCÊ!

Os olhos de Pierre se fixaram na porta depois que Beatriz a bateu com toda força que poderia ter nos braços. E ele confessou ao quarto vazio: “eu preciso de você Beatriz”.


Continua...