sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Nina

Cinema, a sétima arte tão bela quanto todas as outras. Essa arte que nos revelou tantos homens e mulheres talentosos; fez-nos ver que “o vento levou amores possíveis da mão que balança o berço, a mão do poderoso chefão que mora numa casa blanca”. Cinema, essa sala mágica de tela grande e som poderoso, alguns vão até lá para namorar, outros para dormir, uns para assistir, mas eu fui para observar. Não tinha certeza se era anjo, fada, menina ou uma mistura tão divina quanto tudo isso pode ser.

Comer é um dos maiores prazeres da vida, alimenta o corpo e dá força; rezar é a mesma coisa, mas faz isso com o espírito o deixa forte e pronto para encarar qualquer parada. Amar... Não é preciso dizer muito, é isso que ilumina nossas vidas que faz dos dias cenas coloridas, nos faz desejar um sorriso, um olhar. Eu tinha tudo isso, bem na cadeira oito ao meu lado.

A luz tênue da sala releva seus contornos. Sei bem que ela não estava muito a vontade, seus braços cruzados só se mexiam quando o nervosismo ruía as unhas ou para arrumar, o já tão arrumado, lenço de onça (que eu não sabia, mas que viria a conhecê-lo muito bem). Seu rosto revelou-se fascinante: o nariz levemente empinado, os lábios rosados, a pele macia e aqueles olhos que pareciam iluminar tudo o mundo, olhos que fingiam não me ver olhar. Ela ficava sem jeito, jogava o cabelo e falava de outras coisas para me distrair; mas não tinha como eu precisava decorar aquela imagem. Como era bela quando sorria envergonhada e olhava para mim. A vaidosa passava creme nas mãos, e eu sendo oportunista pedi nas minhas também. Como foi bom sentir suas mãos tocarem as minhas, eram delicadas e firmes, queria que elas estivessem aqui agora. Restou o cheiro do seu creme em minhas mãos, que se mistura ao meu teclado, ao meu violão, ao meu jeito de ser. Esse cheiro se misturou com meu olhar, com meu modo de ver você.

Num momento percebi que seus olhos estavam marejados. Não eram lágrimas de alegria e isso me cortava levemente o coração. Confesso que naquele momento vi se manifestar uma beleza tênue, melancólica e encantadora. Com certo bom humor tentei conversar.

“Porque você quer chorar?”

“Não é nada.”

“Lembra aquela vez que te disse que um dia todos nós seriamos felizes, Independente do foi, do que é, ou do que será? Nós seremos todos felizes.”

“É, mas às vezes demora.”

“Talvez você já esteja feliz.”

A cena do filme era pra ser linda: um barco, uma paixão e uma ilha só para os dois, mas a mocinha temeu. Nossa cena seria ainda mais bela, seria quase uma citação: “eu, você, nós dois aqui nesse banquinho a beira mar.” Queria ver aquele mesmo rosto sendo iluminado pelo sol que nasce, acompanhado de acordes dissonantes e melodias suaves. Tive que me denunciar.

“Eu não tenho um barco, mas poderíamos passar uns momentos juntos.”

Ela sorriu, de novo, e isso foi me encantando cada vez mais.

Faz dezoito dias que escrevi esse texto, e acredito que descobri o que é apostar. Voltei pra casa leve, com essas palavras nascendo em mim como se eu fosse fonte. Eu sorria para o nada pensando em você. Quem sabe enquanto escrevo você esteja pensando ou falando de mim (que pretensão), mas e agora? No fim das contas percebo que desejo sua felicidade, que você prossiga vencendo e seja realizada. Se eu fosse músico te fazia uma canção, mas me restou ser um humilde artesão de palavras por isso te escrevi. Fiz de tudo para que não fosse bonito e sim lindo, mas isso quem decide é você. Felicidades.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Poema Francês

Eu me esqueci um pouco
Eu me esqueci bastante
Eu esqueci todas as coisas que me diziam que não poderia ficar com você

Eu me esqueci

Esqueci o dinheiro
E agora não posso lhe pagar nem uma flor

Mas o ouro e a prata
Eles não podem pagar o amor

Eu esqueci a caneca sobre a mesa
E meu café esfriou
Mas minhas mãos
E meu coração
São quentes

Ainda

Eu me esqueci de afinar o violão
Mas eu sei que a canção pode ser escutada
Sempre que alguém
Colocar os ouvidos na areia

Eu me esqueci
Como se escreve
Sempre haverá uma palavra
Para dizer o que precisa ser dito

Só não esqueci do Amor
Pois lembrei de Você

domingo, 24 de outubro de 2010

Alta Madrugada

Com certeza é a voz mais doce e bela que se pode ouvir. Lembro da primeira vez que a ouvi, foi algo simples, talvez tão simples quanto um “oi”. Mas veio o tempo e fez aquilo que faz de melhor: transformou as coisas mágicas em normais, e as normais em banais, e as banais em obsoletas.

Aquela voz tão viva foi aos poucos desaparecendo no meio de tantos sons. Eram máquinas e carros; gritos de olé, gritos de protesto; sabores novos e velhos desgostos; novas formas sem nenhum conteúdo. “Você viu o acidente?”; “ela não quer falar com você”; “você é meu amor”; “faz biquinho”; “ê tem som de í e ú tem som de ê”. Não sei como e nem onde, mas todos esses sons se misturaram e eu perdia aquela voz.

Então eu corri, passei por tantos lugares pra ver se podia pelo menos encontrar um eco dessa voz de amor, a voz do próprio Amor. Esqueci a diferença entre o dia e a noite e os limites eram tão tênues que... Acredito que ultrapassei todos. E onde estava minha voz? Que melodia ela cantava enquanto eu ria sem ver graça? Estava lá sussurrando pra eu olhar pra trás.

