segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O décimo segundo lugar

“Quantos lugares hoje? ’

“Onze o Walter vem, mas vai demorar por que ficou preso na marginal’

“O Walter? Quanto tempo faz?”

“Menos do que parece e mais do que meu coração merece.”


O riso era o forte do lugar, mas dona Neuza dizia que o forte mesmo era o risoto de alcatra que ela fazia. Na memória dela o almoço mais triste foi quando ela teve de cozinhar para duas pessoas... Como pode uma mãe de família fazer comida pra esse pingo de gente? Ela não confessa, mas chorou no final por que se sentiu desrespeitada. O Maridão com aquele jeito que só ele tinha a abraçou por trás enquanto ela lavava os poucos pratos.

“O neguinha, fica assim não, chorar pra que?”

“Não to chorando, é esse detergente novo que você comprou.”

Sentiu-se tão tola a dizer aquilo que se deixou levar pela água da torneira e esqueceu o mundo. Hoje era um almoço especial, por tantos motivos que ela nem conseguia enumerar. Até hoje ela tinha cozinhado para 10 familiares (almoços industriais não entravam nas contas); hoje seriam onze: ela e o Maridão, o único que esteve presente em todos os almoços. Os dois se amavam desde sempre. Ele mecânico de carros antigos, recusava-se a trabalhar com carros novos; ‘esses carros feitos de plástico, sem motor, não é pra mim! Eu gosto do ronco do motor, do ferro, do metal inflamado. ’ Era um Sócrates dos motores. O encontro dos dois foi o mais inusitado e belo possível, ela tinha dez e ele doze. A vizinha nova descia a rua na sua linda bicicleta rosa, o cesto cheio de coisas do armazém do seu Vieira e o vestido florido que balançava ao vento. Ele sentado na calçada, o chefe dos meninos da rua (eram queridos por todos no bairro), até pela dona Alzira, a mesma que teve seu banheiro atacado por um pequeno exército de ratos. A corrente soltou, o freio falhou e a menina caiu, ele correu como um raio na direção da moça caída.

“Você está bem?”

“Tô. Mas minhas compras não.”

A sacola havia se rasgado e os temperos se espalhado pela rua.

“Quanta coisa boa e diferente. Sua mãe vai cozinhar?” O menino era valente, mas estava um pouco tímido, tentava puxar assunto.

“Na verdade sou eu, meu primeiro almoço hoje.”

“Parabéns. És nova aqui no bairro né?”

“Sim, me chamo Neuza.”

“Muito prazer Neuza, eu vou dar uma olhada na sua bicicleta.” As mãos já eram rápidas naqueles tempos e em minutos deixou tudo ‘nos conformes’.

“Nossa. Você é bom nisso.” Ele corou, mas conseguiu dissimular.

“Que isso...”

“Vem almoçar lá em casa! Não tenho dinheiro pra pagar o conserto”

Um sorriso iluminou os dois, e foi assim num acidente que começou uma linda história de amor, que dura até hoje. Vieram outros almoços, outros acidentes (alguns muito engraçados outros nem tanto). Mas deixemos o casal de lado, pois temos ainda outros lugares à mesa.

Bela, a filha mais velha estava acompanhada de Jorge seu segundo esposo. Não havia ninguém que soubesse mais piadas do que ele, o que fazia quase todos ficarem vermelhos de tanto rir. Bela era muito séria, fala exata, sem rodeios, muito econômica. O filho dos dois, Mario, era um pequeno prodígio no computador e insistia com o avô pra modernizar a oficina. ‘Colocar essas coisas que quebram com um espirro é prejuízo’, defendia-se. Carlos era o caçula dos mais velhos, trabalhava como veterinário com a esposa, Claudia, no interior. Tinham uma filhinha de três aninhos, Neuza, como a avó. Rafael era a raspa do tacho (ele detesta ouvir isso), trabalhava com o pai na oficina e todos já sabiam que ele tinha o dom. A sua namorada, Aline, era a menina mais querida do mundo, adorava cozinhar com a sogra e estava pensando em abrir um restaurante pras duas. O ultimo lugar era de Walter. Há oito anos não pisava na casa dos pais, depois de uma briga cheia de ofensas e verdades, ele e o pai quase se destruíram. Nos últimos meses ele se reaproximou da família, mas tinha negado todos os convites para estar lá. O ultimo diálogo com o pai foi quando a mãe esteve doente no ultimo mês.

“O que ela tem de verdade?”

“É um tumor, mas é benigno.”

“Quando é a cirurgia?”

“Terça agora. Você vem vê-la filho?”

“Vou ver minha mãe sim. Tchau”

O pai tinha reconhecido seus erros, mas o filho era duro na queda assim como ele.

O transito na marginal sempre é complicado, mas não é eterno, enquanto riam com mais uma piada de Jorge a campainha tocou. Dona Neuza largou o pano na pia e correu, como sentia saudades do filho, não podia deixar de ser a primeira a abraçá-lo. Todos olharam para o pai com certa expectativa. A porta se abriu, dona Neuza quase desmaiou, empalideceu e balançou se apoiando na porta.

“O que foi dona Neuza?” Correu Aline em auxilio a sogra.

“Precisamos de mais um lugar. O Walter não está sozinho, nenhum dos dois está sozinho.”



Continua...

Um comentário:

  1. Muito bom..
    conto os dias para essa continuação chegar, haha..
    beijinhos, continua assim que vai longe..

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