terça-feira, 16 de novembro de 2010

Sobre o Sono e as Pessoas que Ainda não São Más

Encontros e desencontros; eufemismos e feminismos; encantos e desencantos; aquilo que entra e aquilo que sai. Existem milhões de coisas por serem escritas, acredito que todas elas vão encontrar seu lugar nas palavras, mas depois de ver a fonte tanto tempo entupida resolvi falar de duas numa história só.

Não era sempre que ele era dado às coisas da religião, mas lembrou-se de um termo que escutou na missa uma vez: “A Coroa da criação”. O sacerdote usou como exemplo um sundae e sua cereja, foi assim que ela ficou gravada na sua mente. Ele bem sabia que rótulos são para geléias, mas a primeira exclamação que surgiu na sua mente foi: “que loiraça gata!” Isso não se faz, mas foi mais rápido do pode se controlar. Ela estava vestida para o crime: roupas justas e escuras como uma estrada perigosamente desejável; um rosto fatal e mortífero, como uma fera caçadora em busca de presas indefesas.

Começaram as brincadeiras, os trocadilhos e ele pensou: “vamos ver o quão feroz é essa fera.” A batalha começou e ele criou regras tão claras que seria impossível ser derrotado, mas na ânsia de domar a fera flechou o próprio pé. Nem mesmo Mnemosine conseguiu clarear-lhe todas as lembranças, deve ter sido por conta dos juramentos feitos em nome dos olimpianos, mas ele tem claro e vivo em sua mente o impacto maravilhoso que foi o encontro de seus corpos. As mãos, os toques, os sorrisos; era divino como a própria figura dela representava ser. E falando em deuses lá veio ele sob a forma de uma taça bem servida de álcool. A ultima lembrança antes de Morfeu arrancar sua alma de dentro do corpo com suas mãos fortes, foi da suave doçura daqueles lábios.

Escuro.

A força de Morfeu é indizível em palavras humanas, sem saber por que, quando e de que modo, seu corpo foi entregue a um sono tão profundo quanto uma reflexão de Vigotski. Num segundo de distração da divindade ele levantou-se em busca de seu ipê roxo. Ao despertar viu a velha amiga que tanto ama; cumprimentou-a e viu também o, quiçá, novo amigo, mas notou que a sala, além de bem mais bagunçada do que antes, estava um pouco sem brilho, vazia de beleza, ela não estava lá, mas Morfeu estava e o aprisionou novamente.

As brincadeiras de Morfeu nunca duram para sempre, a divindade se foi e nosso pobre amigo ficou com o peso da culpa, da vergonha e da graça. Os bons amigos sempre nos tiram o peso da melhor maneira possível:

- Você é burro.

- Muito burro.

- Cara como você pode fazer isso?

- Eu sou burro.

Rir da situação foi quase que involuntário. Quando ela retornou a casa, ainda mais bela do que quando havia partido, ele realmente percebeu que tudo seria uma boa lembrança (ou um texto). Ainda brincou e tentou ser legal, mas restava rir de si mesmo e tentar dormir.

As manhãs nos trazem sempre bons sons e boas imagens. Depois de despertar ao som da mais nobre Black music norte-americana, foram os pássaros que prosseguiram com as melodias. Levantou-se e ela estava lá, quase mais bela do que na noite anterior. A beleza das coisas simples e cotidianas sempre foram à ele mais encantadoras do que tudo. Vestia um pijama rosa num tom tão familiar quanto podia ser. É como se ela fosse capaz de passar o dia vestida com ele.

- Bom dia. Foi o bom dia mais constrangedor de sua vida. A sua alma galante gritava sempre, que uma dama nunca poderia ser abandonada daquele jeito.

- Bom dia

- Estou indo tomar um café, quer alguma coisa pra comer? A única coisa que fazia sentido para ele era ser cortes e gentil, mal sabia que para ela estava tudo bem e normal.

- Claro, algo de presunto e queijo e um todinho.

Foi ali num sofá muito gasto que a “gata arrasa quarteirão” tornou-se um moça com um brilho só dela, como todos nós. Com todos despertos seguiram-se as grandes questões do dia: destino do almoço, da tarde, as trocas de passagens, horários de ônibus; a grande sina dele contra os “psicoloucos” se deve ao fato dele mesmo ter muito de ler e reler as pessoas.

Aqueles olhos lindos de pupilas dilatas, rajado de verde-mel era de uma sagacidade admirável (ele sempre amara mais as pessoas ruins que as boas), mas boiava numa candura muito linda. Ela destilava cortes e pequenas doses de ironia, mas no instante seguinte se deixava atingir por se saber “ajeitadinha”.

Um ipê roxo pode ser amarelo? Alguns responderiam com um simples e não reflexivo “não”, mas a grande verdade é que ela era um lindo ipê roxo e amarelo. Ela tinha sim tudo para ser uma pessoa altiva, cruel e esnobe, mas o problema era a beleza do sorriso dela; a delicadeza das suas roupas e chaveiros rosa; como alguém que imita com tanta graça o andar de um passarinho pode ser má?

Se um charuto pode ser só um charuto, talvez um titulo não queira dizer nada. Quiçá a falha e os contratempos tenham sido os grandes motores do encanto. Se o que acontece aqui, fica aqui, você deveria ficar.

Um comentário:

  1. Muito bonito.
    O que não justifica nem releva tua burrice tremenda, meu caro afro-escritor.

    ResponderExcluir