Encontrei essa voz onde menos esperava: numa conversa no sofá; num bate papo no bosque e num sorriso de mulher. Hoje mesmo a ouvi e percebi que há vida quando ouço o amor falar. Chama meu nome e me acalma. Talvez eu venha a me distrair de novo e quem sabe deixar uma ou duas palavras passarem, mas quero que essa voz soe de dentro pra fora. E quando estiver no sofá poderei de entender e respeitar; quando estivermos no bosque saberei te ajudar e ouvir. E quando contemplar o Sorriso, não irei me inquietar, vou descansar e ouvir sua voz dizer que me ama.

Agora eu vou correndo em direção a ela todos os instantes. Com busão cheio ou não, eu posso ouvir; sozinho em casa ou no meio da multidão, eu posso ouvir; em palavras lidas, escritas ou faladas, eu posso ouvir. Eu vou me abraçar com essa voz e guardá-la fundo no peito pra quando o amor vacilar eu ajudá-lo a levantar; quando as duvidas se colocarem (da maneira certa ou não) saberei responder. E é assim: eu vou.

sábado, 23 de outubro de 2010

Soneto Inspirado

Quem é você, que carrega um “quê” de melancolia, mas mesmo assim me encanta?
De onde vem esse cheiro de morango que faz sentir saudade e aperta o coração?
O que é isso que me deixa sem jeito, com sorriso estreito e ao mesmo tempo me espanta?
Pra onde vai esse caminho oculto, por hora de incertezas, que eleva minha canção?

Sobrou a duna, os textos, as cifras o violão jogado e o sorriso largo.
Falta saber dos medos e das risadas, dos acertos e das aspirações.
Tem ainda um restinho de vinho tinto da noite passada, se você quiser eu trago.
Os filmes pensantes e românticos ainda vão abrir caminhos para muitas emoções.

E nessa hora que parece que você pensa em mim, eu escrevo pra você
Mas pode um poema ser distante, não romântico e imparcial?
Acho que não, mas não sou eu quem define o final.

Tem dias que é complicado rimar, quem vai nos aquecer?
Se um dia me perguntarem quem me inspirou a escrever
Vou esconder seu nome, mas não vou te esquecer.

Gêmeos do Mal

Heróis e vilões, todos convivem com isso desde muito pequenos, nos desenhos, nas brincadeiras e nas cantigas de roda. Não dá pra negar que pelo menos uma vez o vilão chamou bem mais atenção que o mocinho; cá entre nós o mocinho é sempre o mocinho: dócil, amável, respeitador, honrado e corajoso. Não pode e nem quer fugir muito disso. Já os malvados eles são tão versáteis quanto versáteis podem ser: às vezes são monstros gosmentos com cores estranhas e poderes esquisitos; outros são doutores megalomaníacos com idéias mirabolantes; já vi alguns que são tristes melancólicos idealistas que querem mudar o mundo (sem contar os loucos extravagantes que querem destruir tudo para governar... nada?).

Mas ela era uma vilã diferente: era alta, corpo esguio, cabelos longos e escuros; olhos tão negros quanto uma noite sem lua, eram olhos que carregavam um ar debochado, superior e displicente; pele clara e sorriso radiante. Quem a visse de longe pensaria logo que ela era a mocinha, a princesa a ser salva, a donzela presa no quarto mais alto, da torre mais alta. Mas quem pensava isso se enganou, e feio.

Certo dia até prenderam ela num lugar, protegida por um dragão feroz e até aquele dia tido como indestrutível, mas ela não ficou ali muito tempo. Enfezou-se de tal maneira que saiu do quarto, matou o dragão, comeu um pouco da carne e ainda usou o couro para fazer uma bolsa linda. Ela serrava o galho das arvores e depois pedia pro mais corajoso escalar, só pra ver o coitado se espatifar no chão. Roubava os ovos dos passarinhos, fritava e cominha bem embaixo da árvore onde ficava o ninho. Colocava tachinha na cadeira da diretora só pra ouvir os gritos de indignação de Dona Sandra.

Mas um dia ela encontrou alguém tão malvado quanto ela. Entre as maldades dele estavam prender a língua de dois gatos com super bonder e um pequeno incêndio na televisão do quarto (o que rendeu um pintura nova para toda a casa por conta da fumaça). Tinha a pele negra, um jeito altivo e ouvidos tão atentos que era capaz de conversar e ainda ouvir duas conversas paralelas. Nunca lhe faltou uma resposta, a ponta de sua língua era uma flecha envenenada.

Quando se viram não foram necessárias palavras, sabiam que ali estava um belo exemplar de maldade. Tornaram-se aliados no mesmo instante, começaram a compartilhar as traquinagens e nas rodas de conversa eram sempre os mais terríveis e temíveis. Um era uma versão melhorada do outro o que lhes rendeu o apelido de Gêmeos do Mal.

O tempo passou e mesmo com os dois brigando às vezes, tornaram-se grandes amigos; aprontaram tanta coisa juntos. De tanto fazerem maldades em algumas situações foram verdadeiros heróis, mas isso eles nunca vão admitir. Ouvi dizer que viajaram pra Itália afim de “arrumar” a torre de Piza; encontrei uma lista na com a letra dos dois:

- Maquiar a Mona Lisa
- Apagar a pira Olímpica
- Furar as bolas da final da copa
- Contar os três segredos da Fátima (Vizinha)
- Colocar pó de mico na batina do Frei Dimas

E algumas outras coisas que não quero nem me lembrar. E assim eles seguiram, sempre perguntando: “travessuras ou travessuras?”

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Há uma mão que não segura a minha, mas que mesmo assim por ela é desejada;
Há um caminho a ser caminhado, seja o amor e uma grande amizade.
Há uma moça que quando a olho diretamente fica desajeitada,
Há um homem que com ela quer fazer um pacto de sinceridade.

Eu tenho alguns livros, verdade e muita vontade de te conhecer bem melhor.
Será que você tem um pouco de sorriso, atenção e palavras para dividir comigo?
Eu tenho fé e amor em alguém que é maior do que nós e pode ser um grande professor.
Será que você tem uma praia, com uns banquinhos de madeira e um violão, pra fazer de mim seu amigo?

Vem comigo eu te pego de surpresa, te escrevo um poema e faço você corar.
Eu vou com você para me levares nos seus lugares, que são bonitos, mas eu ainda não conheço.
E juntos podemos atravessar as madrugadas, com conversas e risadas, ajudando um ao outro a orar.

