sexta-feira, 29 de abril de 2011

Pétala Negra

Só temo que sua poesia te mate. Que cada verso seja como a ultima nota de um réquiem incompleto. Queira, o bom Padre Eterno, que não seja eu diante de uma cova que escreva o ultimo compasso.

Pena que mentir para si é como tentar se fazer cócegas. Por mais que se concentre, seu corpo sempre sabe que são cócegas totalmente previsíveis; por mais que eu tente, sempre vou saber que é uma mentira. Minha e para mim, mas ainda uma mentira.

Parece que a todo tempo a morte (o lado ruim dela) coloca a ponta de seu dedo podre em cada pitada de beleza da sua poesia. É uma marca, uma assinatura de uma co-autora sinistra e indesejada.

Disparo contra ela rajadas de palavras, mesmo sabendo que elas não fazem efeito. Como se você criasse uma barreira para mantê-la ai, ao seu lado. Num olhar cínico e sagaz ela me fita longamente, como quem tem a segurança de que nunca vai morrer. Me olha como quem diz: “ hoje estou aqui... Amanhã posso estar do seu lado.”

E mesmo que em cada botão de rosa nasça uma pétala negra, continuarei amando esse jardim que me fez ver que a mais linda flor ainda respira num local seguro. Como nunca disse Ernesto: “vocês podem para uma ou duas flores, mas nunca irão deter minha querida primavera”.

Torrentes

Caveiras aladas saem de seus ombros e voam para os seus seios. Você sorri.
Uma gueixa dissimula um olhar de sedução ao seu lado. Quem sorri sou eu.
O que sobe por suas pernas não posso descrever com palavras puras. Nós sorrimos.
Não há inspiração que resista a boa e velha madrugada criativa. Ninguém sorri.

Tez alva e sorriso limpo como de uma jovem criança que acaba de nascer.
Voz forte a melodiosa como uma mulher que luta e sabe por que luta.
O que desce por sua garganta é o que a criança não pode provar.
O que sobe por suas pernas é o que a mulher em ti domina e comanda.

Lábios rosados e olhos castanhos. Quem me prendeu nessas correntes?
Caras e bocas em idas e vindas. Os grilhões caem e sigo em direção ao rio.
Não me atiro em calmaria ou paz, me atiro nos braços de torrentes.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Fio Rebelde e o Dado Caolho

Sento numa praça de alimentação lotada, pessoas falam sobre tantos assuntos quanto meus ouvidos são capazes de distinguir. Existe um ligeiro clima de tensão nas pessoas que esperam. Não sei dizer o que se passa com elas ou em que realidade elas se encontram, mas de algum modo me sinto ligado a elas.

Sinto que de algum modo o pequeno menino que subia barrancos, que fui, esta ligado a doutores e senhoras que se sentam ao meu redor. Cada passo dado, cada página lida, tudo, nada mais era do que uma preparação para esse momento. Mas que momento é esse? Nada de especial vai acontecer; não irei conhecer a mulher de minha vida, mas era ali que deveria estar. Não me importo com nenhuma pessoa ao meu redor. Se um desses corpos cair inerte e sem vida, não vou chorar. Porém cada célula do meu corpo é parte, da mesma natureza, da célula do corpo de cada um aqui.

De algum modo O Tecelão Eterno fez com que nossas tramas se unissem naquela hora, formando um tecido chamado momento. E por mais que eu seja um fio totalmente dispare dos demais (e não que eles sejam, também, semelhantes entre si) é como se não houvesse modo de me separar deles. Estamos ligados. E isso me prende ao chão, a terra, a realidade: eu e eles somos as várias faces de um mesmo dado. Somos a mesma coisa e também.

Mas se me movo para longe disso. Se me condeno a ser um fio rebelde que se desarraiga do momento, me sinto subir. Sinto como se a brisa me levasse para as alturas. Não estou mais sentado numa mesa preso a milhares de pessoas que não conheço. Tenho nada e ninguém. Os vejo de cima. São pessoas, histórias e contextos totalmente alheios a mim. Nada me toca, nada me quer.

Sou uma carta fora do baralho; sou uma face do dado que se desprendeu e ganhou vida própria. A folha travessa se entrega ao vento e vai, mas o vento não deseja, só carrega. Me sinto só. Não a solidão do abandono, do esquecimento, mas a solidão do estar só por opção. Não tenho nada, nem dramas, nem dores, nem cores. Sou um prisma de luz que nenhum olho pode ver.

Um dia fui crente no outro frio; já fui negro e amarelo; estive longe e perto. E quanto tudo isso se perde? E quando a dualidade é tão dúbia que não há como saber onde se quer ficar? Quando não se tem nem peso nem medida. Para onde se vai?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Furacão

Um dia um furacão passou assim
Rasgou meu peito como se eu fosse feito de papel
Dilatou minhas pupilas, e deixou um buraco oco em mim
Mas sempre me resgatava como um anjo Rafael

É lembrado no copo de cevada processada, não pelo gosto
Mas pelo amor que fazia, e faz, e fará, nascer em cada palavra
É lembrado por encarnar sempre a responsabilidade pelo lado oposto
Rasgava nosso peito com seu amor, como quem rasga a terra que lavra

Vai furacão! Destrua e ame quantas terras for preciso
Construa, reconstrua; escreva e reescreva mil e uma vidas em mil e uma mesas de bar
Mas não esqueça que para muitos você é o dente siso
E pra tantas outras é o ultimo gole de ar

Lembra da fenda na terra que você abriu do Campeche aos Ingleses?
Nós colhemos a semente de suas palavras e as plantamos nela
Dela brotou felicidade, saudade e milhões de prazeres, às vezes
E sempre que anoitece e olhamos o mar, vemos seu rosto, furacão, pela janela.

Um Dia Desses

É triste ir passando pelas ruas
Olhando de janela em janela
E ir vendo um povo que se dá
Só de quando em vez

Ama um cadinho aqui outro acolá e depois some
Faz uma jura de amor a cada ciclo do olho branco no céu
E sempre nega que tá caidinho de amor
Pela mulata que passa a balançar

Olha essa flor, olha esse mar, olha essa morena
Olha pra ela e diz: “assim morena, eu posso até me acostumar;
Com esse chamego todo eu me acostumo, mal, mas me acostumo”.

Deixa de ser João-de-barro viúvo sai dessa toca e fala praquela passarinha de coxa grossa:
“vem comigo voar pro meu sertão e você vai ver queda d água; calango, pé de palma e mansão de pau-a-pique.”

E depois disso você vai ver o que é bom
Sair de fininho à noite pra ver estrelas; ir pro cinema de mãos dada;
Beijar na chuva e sorrir toda vez que ver aquele sorriso frutacor.