segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Mineirinho

O cenário não era dos mais lúdicos e belos: uma casa mofada, vazia e um colchão emprestado. Jogou o corpo cansado sobre o pedaço de espuma e pensou: “e agora José?” Olhava para o teto da casa tentando falar com Deus, mas tudo parecia novo, prazeroso e assustador.

Sentiu-se forte o suficiente, com conhecimento e propostas suficientes para iniciar uma nova fase na sua vida. O interior sempre é lindo, têm sua calma, suas igrejas, seus carnavais de rua; mas olhando toda aquela beleza pura e simples sentiu que estava na hora de voar. Começou a conversar com a mãe do mesmo jeito de sempre, mas ela sentia dentro do seu coração que aquela não seria mais uma conversa comum. Depois de muito falarem, ele disse.

“Mãe eu to indo embora trabalhar.”

“Mas filho aqui você tem tudo, fica, não precisa ir pra tão longe.”

“Eu sei mãe, eu te amo, mas chegou a hora de voar sozinho.”

Lembrou-se da casa bem arrumada, com suas coisas sempre prontas e no lugar, das facilidades e da cama sempre tão acolhedora e confortável. Quando deu por si estava de novo no colchão emprestado, na casa vazia e mofada. E o que você faz quando chega num lugar totalmente estranho e só se tem um sorriso? Você faz amigos. E foi assim que conquistou um coração após o outro. Umas se apaixonaram na hora com o jeitinho de falar diferente, as risadas e o carinho; alguns não gostaram por que ele parecia ser um tanto superior, como se já soubesse de tudo; um outro (que mais tarde viria a tornar-se um irmão) ignorou. A verdade é que nenhum coração conseguia ficar indiferente a existência dele.

As coisas nem sempre são como nos prometem. O lugar é lindo? Sim, mas muito caro para se viver. O emprego é bom? Muito, mas o salário é um pouco menor. Houveram noites de cabeça cheia e barriga vazia. A solidão que leva a lágrimas tão amargas quanto fel foi a única companheira por longos dias. Quando a única coisa que existia para alimentar-se era uma prece ele começava a questionar a proporção da cagada que poderia ter feito saindo de casa, mas uma vez fora, para sempre fora.

Lutou consigo mesmo e contra o mundo. A casa já não estava vazia, agora vivia repleta de amigos e companheiros. Não acreditou quando viu seu espaço invadido por tanta gente num aniversário que era pra ser simples. A noticia correu como um rastilho de pólvora.

“Tem que subir o morro?”

“Qual o numero da casa?”

“Mais salgado, mais salgado!”

Ele sorria e percebeu que já era muito aceito e começa a ser amado.

Via uma nova família nascer ao seu redor. Um pai acolhedor e conselheiro, que o fazia sempre dar o melhor de si; uma mãe forte e dura, com um sorriso que inundava qualquer lugar e situação e tinha até um pequetito, muito inteligente que arrancava boas risadas de todos. E aquele “um” que ignorou, hoje dava e recebia atenção sem igual.

Hoje a casa cresceu mais amigos e mais amores foram conquistados. Ele tem com quem conversar e compartilhar; tem com quem brigar e fazer as pazes; tem com quem lutar lado a lado para que o amor seja real. Tem muitos outros planos e ainda muito céu para voar; dança tão desengonçadamente nas festas, mas sem perder nem um pouco da graça. Descobriu que nas noites que se alimentou somente das preces foi quando melhor comeu; percebeu que a família que se deixa nunca se abandona e mesmo de longe eles existem em outras pessoas.

Não conhece o futuro e saber o dia do amanhã é um desejo de todos, mas não uma necessidade. Ele sabe que o que os seus desejam (até do “um” que o ignorou) é que seja feliz realizado e prospero. Que encontre no amor parte da sua realização e a outra parte fica com a causa. Hoje ele sabe que tem onde pedir socorro, onde caminhar na praia e com quem contar, quase sempre e pra quase tudo. Ele é feliz.

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