Vem comigo e eu te mostro um acorde dissonante tão bonito que me fez lembrar você.
Eu vou com você pelas canções que te encantam, te fizeram rir e chorar.
E juntos vamos esquecer as nossas dores e deixá-las pra longe, para nunca mais voltar.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Bientôt

Fechou as cortinas com certa melancolia. Na mochila velha uma muda de roupas, alguns livros com anotações e muita experiência. Observou o velho letreiro que balançava ao vento da lagoa; olhou as dunas quem sabe por uma ultima vez. Deu duas voltas na chave e virou-se, mas deu de cara com ele.

“Você não pode fazer isso.”

“Calma irmãozinho.” Disse com aquele bom e velho sorriso no rosto.

“Calma? Você é louco, como me pede calma tomando uma decisão dessas?”

Sentou na guia e respondeu com uma calma que era comum a ele em todas as conversas.

“Cara vai ficar vivo tudo aquilo que construímos juntos, as lembranças são eternas, elas são cíclicas.”

Ele não percebeu, mas seu interlocutor ferveu de raiva por dentro.

“Lembranças? Elas vão me ajudar a vomitar? Vão beber até ficarem burras e esquecerem-se das conversas da noite?”

“Percebeu? É isso que fica, ficarás bêbado e burro; vai vomitar e vai se esquecer de muita coisa; e quando isso acontecer você vai lembrar-se de mim.”

“E eu vou chorar seu cabeçudo, e sabe o motivo? Foi com você que gastei mais horas conversando (mais horas do que gastei estudando). Quando fiquei interessado naquela menina, foi você que me convenceu que valia a pena investir. O primeiro ‘continue escrevendo’ foi seu.”

O amigo estava inconsolavelmente abatido, não chorava, mas sentia a dor.

“É isso ai man, chegou a hora. E como você mesmo diz: ‘fica o que é verdadeiro’.”

_____________________________________________________________________________

Não consigo entender direito por que meus olhos estão úmidos, faz tão pouco tempo. Nunca te dei nada de valor (talvez algumas cervejas e um jogo de cordas de violão), e sei também que isso não importa muito pra você, mas quero dizer que te dou um pedaço da minha história, um pouco do meu apreço e muito, muito mesmo, da minha admiração. Nesses últimos dias, vamos viver o que você escreveu: “Você vai me ensinar e eu vou te ensinar. Você vai rir de mim e eu vou rir de você.”

Sou grato por muitas coisas, mas talvez a principal delas seja aquela em que você me fez crer. Minhas preces e desejos de boa sorte irão te perseguir aonde você for. Houve, haverá e há-braços.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Mineirinho

O cenário não era dos mais lúdicos e belos: uma casa mofada, vazia e um colchão emprestado. Jogou o corpo cansado sobre o pedaço de espuma e pensou: “e agora José?” Olhava para o teto da casa tentando falar com Deus, mas tudo parecia novo, prazeroso e assustador.

Sentiu-se forte o suficiente, com conhecimento e propostas suficientes para iniciar uma nova fase na sua vida. O interior sempre é lindo, têm sua calma, suas igrejas, seus carnavais de rua; mas olhando toda aquela beleza pura e simples sentiu que estava na hora de voar. Começou a conversar com a mãe do mesmo jeito de sempre, mas ela sentia dentro do seu coração que aquela não seria mais uma conversa comum. Depois de muito falarem, ele disse.

“Mãe eu to indo embora trabalhar.”

“Mas filho aqui você tem tudo, fica, não precisa ir pra tão longe.”

“Eu sei mãe, eu te amo, mas chegou a hora de voar sozinho.”

Lembrou-se da casa bem arrumada, com suas coisas sempre prontas e no lugar, das facilidades e da cama sempre tão acolhedora e confortável. Quando deu por si estava de novo no colchão emprestado, na casa vazia e mofada. E o que você faz quando chega num lugar totalmente estranho e só se tem um sorriso? Você faz amigos. E foi assim que conquistou um coração após o outro. Umas se apaixonaram na hora com o jeitinho de falar diferente, as risadas e o carinho; alguns não gostaram por que ele parecia ser um tanto superior, como se já soubesse de tudo; um outro (que mais tarde viria a tornar-se um irmão) ignorou. A verdade é que nenhum coração conseguia ficar indiferente a existência dele.

As coisas nem sempre são como nos prometem. O lugar é lindo? Sim, mas muito caro para se viver. O emprego é bom? Muito, mas o salário é um pouco menor. Houveram noites de cabeça cheia e barriga vazia. A solidão que leva a lágrimas tão amargas quanto fel foi a única companheira por longos dias. Quando a única coisa que existia para alimentar-se era uma prece ele começava a questionar a proporção da cagada que poderia ter feito saindo de casa, mas uma vez fora, para sempre fora.

Lutou consigo mesmo e contra o mundo. A casa já não estava vazia, agora vivia repleta de amigos e companheiros. Não acreditou quando viu seu espaço invadido por tanta gente num aniversário que era pra ser simples. A noticia correu como um rastilho de pólvora.

“Tem que subir o morro?”

“Qual o numero da casa?”

“Mais salgado, mais salgado!”

Ele sorria e percebeu que já era muito aceito e começa a ser amado.

Via uma nova família nascer ao seu redor. Um pai acolhedor e conselheiro, que o fazia sempre dar o melhor de si; uma mãe forte e dura, com um sorriso que inundava qualquer lugar e situação e tinha até um pequetito, muito inteligente que arrancava boas risadas de todos. E aquele “um” que ignorou, hoje dava e recebia atenção sem igual.

Hoje a casa cresceu mais amigos e mais amores foram conquistados. Ele tem com quem conversar e compartilhar; tem com quem brigar e fazer as pazes; tem com quem lutar lado a lado para que o amor seja real. Tem muitos outros planos e ainda muito céu para voar; dança tão desengonçadamente nas festas, mas sem perder nem um pouco da graça. Descobriu que nas noites que se alimentou somente das preces foi quando melhor comeu; percebeu que a família que se deixa nunca se abandona e mesmo de longe eles existem em outras pessoas.

