segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Indizíveis a Olho Nu

Somos todos desterrados, destelhados, vivendo dias lúgubres longe da nossa pátria.
Temos braços cansados, mãos nodosas da luta para conquistar uma terra que não é nossa.
Olhos cansados de noites (mortas) vividas em claro, em busca de tesouros flácidos e frágeis.

E o que somos nós? Estrangeiros numa terra que foi alimentada por nosso sangue?

Somos todos os bastardos preferidos de uma pátria-mãe que não nos mira os olhos.
Meio-irmãos de uma família que não ama nosso sangue, e sim, nossa força.
Jogados no canto da mesa ou gentilmente convidados a nos alimentar num cômodo escuro.

E o que somos nós? Indigentes, nômades, expatriados, errantes? Talvez não exista palavra única para falar sobre nós.

Perdemos mães, filhos, pais e irmãos; porém mais do que isso: perdemos idioma, cultura e fé.

Nosso peito foi rasgado por uma baioneta envenenada e um disparo cruel explodiu nosso coração.

Nossas lágrimas lavam o chão sujo da corrupção alheia e nosso grito de socorro é escutado por ninguém.

E eu me pergunto: quem somos nós? Quem somos nós? Quem somos nós...

domingo, 23 de janeiro de 2011

Santa Clara

É verdade... Isso tudo que você me diz soa como uma forma irônica de me amar. Eu vou caminhando por essas ruas já escuras e geladas; fico tentando encontrar um nexo nesse bolo de palavras confusas que você sempre diz: “liberdade”; “futuro”; “paz”. Isso tudo significa algo de verdade?
Se eu desse quarenta dias pra sonhar comigo, pra sonhar sobre nós, seriam essas as palavras chave? Qual é, sei bem que você pensa que sou eu o cara quem vai te resgatar desse turbilhão chamado vida. Mas eu não ligo se você vai me confundir com algum príncipe encantado num cavalo branco. Não ligo se você prometer que ficaremos juntos no verão se depois eu pude aproveitar o inverno do jeito que bem entender.
Quando eu digo “oi” você faz aquela cara de quem não gosta, mas quando fico perseguindo seu olhar no meio da multidão você sorri e fica corada. Vai ser nosso segredo, não conto pra ninguém que você é doidinha por mim. Só peço que tenha cuidado, pois quando eu disser “bie bie” vai ser de vez, pra sempre.
Mas o que eu posso dizer de você? Com todo certeza hoje eu sei: você é minha Santa Clara, que clareou tudo que parecia embaçado. Se eu te contar um segredo, promete não contar pra ninguém?

sábado, 8 de janeiro de 2011

O Sonho Acabou

É assim que te deixo: com lágrimas nos olhos e um pesar no coração.
Deixo-te para que seja a lembrança de um tempo bom que vivi;
Muitos te conheceram, mas já não saberão de mim por você.

O peso que trago agora nas mãos, é aquele das ultimas palavras,
As ultimas que serei capaz de escrever e mostrar ao mundo.
Deixo-te como alguém que tem de amputar um membro.

Ficarão as boas lembranças de boas risadas, lágrimas de alegria e o amor,
Amor que nos inspirou há passar tanto tempo juntos,
Mas tenho que te deixar, pois já é tarde demais.

Fostes dos presentes aquele que eu mais queria,
E por longas noites era minha única companhia.
Deixo-te como uma caneca sobre a mesa, que já esteve cheia, mas agora esta vazia.

Mr. Jones e Seus Inconfundíveis Óculos Espelhados

Essa é uma história verdadeira. Aconteceu com um amigo de um amigo meu; é a história de Mr. Jones e seus inconfundíveis óculos espelhados. Quando o Mustang Shelby GT500 despontava no começo da rua, toda molecada corria pra ver. O carro negro entrecortado por duas faixas brancas tinha uma imponência sem fim. Todos sabiam quem desceria do carro quando ele parava na garagem do número 183, pois somente um homem era capaz de pilotar uma maquina daquelas: Mr. Jones!

