quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Lavar a Louça

Lavar a louça é uma tarefa chata na maioria das vezes, mas quando se faz com prazer é maravilhosa. O que muitas pessoas não entendem é que lavar a louça pode ser uma grande terapia, um momento de profunda meditação e até com um certo humor.

Eram quatro horas da manhã, mas o desejo misturou-se com a responsabilidade e ele foi lavar. Seguiu o mesmo método de sempre: foi esvaziando a pia separando os talheres, os copos, os pratos e as panelas, as malditas panelas. Se lavar a louça fosse uma analogia da vida com toda a certeza as panelas seriam nossos problemas. Grandes, desengonçadas e difíceis de lidar; nesse teatro de água e sabão as panelas de pressão seriam os maiores problemas (aqueles de família ou de coração) que por mais que lutemos e viremos de cabeça para baixo, sempre resta àquela agüinha chata. Os copos seriam o próximo, é até bom “ensaboá-los” por dentro, mas se for sem jeito ou você se machuca, ou eles se quebram.

Depois de tudo devidamente separado e organizado, como deve ser na vida, pôs-se a lavar. Era de certo modo uma alegria para ele, pois podia pensar em tudo e em todos e ainda ajudar na casa, sorria para a parede branca com o desejo de colar nela um recado em letras garrafais: “MENINAS O LUGAR DO RESTO É NO LIXO. NA PIA SÓ A LOUÇA! GRATO”. O “grato” na verdade era só um eufemismo de algumas coisas que não posso colocar aqui. Nosso lavador de pratos, como se intitulou, lembrou da sua nova e feliz situação financeira: Bolsista. Tentou localizar-se na pirâmide social e viu que estava em algum lugar entre os estagiários e os seminaristas, mas era bom poder ajudar. Esqueceu-se de que não teria como almoçar por que seus passes para o restaurante e o dinheiro acabaram numa sincronia quase sinfônica.

Pensou nas crianças e nos fascínio que elas causavam nele. Contar história é um dom (quem sabe ele tinha), mas ser amado pelos pequenos é um dom ainda mais valioso. Ele entendia muito bem que as crianças ou amam, ou não e como queria criar e descobrir histórias que pudessem fazê-las sorrir e cantar. Lembrou-se de todas as delicias (comestíveis ou não) que experimentou no decorrer do dia e de como era fácil ser feliz, é descomplicar. Chocolate, sorvete, frango, café, praia, amigos e o lugar vago ao seu lado no banco de madeira. Onde estaria? Mas tudo isso lhe foi usurpado rapidamente quando se lembrou das três páginas sobre a audição do corajoso herói que desbravou o hades em busca da sua amada.

Quando deu por si a louça havia acabado exceto pela panela de pressão, pois sempre teremos um restinho de problemas; sobrou também um texto que gritava a plenos pulmões que deveria dormir por que amanhã seria um novo dia. Mas a música era tão bela, o dia foi tão bom... Ele adorava lavar a louça, mas ele amava escrever.

2 comentários:

  1. aguinha não tem trema. aliás, nada mais tem trema, afrosamurai.

    tá excelente, continua lavando louça assim.

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  2. Isso me lembrou bossa nova de domingo. Quando vc lavava e eu guardava os pratos, as louças e as panelas ao som de Vinícius e Tom.

    Lavemos! :P

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