Não conhece o futuro e saber o dia do amanhã é um desejo de todos, mas não uma necessidade. Ele sabe que o que os seus desejam (até do “um” que o ignorou) é que seja feliz realizado e prospero. Que encontre no amor parte da sua realização e a outra parte fica com a causa. Hoje ele sabe que tem onde pedir socorro, onde caminhar na praia e com quem contar, quase sempre e pra quase tudo. Ele é feliz.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Olhando pra Dentro de Longe

Ser feliz por uma conquista pessoal é tão nobre quanto à própria conquista. Mas ficar feliz por terceiros é um sentimento nobre e maravilhoso de se sentir. Naquela tarde de domingo não havia outra coisa que se sentir; mesmo depois de ver tanta coisa, contar e ouvir tantas histórias ele encantou-se com uma cena que nunca mais iria esquecer.

Cerveja, risada e um pouco de comida, eram os prazeres da vida, aqui da terra, mas seus olhos pertenciam à outra natureza, eram de um lugar distante, belo e eterno. Por isso esses olhos foram sugados para os dois jovens que num simples sofá criavam uma das obras de arte mais lindas da vida. Ele era assim, como é até hoje, simples e nem de longe medíocre. Fazia dos sentimentos imagens, e das imagens palavras tão belas que fizeram os dedos de pedra virar carne e poesia. Ela era uma flor, das mais raras e belas; era mais, podemos dizer que ela era a personificação da própria primavera em todos os seus tons, cheiros e sabores.

Seus olhos nunca mais foram os mesmos, aquela imagem tornou-se um ritornelo de uma verdade: o Amor é real e possível. O rapaz sentado desajeitadamente no braço do sofá carregava seu bom, velho e negro companheiro de seis cordas. Seus dedos percorriam as cordas já gastas formando uma harmonia que era regada de amor e paixão. Estavam um diante do outro, seus olhares se encontravam e o sol lá fora brilhava mais forte, o céu ficou mais azul. O expectador não ouvia a melodia, e talvez não queira descobri-la, mas podia ouvir que as notas eram murmúrios de amor, confissões de que “eu prometo não viver mais sem você” e juras de “se o mundo passar e meu corpo for feito em mil pedaços, meu amor por ti estará guardado numa caixa”. Ficou sabido naquele momento que qualquer pessoa em qualquer tempo que pudesse ver, ou pelo menos saber dessa cena, iria acreditar no amor, pois um amor de verdade inspira outrem.

Nosso querido expectador abaixou a cabeça e guardou a cena para sempre consigo. Voltou de súbito a crer num amor bonito, como dos filmes e tão real e vivo quanto o das ruas. Quanto tempo passou sem viver seus próprios amores? Já não sabia, mas sabia que como ele sabia que podia dar certo iria à busca do seu. Graças a dois, um creu. Algum outro passante meio distraído bateu em seu ombro e perguntou.


“Olha que cena linda. Será que o amor ainda existe?”

A resposta foi simples, como simples é o amor.

“Ainda e sempre.”

Lavar a Louça

Lavar a louça é uma tarefa chata na maioria das vezes, mas quando se faz com prazer é maravilhosa. O que muitas pessoas não entendem é que lavar a louça pode ser uma grande terapia, um momento de profunda meditação e até com um certo humor.

Eram quatro horas da manhã, mas o desejo misturou-se com a responsabilidade e ele foi lavar. Seguiu o mesmo método de sempre: foi esvaziando a pia separando os talheres, os copos, os pratos e as panelas, as malditas panelas. Se lavar a louça fosse uma analogia da vida com toda a certeza as panelas seriam nossos problemas. Grandes, desengonçadas e difíceis de lidar; nesse teatro de água e sabão as panelas de pressão seriam os maiores problemas (aqueles de família ou de coração) que por mais que lutemos e viremos de cabeça para baixo, sempre resta àquela agüinha chata. Os copos seriam o próximo, é até bom “ensaboá-los” por dentro, mas se for sem jeito ou você se machuca, ou eles se quebram.

Depois de tudo devidamente separado e organizado, como deve ser na vida, pôs-se a lavar. Era de certo modo uma alegria para ele, pois podia pensar em tudo e em todos e ainda ajudar na casa, sorria para a parede branca com o desejo de colar nela um recado em letras garrafais: “MENINAS O LUGAR DO RESTO É NO LIXO. NA PIA SÓ A LOUÇA! GRATO”. O “grato” na verdade era só um eufemismo de algumas coisas que não posso colocar aqui. Nosso lavador de pratos, como se intitulou, lembrou da sua nova e feliz situação financeira: Bolsista. Tentou localizar-se na pirâmide social e viu que estava em algum lugar entre os estagiários e os seminaristas, mas era bom poder ajudar. Esqueceu-se de que não teria como almoçar por que seus passes para o restaurante e o dinheiro acabaram numa sincronia quase sinfônica.

Pensou nas crianças e nos fascínio que elas causavam nele. Contar história é um dom (quem sabe ele tinha), mas ser amado pelos pequenos é um dom ainda mais valioso. Ele entendia muito bem que as crianças ou amam, ou não e como queria criar e descobrir histórias que pudessem fazê-las sorrir e cantar. Lembrou-se de todas as delicias (comestíveis ou não) que experimentou no decorrer do dia e de como era fácil ser feliz, é descomplicar. Chocolate, sorvete, frango, café, praia, amigos e o lugar vago ao seu lado no banco de madeira. Onde estaria? Mas tudo isso lhe foi usurpado rapidamente quando se lembrou das três páginas sobre a audição do corajoso herói que desbravou o hades em busca da sua amada.

Quando deu por si a louça havia acabado exceto pela panela de pressão, pois sempre teremos um restinho de problemas; sobrou também um texto que gritava a plenos pulmões que deveria dormir por que amanhã seria um novo dia. Mas a música era tão bela, o dia foi tão bom... Ele adorava lavar a louça, mas ele amava escrever.

domingo, 10 de outubro de 2010

Laila

Dizem alguns sábios que quando menos coisas vocês precisa para ser feliz maior e mais fácil será e virá a sua felicidade. Ela tinha o arco, a cera e a imaginação, do que mais poderia precisar?