Ele era uma figura emblemática. Parecia que tinha saído de algum filmes dos anos 60. Jaqueta de curo negro; cabelos perfeitamente penteados e nitidamente banhados de gel; calças jeans tão surradas quanto algum adversário de Mohamed Ali; sapatos escuros muito bem engraxados e eles: os inconfundíveis óculos espalhados. Reza a lenda que ele os teria recebido do próprio General Douglas MacArthur, mas isso é só uma fofoca. Por baixo da jaqueta a mesma regata branca e sobre o peito a corrente que segurava um pingente na forma de “E”. Dizem que era de Eleanor, sua falecida mãe; outros diziam que era de Ester, seu primeiro amor que nunca esqueceu e a história mais absurda era de que o tão misterioso “E” era de Emily, uma filha ilegítima que ele teria num estado do sul. A única coisa que se podia ter certeza era que representava uma mulher, porque ele tinha um dom infinito com elas. Não importava quem, quando e onde ele sempre conseguia conquistar.

Píer 23, dez horas da noite. B. Joe marcava suas corridas no porto porque era onde podia ter a maior discrição e os melhores percursos. Quatro pilotos, dez mil em dinheiro e a vaga de piloto vitalício de B. Joe. Lá estava o GT500 e encostado na traseira Mr. Jones e seus inconfundíveis óculos espelhados (usava-os mesmo a noite e não diminuíam em nada suas habilidades). O trajeto era esse: do píer 23 até o píer um, do outro lado do porto, fazendo todo o caminho pela sinuosa parte sul do porto até o píer oito, virando abruptamente para a esquerda até o final. Essa era conhecida como a curva da decisão; quem a cruzava primeiro não perdia a corrida, mais superstição do que lógica.

O ronco dos motores e o cheiro de borracha queimada infestaram o lugar; os carros partiram como flechas deixando para trás fumaça e marcas de pneu no chão. Logo se percebeu que a corrida ficaria entre Mr. Jones e o piloto do carro verde (um camaro qualquer). Os dois pilotavam com dois gladiadores romanos; velocidade, força e destreza. A agressividade dos dois estava nítida com as caixas e barris que eram ignorados quando eles passavam voando baixo.

O trecho antes da curva do píer oito era uma reta perfeita; os dois levaram os carros à máxima potência. Mr. Jones tinha uma ligeira vantagem, centímetros, mas tinha certeza que sua entrada na curva da decisão seria triunfal! Mas o que ele não esperava era o caminhão tanque que estava saindo do píer oito bem na hora. Foram os três segundos mais longos que ele já viveu. Lembrou da primeira vez que dirigiu um carro, o barulho do motor, a sensação ao tocar o couro do volante, lembrou-se do seu primeiro racha e sua primeira vitória; lembrou do pingente em forma de “E” que balançava no seu peito enquanto ele puxava o freio de mão para entrar na curva. De longe só se pode ouvir a explosão e ver a coluna de fumaça que se ergueu muitos metros, como uma mão negra de morte que quer tocar o céu. Os dois corredores mais lentos estavam a salvo; um jogou o carro pra dentro do píer nove e o outro pra dentro de um monte de lixo. Os mais rápidos não se viam.

Fogo, muito fogo, a certeza que ninguém poderia sair vivo dali. Depois que as chamas cessaram não havia duvidas: o camaro acertou em cheio a lateral do caminhão; o carro antes verde agora era apenas um punhado de ferro banho de cinza e o piloto... O que ninguém quis crer foi quando viram o Mustang Shelby GT500 capotado e ainda em chamas. Os pneus já derretidos, a pintura totalmente corroída pelas chamas e uma jaqueta de couro grudada ao acento do carona. Num monte de caixas de papelão, fumando e olhando o céu viram o que parecia impossível: Mr. Jones e seus inconfundíveis óculos espelhados.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Beatriz

Rue du Chateau, Paris; um restaurante de tom quase familiar abriga um casal que só consegue ver a si mesmo. Pierre Sarton, parisiense e dono do restaurante em questão. Beatriz, brasileira e a mais nova bailarina da Ópera Nacional de Paris. Conheceram-se através da irmã de Sarton, Ana, companheira de classe de Beatriz. Logo se apaixonaram perdidamente; ele não perdia uma única apresentação, sempre sentando na terceira fileira da coluna central, e acompanhou de perto a ascensão dela até tornar-se uma estrela respeitada e admirada.

