quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Futuro Que Eu Vejo; No Presente Que Eu Sinto

Sentou na escrivaninha e olhou fixamente para a folha branca diante de si. Seu olhar penetrou tão fundo no papel que ele pode ver as palavras brotando como se dessem vida a si mesmas. Fechou os olhos suavemente e sentiu seu corpo e mente convergir para o texto, ligou o velho rádio já bem surrado que tocava uma canção que sempre repetia: “deixa ser.” Bebeu um bom gole do seu café, preparado como ele: forte e doce.

Deixou-se levar pela melodia e pelo caminhar da sua caneta sobre o papel. Lembrou-se de uma história que ha muito tempo ocupava sua mente, ele sabia que em algum lugar (ou em algum tempo) ela foi real. Começou a escrever sobre a trajetória de um jovem casal, vivendo encontros e desencontros até alcançar a tão sonhada felicidades.

Ele era assim homem sensível, sábio, realista e leve. A sua leveza beirava a irresponsabilidade; dizia ela:

- Bonito, desde sempre o chamara assim, você levou o ultimo manuscrito pra editora?

- Xiii! E batia com a mão aberta na testa. Me esqueci, fiquei jogando vídeo-game com a Clarice, ma seu levo amanhã.

- Amanhã é o ultima dia do prazo.

- Relaxa amor.

Ela ficava louca, esbravejava pra si mesma, sofria, mas sabia que no final ele sempre conseguia dar um jeito em tudo. Essa era a mágica dele. O tempo formou nele uma força inacreditável para quem não compartilha dela; não havia como crer, mas depois que ele levantou-se e jurou a si mesmo lutar por seus sonhos ele só cresceu. Suas palavras, seus roteiros e até uma ou duas canções que fez com velhos, e eternos, amigos eram de uma beleza e poder maravilhosos. E foi sobre essas palavras que ele construiu prestigio e reconhecimento.

Ela não ficava atrás em talento, conseguia envolver com as palavras como se elas fossem parte do nosso corpo. Ela era uma mãe, não por cuidar ou qualquer sentimento de super-proteção, mas ela tinha o dom de nos fazer sentir em casa, sempre. Ela amava, beijava e abraçava de um jeito que constrangia de amor. Quando ele expressava a saudade e abria o coração era capaz de conquistar metade de um império, se sorrisse o conquistava todo. E por mais que o relógio de marca, que a ensinou a viver o frenesi de São Paulo, tentasse sufocá-la pelo pulso, ela sabia tirá-lo e alisar o rosto com a barba por fazer do seu bonito, por longos e longos minutos.

Nem tudo começou assim tão belo. Ela não sabia onde era seu lugar no mundo, mas sentia com profunda dor que estava no lugar errado. Era como se as mãos de um futuro promissor estivessem sufocando sua vida. Tinha um que de amor, um que de proteção, mas não era aquele o lugar. Ele estava lá, sentindo ainda resquícios de um amor que não seria correspondido, não mais. Ele estava lá, lugar no mundo? Sim ele pensava, mas era uma questão que ainda não pesava tanto, então seguia os dias bebendo, escrevendo e fazendo muita vida.

Eles foram se ajudando aos poucos, sem pretensões. Eram como dois estranhos, encontrando-se numa esquina, num lugar comum. E foi desse lugar comum que passaram a ser um o lugar um do outro. Com o tempo não havia mais como negar: eram um do outro por completo. Ele beijava outros lábios, fazia viagens tão loucas sem sair do lugar e deixava-se levar pelo doce fel da cevada e seus variantes; mas quando piscava o olho por um segundo, todas as meninas da festa tornavam-se a única menina que ele gostaria que existisse. Ela tinha mil amantes aos seus pés. O moço recatado de boa família, o melhor amigo da mãe dela; o bom moço descolado, romântico e atencioso; a talentoso pop das noitadas de São Paulo, mas senhoras e senhores, a verdade dorme embaixo do nosso travesseiro e todas as noites depois de uma jornada trop fatigue, ela lembrava-se dele.

Ela foi tema de amor mil e uma vezes sob um letreiro velho; ele fez nascer milhões de flores num jardim de primavera. Certo dia, enquanto festejavam mais um reencontro (foi complicado o tempo que moraram tão longe), um amigo lhes disse: “Eu sei que você é paranóica e você um irresponsável, mas mesmo assim eu amo muito vocês.” Ele disse, eles ouviram, mas talvez não tenham entendido o quanto.

Passaram-se anos, uns mais fáceis do que outros. Saudades, dores, apertos financeiros, mas o mais belo que venceram tudo com um sorriso no rosto.

Abriu os olhos. O papel estava repleto de palavras que falavam de verdades possíveis e, especialmente naquele dia, reais. Organizou as folhas, desligou o rádio e foi deitar-se, porém mais uma vez ele esqueceu a caneca sobre a mesa.

2 comentários:

  1. Às vezes eu acho que você faz isso só pra me ver chorar...
    assim como a flor amanhece com orvalho a cada manhã.

    Você faz parte dessa história, anjo.
    Você e seu eterno café.

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