Sentou-se na cadeira como se nada mais pudesse existir ao seu redor; colocou o instrumento entre as pernas, curvou levemente a cabeça. Seus cachos misturavam-se levemente com sua mão e com as cordas já afinadas. A luz baixou, a platéia silenciou quando a crina de cavalo devidamente esticada tocou as cordas banhadas a prata, o som era divino. Não houve ouvido ou alma que ficasse alheio aquele som.

Viu-se que o jovem Elliot, estudante do instrumento, observava cada movimento, cada colocação do arco, cada nota, cada movimento. As imagens da possível partitura nasciam na mente dele como um castelo. Senhor Castelmare não pode conter as lágrimas que lhe caiam sobre o rosto. Lembrou-se do dia que caminhou com o sol no rosto, a mão dada, o frio na barriga e o calor no coração, eram lembranças tão boas que aquela melodia trazia. Raquel e Pedro sentiam-se arrepiar, como se cada nota amarrasse o que sentiam um pelo outro.

Nossa musicista desapareceu, não era mais arco, cera e madeira; não era mais osso, tendões e carne; não era mais desejo, pensamento e espírito ela era música. Tornou-se nota, intervalo, acorde; foi feita melodia e ritmo que pulsava no compasso dos corações. Desfez-se diante de todos e passou a fazer parte de todos. Seus cachos eram agora a pauta de toda e qualquer partitura tocada; sua voz se tornou melodia cantada desde as cantigas de rodas, até a mais romântica serenata. Seu coração era agora compasso e ritmo do próprio amor.

Hoje ainda é possível ouvi-la por toda parte. No canto dos pássaros, no riso das crianças, no farfalhar das árvores, no barulho das ondas e na voz de quem ama.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Curriculum Vitae

Algumas meninas realmente dificultam o processo da conquista. Certo dia depois de alguns sonetos e um bom papo, ela me disse: “gostou manda currículo”. Enfezei-me de tal forma com esse ultraje que vai demorar a se repetir, mas como aqueles olhos de mel eram tão doces... Eu fiz.


Nome: Não importa muito, sei que vou ganhar um apelido carinhoso no diminutivo que até vou gostar, mas vou sentir vergonha quando o usares em publico.

Nacionalidade: Onde você estiver.

Idade: Suficiente para te levar pra sair num carro, mas insuficiente para entender algumas loucuras que você comete de 28 em 28 dias.

Estado civil: Fica ao seu critério (literalmente).

Endereço: Seu coração.

Formação: Sou formado em DR I e II, com especialidade em foco de atenção; formação em Passeio no Shopping III e Conversa com a Sogra I; tenho participação em palestras como: “Vencendo a tentação da cunhada bonita”, “Evitando Futebol com Amigos”, ”Conversando com Ela: Antes e Depois”. Especializações em memorização de datas, cortes de cabelo (e tinturas), esmaltes, roupas novas e sapatos. Também com enfoque em: presentes surpresas, cartões para rosas e nossa música ao violão.

Experiência: Até tenho bastante, mas se começar a falar delas você vai ficar brava, e não vai querer que eu ande mais com muita gente.

Objetivo: Sermos felizes juntos seja lá o que isso signifique. E se possível for sobreviver ao processo.

Informações Adicionais: Sou alérgico a pipoca de micro-ondas e não vou assistir “Lipstick Jungle” com você (muito menos “Good Wife”). Preciso que não assistas o futebol comigo pela manutenção da nossa relação.


Agora tá feito, vou enviar e quero ver a resposta. Que audácia dela.

A Dama e o Leão

Naquele dia ela chorou lágrimas simples e quase tão tímidas quanto eu fiquei na hora. Seu olhar distante perdido em números que não interessavam muito a ela, já faz um tempo, mas eu consigo me lembrar bem da cena. O moletom cinza de capuz jogado, o guarda-chuva emprestado apoiado no braço e uma tristeza que rasgava o coração. Os olhos levemente inchados, mas ainda belos, não eram de alguém que acabava de acordar, mas sim de quem chora. Quando vemos alguém com olhar perdido nos perguntamos: “para onde essa pessoa tá olhando?”; eles sempre olham pra dentro, para as memórias. Eu não sei ao certo como foi a briga, mas as mulheres exageram e sabe por que? Porque elas amam, não era diferente com ela.

A devoção que ela tinha com aquele leãozinho era de se admirar. Viajei muito pelo mundo, conheci vários circos ( e até mesmo as savanas africanas), mas nunca vi um leão tão bem cuidado. Juba negra esvoaçante, força e garra para “correr atrás”, porém esses méritos não são dele e sim todos dela. Com mãos de anjo prepara alimento, quando ele vem visitar, com cabelos de seda permite que os seque, com voz de pássaro conversa sempre com ele de longe.

Hoje ela chorou lágrimas tão alegres quanto eu estou. Vestida de branco como uma rainha, dominando todo ambiente com sua beleza, ela brilha. A estrela da nossa noite chora sem perder uma virgula da sua classe e da sua doçura. Ao seu lado o mesmo leão imponente e orgulhoso de ter a mais linda dama consigo. O vestido é perfeito, a noite esta linda, o homem eleito para acompanhá-la por toda a vida segura sua mão. Depois de tudo feito, ainda com algumas lágrimas que testam a maquiagem a prova d´água, no seu anelar esquerdo repousa o simbolo de uma vitória, não só sobre si mesma e todas as dificuldades, mas também uma vitória do amor. É também um simbolo, sem inicio nem fim, de uma nova etapa que começa para a eternidade.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Uma Breve História

Ele secou com o calor infernal que o cercava por todos os lados
A sua casca outrora protetora jazia despedaçada no chão
Sua pele já não o cobria mais, não era mais belo como nos quadros
Sua carne de tão fraca podia ser partida até por uma frágil mão

Ela secou tiraram-lhe todos os líquidos e fluidos não era bela
Sua pele outrora sedosa e macia agora era como de uma velha
Na sua sequidão sua presença não era querida em nenhuma tela
E a beleza que possuiu um dia era agora a feiúra que ninguém se espelha

E os dois secos agora são jogados entre coisas que não são de sua natureza
Ele e ela perdidos em meio a lugares onde não há certeza
Mas o que isso tudo significa para mim?