Aquela seria uma noite muito especial, pois ambos tinha grandes noticias para dar. O que não imaginavam é o rumo das suas vidas estavam prestes a mudar. Beatriz não se conteve e disparou:

— Um coreógrafo russo, do Bolshoi, escreveu um solo para mim. Só para mim! É a maior oportunidade da minha carreira, mas... Terei de me mudar para Moscou. O semblante de Pierre foi atirado ao chão; não somente por saber que sua petite fée iria se mudar, mas pelo que isso causava na noticia que ele teria para dar.
— Mon Cher, desculpe avisar as coisas assim, mas é que soube hoje, não tive nem como me preparar para isso, quem dirá preparar você. Ela amava aquele jeito francês de tentar falar em português, mas quando brigavam cada um gritava em sua própria língua mãe.
— Que maravilhoso isso querida, o sorriso amarelado no rosto dele era evidente. Quando e quanto tempo terás de ficar lá?
— Seria... Definitivo de certo modo. O tempo de preparação e ensaios e as temporadas que fossem acontecer lá. Oh! Mon amour não fica assim, me perdoa colocar as coisas assim desse jeito.

Pierre sempre foi um homem muito bem sucedido e grande parte desse sucesso se devia ao fato dele saber resolver qualquer tipo de adversidade em segundos. E foi o que fez, mesmo sem perceber.

— Na verdade meu amor, começou do meio de uma leve risada, isso é completamente pertinente ao o que eu iria dizer.
— Pierre eu te conheço pode me falar a verdade.
— É a verdade. Eu recebi a proposta de abrir mais uma franquia, mas ainda não tinha lugar para escolher. Acho que vai ser moscou.

Os dois se abraçaram com carinho. Pierre sentindo como seria seu futuro agora e Beatriz ligeiramente desconfiada.

Uma das exigências de Beatriz foi que Ana fizesse parte do elenco, o que foi prontamente aceito. Os três partiram para Moscou e uma nova etapa da de suas vidas começou. Pierre abriu uma filial de seu restaurante sob o nome Saveur Parisienne. Beatriz e Ana passavam os dias ensaiando, horas a fio sem nenhum descanso; Sarton aprendi a lidar com os distribuidores russos e com o ligeiro mau humor que eles lhe provocavam. Os dias se arrastavam de uma forma maçante, pesada e chata para Sarton, enquanto para Beatriz eles eram a contagem regressiva para sua realização. Na Rússia eles viviam em mundos diferentes.

As brigas tornaram-se cada vez mais freqüentes. O respeito e o pudor foram lentamente cedendo lugar à crueldade e ao orgulho. Uma semana antes da apresentação A briga aconteceu.

— Você não entende? Não vê?
— O que eu vejo é minha mulher cada vez mais longe de mim!
— É sempre assim: minha mulher, meus restaurantes, meus carros! Eu não lhe pertenço Pierre!
— Você diz isso agora que tem pra quem se aparecer, mas quando não havia uma única companhia te querendo você sempre necessitava de mim. Você precisou dos meus contatos pra crescer.
— Eu fiz o que fiz pelo meu talento, EU NÃO PRECISO DE VOCÊ!

Os olhos de Pierre se fixaram na porta depois que Beatriz a bateu com toda força que poderia ter nos braços. E ele confessou ao quarto vazio: “eu preciso de você Beatriz”.


Continua...