segunda-feira, 4 de outubro de 2010

De: Vinicius Para: Vinicius

Olá meu poeta,

A vida é feita de encontro; embora haja tanto desencontro pela vida. Essas suas palavras me colocam a pensar: que encontros existem nessa vida? Se for pra falar de arte temos o seu encontro com Tom e João, naquela noite de agosto de 62, noite em que o mundo se encontrou com a Garota mais famosa que existe. O que dizer então do maravilhoso encontro de Garrincha e Pelé, que juntos nunca viram o Brasil perder? O encontro de Niemeyer com o planalto deserto que fez nascer Brasília; ou o encontro de todo brasileiro quando acorda e vê “um povo que canta e que é feliz, feliz!”. O que seria de nós se o Badeco não tivesse se encontrado com o violão? E se Chico não tivesse se encontrado com as palavras? Pobre de nós. É meu poeta a vida realmente é cheia de encontros, mas tem um em especial.

“Existe uma menina dentro de mim que acredita no amor e um menino em você que acredita no poder da poesia, pensa comigo: como seria o encontro do amor com a poesia?” É meu Vininha, foi isso que ela falou, e como eu fiquei? A sorrir e sorrir,e depois fiquei a pensar e a sorrir, e depois a escrever, pois foi o único modo que encontrei de expressar esse encontro tão maravilhoso.

Se você olhar bem você consegue vê-los ainda hoje. Lá vinha ela aquela menina sapeca, com seu vestidinho rosa, seu chinelo de dedo e um sorriso lindo no rosto; ela trazia consigo, dentro do coração, o maior tesouro da humanidade: o amor. Do lado de lá vinha ele com seu jeito leve e suave de caminhar, sempre trazia nas mãos um caderno que guardava a mais sublime das artes: a poesia. Os dois vinham caminhando, cada qual distraído com seus próprios assuntos. A menina e o amor pensavam em como iriam fazer para que o mundo ainda acreditasse nele; o garoto e a poesia procuravam a palavra certa que expressasse toda a beleza que possa estar contida em um único olhar. A praia estava calma, como sempre, seu mar parecia uma lagoinha; a velha ancora encostada na arvore e os banquinhos de madeira virados diretamente para o mar. Só um deles estava desocupado, a menina sentou e ficou observando aquela beleza infinita, o menino chegou depois, e como o único lugar vago era ao lado dela não se importou em sentar.

Os dois estavam ali, quase alheios a presença um do outro, o menino escrevia e a menina a contemplava o mar. Num momento de distração o pequeno caderno caiu no chão espalhando toda a poesia, nossa pequena foi solidária e inclinou-se para ajudar, mas seu coração estava tão cheio que derramou todo o amor em cima da poesia, e ai poetinha as coisas aconteceram. Não dá pra explicar bem o resultado desse encontro, mas eu sei o que eu vi.
Luz, foi a primeira reação. Ela era tão bela, tão suave, aquecia. Quando ela se foi não pude crer no que meus olhos viram. As coisas já não eram mais como eu as conheci: O céu era de um azul tão intenso que mal pude acreditar, as aves que nele voavam tinham penas tão brancas quanto a mais pura neve. A brisa que soprava trazia consigo o cheiro suave dos bolos que esfriavam nas janelas, todas elas abertas pois não havia medo algum. As grades que antes “protegiam” agora divertiam, pois se transformaram em pequenos parques onde as crianças riam durante todo o dia, o riso delas era quase mágico. As ruas eram ladrilhadas com pedras preciosas, como nas cantigas de roda e todos os postes eram forrados com poesias e declarações de amor. Nos coretos o pessoal antigo cantava marchinhas de carnaval, independente do mês, e todos dançavam na mais pura folia. Os namorados subiam nas arvores e roubavam frutos para se presentearem, faziam serenatas e os piqueniques eram repletos de olhares e caricias. Os mais fogosos amavam-se nos bosques de onde só se ouviam os suspiros e o farfalhar das folhas.

No meio dessa festa toda eu a vi. Era tão linda, seus cabelos negros caídos sobre os ombros cheiravam ao campo, e sua fronte era enfeitada com um diadema de flores. Sabia-se que sua pele era macia só de vê-la ao longe, ela sorriu para mim. Eu desejei abraçá-la e conhecer tudo sobre ela, desejei tanto ver o sol nascer ao lado dela, mas ela disse que não podia ficar se não eu iria me apaixonar. Que tola, disse que já estava apaixonado (era mentira, mas contei só pra ver se ela ficava).

É meu poeta, não sei se sonhei ou se aconteceu, mas percebi que a menina e o menino, o amor e a poesia, um era a resposta do outro. Como fazer o mundo ainda acreditar no amor? Com a poesia. E me diz meu amigo: qual palavra expressa toda beleza que pode se conter num olhar? Mande um abraço pra crianças e uma garrafa de uísque pra mim, diga a sua senhora que mando lembranças.

Saudades.

Do seu,
Vinicius.


PS: Escrevi essa carta ouvindo uma música muito bonita, Love Is Not a Fight do Warren Barfield, depois te mando o disco para você ouvir com sua senhora.

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