Um belo e forte outra linda e delicada será o fim?
Isso me dói o peito e minha alma amassa
Sempre que penso na história do amendoim com a uva passa.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

De: Vinicius Para: Vinicius

Olá meu poeta,

A vida é feita de encontro; embora haja tanto desencontro pela vida. Essas suas palavras me colocam a pensar: que encontros existem nessa vida? Se for pra falar de arte temos o seu encontro com Tom e João, naquela noite de agosto de 62, noite em que o mundo se encontrou com a Garota mais famosa que existe. O que dizer então do maravilhoso encontro de Garrincha e Pelé, que juntos nunca viram o Brasil perder? O encontro de Niemeyer com o planalto deserto que fez nascer Brasília; ou o encontro de todo brasileiro quando acorda e vê “um povo que canta e que é feliz, feliz!”. O que seria de nós se o Badeco não tivesse se encontrado com o violão? E se Chico não tivesse se encontrado com as palavras? Pobre de nós. É meu poeta a vida realmente é cheia de encontros, mas tem um em especial.

“Existe uma menina dentro de mim que acredita no amor e um menino em você que acredita no poder da poesia, pensa comigo: como seria o encontro do amor com a poesia?” É meu Vininha, foi isso que ela falou, e como eu fiquei? A sorrir e sorrir,e depois fiquei a pensar e a sorrir, e depois a escrever, pois foi o único modo que encontrei de expressar esse encontro tão maravilhoso.

Se você olhar bem você consegue vê-los ainda hoje. Lá vinha ela aquela menina sapeca, com seu vestidinho rosa, seu chinelo de dedo e um sorriso lindo no rosto; ela trazia consigo, dentro do coração, o maior tesouro da humanidade: o amor. Do lado de lá vinha ele com seu jeito leve e suave de caminhar, sempre trazia nas mãos um caderno que guardava a mais sublime das artes: a poesia. Os dois vinham caminhando, cada qual distraído com seus próprios assuntos. A menina e o amor pensavam em como iriam fazer para que o mundo ainda acreditasse nele; o garoto e a poesia procuravam a palavra certa que expressasse toda a beleza que possa estar contida em um único olhar. A praia estava calma, como sempre, seu mar parecia uma lagoinha; a velha ancora encostada na arvore e os banquinhos de madeira virados diretamente para o mar. Só um deles estava desocupado, a menina sentou e ficou observando aquela beleza infinita, o menino chegou depois, e como o único lugar vago era ao lado dela não se importou em sentar.

Os dois estavam ali, quase alheios a presença um do outro, o menino escrevia e a menina a contemplava o mar. Num momento de distração o pequeno caderno caiu no chão espalhando toda a poesia, nossa pequena foi solidária e inclinou-se para ajudar, mas seu coração estava tão cheio que derramou todo o amor em cima da poesia, e ai poetinha as coisas aconteceram. Não dá pra explicar bem o resultado desse encontro, mas eu sei o que eu vi.
Luz, foi a primeira reação. Ela era tão bela, tão suave, aquecia. Quando ela se foi não pude crer no que meus olhos viram. As coisas já não eram mais como eu as conheci: O céu era de um azul tão intenso que mal pude acreditar, as aves que nele voavam tinham penas tão brancas quanto a mais pura neve. A brisa que soprava trazia consigo o cheiro suave dos bolos que esfriavam nas janelas, todas elas abertas pois não havia medo algum. As grades que antes “protegiam” agora divertiam, pois se transformaram em pequenos parques onde as crianças riam durante todo o dia, o riso delas era quase mágico. As ruas eram ladrilhadas com pedras preciosas, como nas cantigas de roda e todos os postes eram forrados com poesias e declarações de amor. Nos coretos o pessoal antigo cantava marchinhas de carnaval, independente do mês, e todos dançavam na mais pura folia. Os namorados subiam nas arvores e roubavam frutos para se presentearem, faziam serenatas e os piqueniques eram repletos de olhares e caricias. Os mais fogosos amavam-se nos bosques de onde só se ouviam os suspiros e o farfalhar das folhas.

No meio dessa festa toda eu a vi. Era tão linda, seus cabelos negros caídos sobre os ombros cheiravam ao campo, e sua fronte era enfeitada com um diadema de flores. Sabia-se que sua pele era macia só de vê-la ao longe, ela sorriu para mim. Eu desejei abraçá-la e conhecer tudo sobre ela, desejei tanto ver o sol nascer ao lado dela, mas ela disse que não podia ficar se não eu iria me apaixonar. Que tola, disse que já estava apaixonado (era mentira, mas contei só pra ver se ela ficava).

É meu poeta, não sei se sonhei ou se aconteceu, mas percebi que a menina e o menino, o amor e a poesia, um era a resposta do outro. Como fazer o mundo ainda acreditar no amor? Com a poesia. E me diz meu amigo: qual palavra expressa toda beleza que pode se conter num olhar? Mande um abraço pra crianças e uma garrafa de uísque pra mim, diga a sua senhora que mando lembranças.

Saudades.

Do seu,
Vinicius.


PS: Escrevi essa carta ouvindo uma música muito bonita, Love Is Not a Fight do Warren Barfield, depois te mando o disco para você ouvir com sua senhora.

sábado, 2 de outubro de 2010

Walter

Quando se ensina um filho a dizer a verdade nunca se espera que ele vá fazer isso diretamente na sua cara.

‘’ Você nunca criou nenhum de nós, vivia bêbado pelos cantos ou jogado em baixo de um monte de graxa! ‘’

‘’ Como você se atreve a falar isso seu moleque? Minhas mãos são sujas e calejadas para você e seus irmãos terem estudo e uma vida melhor do que a que eu tive!’’

