sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Voz da Madrugada

Parecia que os assuntos haviam se esgotado. De política até moda, passando por futebol, religião e música, conversaram sobre tudo que era possível. Os dois lutavam contra seus próprios corpos, como era bom estar ali vivendo um momento tão banal, mas que se fazia único e verdadeiro. O sono já tinha mandado todos os avisos: frases que não se completavam, risos que nasciam do nada, olhos que se fechavam por longos segundos. Ele estava encantado e não restavam mais artifícios para fazê-la ficar; existia apenas um ultimo golpe, um pedido que poderia mudar tudo:

“– Canta pra mim?”

“– O que?”

“– É! Canta uma música pra mim.”

E ela começou a argumentar do sono que sentia; que era tarde e precisava ir e tantas outras coisas que o sono não deixava os dois assimilarem. A resposta dele foi simples, como ela havia ensinado enquanto estavam sentados na ancora protegendo-se do sol: ele sorriu. Não havia como se defender, ela sorriu de volta, como sempre fazia, sorriu com o olhar e cantou.

É difícil explicar o que aconteceu a seguir, aquela voz encheu a noite quente de paixão e desejo. As mãos delas estavam levemente tremulas, mas pousaram com delicadeza sobre as dele, a voz vibrava pelo corpo dos dois. Ela aninhou-se em seus braços e seguiu a melodia de forma leve. Ele sentia como se tivesse o mundo todo diante de si. Com mãos suaves acariciou os cabelos negros e deixou-se levar por aquele som encantador. Seus dedos percorriam a nunca num cafuné tão doce quanto aconchegante.

E veio um bocejo, que interrompendo a melodia denunciou que a noite estava chegando ao fim.

“– Cuida de mim essa noite?”

Era a mesma voz doce que melodiava a minutos passados.

Como poderia alguém negar um pedido desses? Ele é encantado por ela (ou por quem ele a faz ser) e isso faz dele um eterno responsável por seu bem estar. Ele já quis ser um mestre da música; já desejou ter as palavras mais belas em seus versos; quis até ser ponta esquerda, mas foi desencorajado por seus amigos de faculdade. Agora já não queria ser mais nada, somente guardião daquele tesouro; bela, frágil e encantadora. Ela estava entregue, não era indefesa, antes era forte e determinada, mas resolveu render-se a esse momento, a essa beleza; quem poderia conter-se diante daquele sorriso? Ele fez-se Arlequim e ela era a sua Colombina.

“– Cuida de mim essa noite?”

Sempre, foi a reposta ante que os dois adormecessem no suave girar do mundo e no leve balançar da rede.

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