segunda-feira, 16 de maio de 2011

Dezessete Dias

Dezessete dias, era o que faltava. Era, mas ninguém sabia disso. Ninguém sabia que um atraso, um punhado de chá fervente e um encontro que finalmente aconteceu mudariam tudo.
Bruna. Uma menina dinâmica. Dessas mulheres “à lá” século vinte e um que não precisam de ninguém para conquistar o mundo todo. Desde os 14 anos o máximo de tempo que ficou desempregada foram, o que ela mesma batizou, os seis meses da preguiça; onde ela realmente não quis fazer nada. Ela iria se casar. A primeira dos quatro filhos de seu pai e dois de sua mãe. Ela vencera muitas coisas pra chegar até ali, mas tinha um grande inimigo: o despertador.
Ele era jovem, forte e muito bonito. George tinha recém começado seu trabalho na policia, ele era um atendente e tinha passado em terceiro lugar no concurso. Estava radiante de feliz. Como ainda morava com os pais estava acostumado a toda manhã, antes de partir, encontrar o café pronto e colocado à mesa. Naquela manhã não foi assim; naquela manhã foi tudo diferente.
Antônio era mais um operário, ele sabia disso. Quem passava pela rua e o olhava via apenas mais um homem sem estudo que acabou se firmando no primeiro emprego que lhe pagou razoavelmente bem. Nada disso era mentira, a mentira era acreditar que por conta disso ele não poderia ser feliz. Naquela noite isso seria provado. Finalmente a ruiva do 307 resolveu aceitar sair com ele; iriam a um samba muito bom e com um carro emprestado do irmão ele iria buscá-la com toda pompa, e foi.
Um calor escaldante, talvez fizessem uns 45° no asfalto. O mar estava a apenas 200m de distância e Antônio com uma parafusadeira industrial de 20 kg pregando os guard-rails novos na estrada. 16h45 quinze minutos de expediente e ainda uma tarde inteira de serviço. Havia uma ruiva o esperando e ele ainda tinha que se arrumar e buscar o carro na casa do irmão. Educadamente (e aqui cabe muita ironia e cinismo) o encarregado pediu que ficassem até deixar o serviço um pouco adiantado pro turno da manhã. Tonho, como era conhecido, praguejou aos quatro ventos, mas ninguém ouviu por que ele fez isso dentro da sua mente. 17h25 a ultima lâmina foi parafusada com tanta displicência que até uma criança, ou quem sabe um bêbado, poderia arrancá-la. Seria um bêbado.
Jovens fortes, bonitos e com dinheiro no bolso tentem a ser totalmente irresponsáveis, mas não George. Ele sempre soube que se for dirigir não bebia, até o cara da TV sabia disso. Naquela noite foram beber num boteco perto de casa e beberam tudo o que tinham direito: quatorze garrafas de cerveja e oito doses de pinga de banana, tudo isso em quatro pessoas. Na volta vinham discutindo os dramas do futebol e escalando a seleção principal pra Copa América. Quando um amigo, Paulo, disse que o Roque Jr. deveria voltar a jogar, George não agüentou e caiu na gargalhada, todos riram. O riso foi tanto que ele precisou se debruçar na proteção da pista. Uma queda. Uma queda daquelas lindas e ai ninguém agüentou; uns quinze minutos depois conseguiram se levantar e continuarem andando.
7h os Beatles começam a tocar “All You Need is Love”, mas param abruptamente assim que o botão soneca é ativado. 7h10 eles tocam os primeiros acordes novamente, são vencidos pelo botão soneca. Isso se repetiu por mais uns ciclos até que às 7h37 Bruna percebe que está totalmente atrasada e corre pra se arrumar deixando o celular na cama tocando Beatles pra quem quisesse ouvir.
Nem a bateria de mil escolas de samba faria a cabeça de George ribombar tanto. Acordou com a Sapucaí na cabeça, quase que literalmente. Arrumou-se o mais dignamente possível, para causar uma boa impressão no emprego novo. Ao chegar à cozinha percebeu que o café não estava posto como sempre, mãe postou um copo cheio de chá quente para ele beber no caminho e curar a ressaca. Bruna correu, calou os Beatles e vestiu seu uniforme. Ela sabia que se pagasse o ônibus de 7h55 chegaria só vinte minutos atrasada. Vinte minutos, que lástima!
De que adianta ter um porta copos no carro se o copo não cabe nele? E de que adianta brigar com o porta copos se ele não vai ficar maior? Com a bolsa balançando atrás de si ela correu até o ponto para pegar o ônibus, seus saltos pareciam um metrônomo louco de um estudante de Rachmaninoff.
Depois de um gole mal dado e uma nova tentativa frustrada de colocar o copo no seu lugar devido, o colo de George foi banhado com um punhado generoso de chá fervente. Se o chá estivesse no copo e não no colo o carro teria ficado na pista. Com o tic-tac frenético dos saltos no asfalto, Bruna decidiu passar pelo vão de uma parte do guard-rails que não foi colocada. Se não estivesse atrasada, não estaria ali. Se a proteção tivesse sido colocada, não haveria como passar por ali. Se...
Todos sabem. Todos realmente sabem o que aconteceu. Duas coisas aconteceram e uma não. Houve uma condenação; não houve um casamento; houve uma demissão. E uma bolha, gigantesca e amarela, de tristeza explodiu por sobre a cidade.

Um comentário:

  1. Porra, cara, eu sempre vejo vários blogs, mas nunca comento. Esse conto foi muito foda. Parabéns!

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