‘’ Escola? Aquela droga! Eu não queria um sustentador eu queria um pai! Que se fodam as tabelas e as gramáticas, eu queria um abraço, queria soltar pipa com você, queria contar das meninas que eu me apaixonava na escola. Era isso que eu queria: que você não fosse meu banco, mas fosse meu amigo. ‘’

Não teve como Walter conter as lágrimas, elas eram um misto de tristeza, frustração e raiva.

“Eu fiz o meu melhor, eu tinha medo, medo de falhar como pai, medo de falhar como esposo. Você não entende, eu sentia como se o mundo todo estivesse em minhas costas.”

“E as pessoas ao seu lado? Seus filhos, sua esposa! Todos queriam participar da sua vida, eu desejei ser um copo de cerveja para ver se eu teria um pouco da sua atenção.”

“Não seja hipócrita! Eu sempre estive lá e só vi você correndo pra cima e pra baixo sempre procurando a melhor oportunidade para ganhar dinheiro. Dias longe de casa trabalhando como um loco pra ser o que? O que você é hoje? Nada! Você não é nada.”

“E esse nada que eu sou é bem mais do que você foi toda minha vida!”

Não havia mais espaço para conversa, os dois corações não queriam encontrar um caminho de paz, eles queriam destruir-se. O jovem determinado entrou no quarto e tomou tudo que julgo necessário, foi até o quarto da mãe, que fingia dormir, mas estava em lágrimas, beijo-a e partiu para quem sabe nunca mais voltar.

Com suas reservas, que realmente não eram poucas, viajou e conheceu muita gente pelo mundo. Teve grandes oportunidades, trabalhou com pessoas que eram seus idolos e que depois de ver a maestria com que Walter trabalhava, tornaram-se seus fãs. O jovem tornou-se um homem de respeito em toda cidade, freqüentava as melhores festas, com as melhores companhias, nos melhores carros. Mas toda noite quando se deitava só as palavras do pai martelavam em sua mente: “você não é nada”. Esse era o grande fantasma de sua vida bem sucedida e para fugir dele se jogava no trabalho sem pensar em mais nada. Sua vida era fazer de si mesmo alguém, mas nessa busca desenfreada por nada não percebeu que pouco a pouco se tornara ninguém.

Cinco anos passaram desde que havia abandonado a casa dos pais, as reservas agora era uma pequena fortuna e o fantasma havia se transformado numa legião. O muito trabalho levou a pouca saúde, que levou a muitos remédios. Pegou seu celular para conversar com alguém, sentia-se só, mas só restavam contatos profissionais. Lembrou-se de quando era criança, das brincadeiras, da galera da rua, eram todos filhos dos amigos da antiga galera de seu pai... O pai, a frase: “você não é nada.” Não podia mais conviver com aqueles fantasmas, não dava mais. Pegou uma garrafa de uísque as chaves do carro e partiu. Quando não se sabe mais para onde se vai, nunca se sabe quando chegou. Estacionou o carro de qualquer maneira na beira da praia e caminhou com a garrafa pela areia.

Sentou-se e deu um belo gole no seu uísque, mas percebeu que nem mesmo o gosto da bebida o consolava mais, deitou-se e deixou que seu corpo ficasse lá, jogado. Onde estaria a alegria que sempre teve?

“Tarde demais para se ir à praia e cedo demais para beber não acha?”

Assustado se levantou para ver a imagem que ele decoraria para sempre. Morena, esguia e com cabelos tão encaracolados que pareciam labirintos. Vestia um moletom cinza e sorria como se Walter fosse uma piada. Mas ele sentiu calor naquele sorriso e sorriu de volta.

“É a vida, às vezes temos que fazer coisas diferentes.”

“Eu sempre venho aqui ver a lua cheia, é tão lindo observar como ela ilumina o mar.”

“Já foi o tempo em que eu consegui ver essas coisas. Hoje só vejo areia, água e meu uísque. Quer um gole?”

“Não obrigada, não desse uísque triste. Onde foi que você perdeu a alegria?”

“E quem é que sabe? Prazer, Walter.”

“Muito prazer, Mariana.”

E foi assim na praia sob a luz do luar que ele conheceu o amor da sua vida. Seguiram-se muitos jantares, almoços e lanches nos fins de tarde. Ele contou de suas viagens, seus negócios e das comidas que a mãe fazia; ela lhe contou das suas viagens, do tempo que viveu com uma hippie e aprendeu a meditar e de como amava os sobrinhos. Aos poucos o amor por Mariana foi destruindo todos os fantasmas que existiam dentro dele, dia após dia ele foi recuperando o gosto por sorrir, foi fazendo novos amigos e já não precisava mais de remédios. Ela vivia dizendo que queria conhecer a família dele e experimentar as receitas da sogra; esse era o único ponto de conflito entre os dois, ele se mantinha irredutível: nunca mais pisaria na casa dos pais.

Walter estava curado de qualquer mazela do passado e nem ele mesmo via motivos para não visitar os pais (depois que soubera da doença da mãe, a ida tornou-se ainda mais necessária). Num café da manhã enquanto os se deliciavam com sucos, bolachas e bolos, ela disse.

“Amor, vamos ver seus pais?”

“Por favor, Mari na hora do café não, já disse que só iremos com um bom motivo.”

“Eu tenho um bom motivo.”

“Vai dizer que morreu alguém?”

“Não seu tolo, vai nascer. Eu estou grávida meu amor!”

Walter quase cuspiu o pedaço de bolo que mastigava. Lançou-se da sua cadeira e colocou-se de joelhos diante de sua amada. Não havia sinal algum, nem barriga, nem enjôos nada. O homem que viveu tanto tempo diante da mórbida tristeza, via agora diante de si o milagre da vida. Beijou a esposa com a paixão de um primeiro namorado, olhou-a nos olhos com uma ternura sem mais fim.

“Nós vamos visitar meus pais.”





