quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Jardim Japonês

O jardim não era dela, não era. Mas ela não se importava com isso. Caminhava observando as flores, as árvores e as pessoas. Pessoas, tema intrigante; elas são tão diferentes e ao mesmo tempo tão... Iguais! Curto, mas não leio; contraditório. Mas logo as questões filosóficas cederam às belezas do jardim. - “direita ou esquerda?”. Como era destra seguiu a direita, e isso lhe pareceu engraçado.
Era como se não fosse possível caminhar no jardim, ela levitava. Difícil definir o que era mais fascinante: o caminhar leve de seus olhos por sobre a vegetação do Pátio das Magnólias, ou a própria reverência que as flores faziam ao vê-la passar. Ela ouviu um “psiu!”, agudo vindo de baixo, procurou, mas não viu nenhum conhecido. “Psiu!”, novamente, foi quando percebeu que quem a chamava era uma flor, no meio de tantas outras. Inclinou-se para ver melhor e ouviu:
- “Você é ainda mais linda de perto”, a flor sorriu.
Sorrindo de volta ela disse:
- “Você também é muito linda”
- “Porque não te vejo sempre aqui?”; indagou a flor que queria conhecê-la melhor.
- “Moro um pouco longe daqui”
 - “Na cascata?”,
- “Não”;
- “Na Puente Curvo?”
- “Não”;
- “Então deve ser no Campanário?”,
- “Não também”;
- “Ah!”; lamentou-se a flor – “deve ser realmente longe”.
 Ela sorriu e o seu riso encheu de alegria a pequenina flor; despediram-se cordialmente. A flor ficou levemente abatida ao vê-la partir. Pensava consigo - “como são engraçadas essas flores, parecem crianças”. Crianças, sempre que essa palavra ocorria ela não podia deixar de dedicar uns minutos a pensar na sua criança, sua preferida, a “risadinha da tia!”. Como ela era fascinante tão pequenina, tão frágil, mas já tinha personalidade, sabia-se que seria forte. Era o orgulho da tia. Sentiu saudades.
Caminhou até o Campanário. Ela não era budista, ela seguia O Caminho, porém era uma historiadora e como já tinha confessado; “trabalharia 30 anos com história”. Absorveu e observou tudo; sempre fora muito curiosa e aliado aos seus estudos seus olhos eram muito bem treinados. Nada escapou. Cada detalhe: os ornamentos, os sinos, as estátuas. A satisfação que sentia era a prova real de que tinha feito a escolha certa. Ela já fora mais aflita, mas hoje tinha seu carro, sua casa, seus alunos, uma dúzia de quadros (que eram lindos, mas ela era humilde demais para aceitar) e até o poema da vaca amarela, que fez o maior sucesso na terceira série. As coisas aconteceram normalmente, tão normalmente que pareciam que sempre estiveram ali.
Saindo do Campanário avistou a ponte. Linda, sublime e humilde, num tom escarlate que dominava a paisagem do jardim. Foi em direção a ela, continuava a levitar, mas não notou. O sol banhava sua pele, cada poro o recebia como um elixir de longa vida; endireitou seus óculos vermelhos e sorriu para o sol, ele sorriu de volta. Ao lado da ponte havia uma pedra fora do caminho, na relva. Olhou em volta e sapeca pulou as cordas presas em pequenas toras de madeira; recostou-se na pedra, de frente para o lago, e observou as carpas coloridas. Ela não nadavam, mas bailavam ao som de uma música que só se podia ouvir embaixo d’agua. Abriu a bolsa e pegou um livro. Não era uma primeira leitura, nem de longe, já havido lido diversas vezes, “mas como pode um texto tão simples ser tão cativante? Cativante...”, pensava ela. Seguiu a leitura, e um trecho a fez parar e pensar. Cito:
“Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para fazê-lo feliz quando as contempla.”
Ela sorriu. Julgou-se uma tola, mas sabia que não era. As coisas acontecem por que elas tem que acontecer. Leve, sempre leve.
O tempo passou, não se sabe quanto tempo, mas seus poros já se mostravam fartos do elixir do sol e começavam a corar sua pele branca. O livro não acabara, mas ela tinha uma idéia do que fazer. Despediu-se das carpas, que ainda estavam a bailar. Caminhou até a cascata e bebeu um pouco da água que caia gelada, cristalina, fértil. Riu de si mesma e pensou – “será?”. Era uma coisa louca de se fazer, mas ela nunca gostou das coisas paradas, certinhas. Viu um copo de café vazio, olhou, pegou e teve certeza. Voltou ao Pátio das Magnólias, não mais flutuando, agora ela estava saltitante! Inclinou-se, sorriu e disse:
- “Voltei!”. A florzinha não pode disfarçar, ficou tão contente!  E como se girasse em torno de si mesma, ganhou uma cor mais bela, mais forte, mais viva!
- “Que bom que você voltou!”. Ambas sorriram. Ela hesitou, a flor estranhou; acanhada, por fim disse:
- “Você quer vir comigo?”. Ruborizou, e corada levantou os óculos para melhor ver a flor, que também ficou sem jeito.
- “Eu estou há muito tempo aqui, chez moi, meu lar”.
- “Você fala francês?” Gargalhou animada, pois se lembrou de alguém. A florzinha corou ainda mais, afinal de contas ela sabia só um bocado de palavras em francês, seria muita pretensão considerar-se uma falante.
- “Eu já morei muito tempo num lugar só também, mas eu hoje viajo bastante, sempre, é tão divertido. Posso te levar comigo, te protejo das lagartas, mas deixo uma ou duas, por conta das borboletas.” Inspirou-se ao perceber que havia acabado de fazer uma citação.
- “Mas como você vai me carregar? Não podes caminhar no meio do jardim com um punhado terra na mão. Se me tirares a terra eu morro, e não poderei ficar com você”. A flor quase se pôs a chorar.
- “Don’t worry!”, abriu a bolsa e revelou o copo que encontrara. Cavando com o próprio copo, pegou a terra que julgou suficiente para uma morada provisória. A florzinha só não saltitou, por motivos óbvios.
                Com a delicadeza de suas mãos de pintora, removeu a flor e a colocou no copo. Levantou-se e colocou a florzinha bem próxima de si. Ela, a flor e o sol, todos sorriram. Caminharam em direção a saída em silêncio, mas pensando em todas as coisas que iriam fazer juntas.
- “Gostou do jardim?”, perguntou animada a flor.
 - “Não o conheci todo, fui até um ponto, mas voltei para te buscar”. Nesse instante estavam paradas no mesmo lugar onde ela escolheu que direção tomar. Naquele momento ela percebeu e disse a si mesma - “se tivesse tomado a esquerda, não a teria conhecido”. “Goiaba”, pensou e sorriu.

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