Continua...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um Olhar Vale mais do que Novecentos e Noventa e Nove Palavras

Caminhava pelo quarto ainda de camisola, os cabelos despenteados revelavam a noite mal dormida. Sua pela clara parecia ignorar o vento frio que entrava pela janela. Chovia. Sobre a cama bagunçada repousava o pequeno baú alheio aos movimentos da moça; todos os móveis a acompanhavam no vai e vem agitado, mas ele prosseguia impassível como se fizesse parte de outra natureza, outro modo de ser e estar. Era uma caixa pequena, de madeira nobre, revestida de um veludo verde suave, com dobradiças douradas. Num passado não muito distante o pequeno baú vivia aberto, revelando um tesouro de valor imensurável e só por estar aberto exalava o cheiro da paixão, das noites de corpos suados, das longas conversas reais e virtuais. Lembrava dos textos, das fotos, das canções olho no olho. Mas depois de tanto tempo fechada, o que ela guardaria?

O silêncio absoluto só era quebrado pela chuva que batia violentamente contra as janelas do ônibus, fora isso todos dormiam; alguns já bem bêbados, outros cansados do amor e mais alguns que dormiam nos braços verdes da natureza, mas ele, ele estava acordado. Seus olhos passeavam pela cidade em meio à chuva; por sob a jaqueta de couro que o protegia do frio que o próprio ônibus criava, uma corrente lançava o gélido pedaço de metal sobre seu peito. Quanto tempo fazia? Uma eternidade? Quem sabe duas? Mas fora ele quem criara essa distância e aprendeu: sentimentos verdadeiros falam mais do que quilômetros. O companheiro ao seu lado roncava com a garrafa de vinho ainda aos seus pés, a chegada parecia distante. Ele amava e nenhuma das convenções sociais o fazia pensar o contrário, e nem mesmo tinham força para fazê-lo viver de outro modo.

As chuvas emblemáticas só cessam no momento certo, e aquele ainda não era o momento. A mesa da cozinha, a que há tantos dias não era usada para uma refeição, estava inerte diante da cena: a dama de camisola deixava seu olhar se perder na xícara de chá de camomila que aos poucos ia colorindo a água. O baú estava lá, fechado, e timidamente o sol começava a nascer. Puxou-o para perto de si e começou a acariciá-lo, como se desse toda vazão a sua memória tátil as lembranças brotavam quase que involuntariamente. Lembrou-se de como ele a segurava, era mais do que pegar era fazer sentir-se segura. As mãos dele eram o número dela costumavam dizer. Lembrou-se que ele não tinha cheiro, tinham aquela barba e sabia olhar e falar com ela como se os dois fossem os únicos habitantes de uma ilha. Essa ilha se chama amor.

Esticar as pernas de verdade depois de dez horas de viagem era uma dádiva. Enquanto todos se preparavam para se alojar ele pegou sua mochila e seguiu outro caminho.

“Aonde você vai?” Perguntou o companheiro que ainda apresentava alguns sinais da ressaca.

“Preciso resolver uma coisa, vou pegar um taxi e até a hora do almoço eu volto.”

“Precisa de ajuda? Quer que eu vá com você?”

“Obrigado, mas eu acho que você precisa descansar bastante.” E rindo, partiu.

Encontrou um taxi rapidamente e depois de indicar o endereço (Rua Clarice Carús Sanches, 720) e coçar a barba apertou forte o pedaço de metal pendurado em seu pescoço. A força da chuva agora atacava a copa das arvores do bairro residencial, a luz do sol já era evidente, mesmo por de trás de tanta tempestade, isso o fez pensar: Seria o amor tão forte para brilhar mesmo com tanta coisa diante dele?

Caminhou para a pequena varanda que havia nos fundos da casa, queria observar melhor a chuva, trazia consigo o baú. O taxi parou em frente ao número 720, pagou e correu em direção de um lugar protegido. Jogou a mochila no chão e tirou a corrente do pescoço. Pensou consigo mesma e percebeu que já tinha gastado muito tempo com aquele assunto, era quarta-feira e ela iria dormir um pouco mais. Observou por alguns segundos a chave presa na corrente dourada, apertou-a forte no punho fechado e lançou seus olhos sobre a campainha. O ultimo gole do chá de camomila foi reconfortante, separou dois saches de chá de morango, seria seu café da manhã junto com alguns biscoitos de manteiga. Respirou fundo, fechou os olhos e tocou a campainha. Subindo as escadas, com o baú a tira colo ouviu sua campainha tocar. A chuva cessou.

Os olhos são as janelas da alma, e aquelas janelas estavam escancaradas revelando todos e quaisquer segredos que pudesse estar oculto lá dentro.

“Oi, tudo bem?”

“Olá, estou bem e você?”

Existem coisas que são indizíveis, fazendo restar apenas o olhar que as diz com maior verdade que as palavras. Perceberam que nada havia mudado, todas as coisas estavam no mesmo lugar: o carinho, o respeito, a admiração tudo no seu devido lugar, como se estivessem guardados numa caixa. Abraçaram-se tão profundamente que mais uma vez suas almas conseguiram se tocar; ele ainda a segurava como ninguém, ela ainda era o seu numero, a ilha, não estava mais deserta. O pequeno baú caiu no chão e a chave foi abandonada ao seu lado.

“Eu te amo.”

No chão a pequena caixa revelou seu precioso tesouro, não foram necessárias chaves, pois ela nunca esteve fechada de verdade. Dentro dela duas pequenas pulseiras, dessas sem quase nenhuma classe feitas na rua, cada uma com um nome bordado trazendo o vermelho, o branco e o preto. Junto com elas duas fotografias “três por quatro”; o interessante é que elas não eram nem um pouco sérias, traziam sorrisos largos e alegres, eram mais do que imagens eram lembranças. Devem ter sido tiradas em alguma cabine de fotos, em alguma estação do metrô, perto de alguma banca que vende pulseiras quase sem nenhuma classe.
Ele a olhou e percebeu que para ela não havia passado um dia se quer, continuava jovem, bela e suave como sempre. Era o momento de saber se ainda existia alguma chance.

“Você ainda me ama?”

“Ainda e sempre.”