sábado, 2 de outubro de 2010

Walter

Quando se ensina um filho a dizer a verdade nunca se espera que ele vá fazer isso diretamente na sua cara.

‘’ Você nunca criou nenhum de nós, vivia bêbado pelos cantos ou jogado em baixo de um monte de graxa! ‘’

‘’ Como você se atreve a falar isso seu moleque? Minhas mãos são sujas e calejadas para você e seus irmãos terem estudo e uma vida melhor do que a que eu tive!’’

‘’ Escola? Aquela droga! Eu não queria um sustentador eu queria um pai! Que se fodam as tabelas e as gramáticas, eu queria um abraço, queria soltar pipa com você, queria contar das meninas que eu me apaixonava na escola. Era isso que eu queria: que você não fosse meu banco, mas fosse meu amigo. ‘’

Não teve como Walter conter as lágrimas, elas eram um misto de tristeza, frustração e raiva.

“Eu fiz o meu melhor, eu tinha medo, medo de falhar como pai, medo de falhar como esposo. Você não entende, eu sentia como se o mundo todo estivesse em minhas costas.”

“E as pessoas ao seu lado? Seus filhos, sua esposa! Todos queriam participar da sua vida, eu desejei ser um copo de cerveja para ver se eu teria um pouco da sua atenção.”

“Não seja hipócrita! Eu sempre estive lá e só vi você correndo pra cima e pra baixo sempre procurando a melhor oportunidade para ganhar dinheiro. Dias longe de casa trabalhando como um loco pra ser o que? O que você é hoje? Nada! Você não é nada.”

“E esse nada que eu sou é bem mais do que você foi toda minha vida!”

Não havia mais espaço para conversa, os dois corações não queriam encontrar um caminho de paz, eles queriam destruir-se. O jovem determinado entrou no quarto e tomou tudo que julgo necessário, foi até o quarto da mãe, que fingia dormir, mas estava em lágrimas, beijo-a e partiu para quem sabe nunca mais voltar.

Com suas reservas, que realmente não eram poucas, viajou e conheceu muita gente pelo mundo. Teve grandes oportunidades, trabalhou com pessoas que eram seus idolos e que depois de ver a maestria com que Walter trabalhava, tornaram-se seus fãs. O jovem tornou-se um homem de respeito em toda cidade, freqüentava as melhores festas, com as melhores companhias, nos melhores carros. Mas toda noite quando se deitava só as palavras do pai martelavam em sua mente: “você não é nada”. Esse era o grande fantasma de sua vida bem sucedida e para fugir dele se jogava no trabalho sem pensar em mais nada. Sua vida era fazer de si mesmo alguém, mas nessa busca desenfreada por nada não percebeu que pouco a pouco se tornara ninguém.

Cinco anos passaram desde que havia abandonado a casa dos pais, as reservas agora era uma pequena fortuna e o fantasma havia se transformado numa legião. O muito trabalho levou a pouca saúde, que levou a muitos remédios. Pegou seu celular para conversar com alguém, sentia-se só, mas só restavam contatos profissionais. Lembrou-se de quando era criança, das brincadeiras, da galera da rua, eram todos filhos dos amigos da antiga galera de seu pai... O pai, a frase: “você não é nada.” Não podia mais conviver com aqueles fantasmas, não dava mais. Pegou uma garrafa de uísque as chaves do carro e partiu. Quando não se sabe mais para onde se vai, nunca se sabe quando chegou. Estacionou o carro de qualquer maneira na beira da praia e caminhou com a garrafa pela areia.

Sentou-se e deu um belo gole no seu uísque, mas percebeu que nem mesmo o gosto da bebida o consolava mais, deitou-se e deixou que seu corpo ficasse lá, jogado. Onde estaria a alegria que sempre teve?

“Tarde demais para se ir à praia e cedo demais para beber não acha?”

Assustado se levantou para ver a imagem que ele decoraria para sempre. Morena, esguia e com cabelos tão encaracolados que pareciam labirintos. Vestia um moletom cinza e sorria como se Walter fosse uma piada. Mas ele sentiu calor naquele sorriso e sorriu de volta.

“É a vida, às vezes temos que fazer coisas diferentes.”

“Eu sempre venho aqui ver a lua cheia, é tão lindo observar como ela ilumina o mar.”

“Já foi o tempo em que eu consegui ver essas coisas. Hoje só vejo areia, água e meu uísque. Quer um gole?”

“Não obrigada, não desse uísque triste. Onde foi que você perdeu a alegria?”

“E quem é que sabe? Prazer, Walter.”

“Muito prazer, Mariana.”

E foi assim na praia sob a luz do luar que ele conheceu o amor da sua vida. Seguiram-se muitos jantares, almoços e lanches nos fins de tarde. Ele contou de suas viagens, seus negócios e das comidas que a mãe fazia; ela lhe contou das suas viagens, do tempo que viveu com uma hippie e aprendeu a meditar e de como amava os sobrinhos. Aos poucos o amor por Mariana foi destruindo todos os fantasmas que existiam dentro dele, dia após dia ele foi recuperando o gosto por sorrir, foi fazendo novos amigos e já não precisava mais de remédios. Ela vivia dizendo que queria conhecer a família dele e experimentar as receitas da sogra; esse era o único ponto de conflito entre os dois, ele se mantinha irredutível: nunca mais pisaria na casa dos pais.

Walter estava curado de qualquer mazela do passado e nem ele mesmo via motivos para não visitar os pais (depois que soubera da doença da mãe, a ida tornou-se ainda mais necessária). Num café da manhã enquanto os se deliciavam com sucos, bolachas e bolos, ela disse.

“Amor, vamos ver seus pais?”

“Por favor, Mari na hora do café não, já disse que só iremos com um bom motivo.”

“Eu tenho um bom motivo.”

“Vai dizer que morreu alguém?”

“Não seu tolo, vai nascer. Eu estou grávida meu amor!”

Walter quase cuspiu o pedaço de bolo que mastigava. Lançou-se da sua cadeira e colocou-se de joelhos diante de sua amada. Não havia sinal algum, nem barriga, nem enjôos nada. O homem que viveu tanto tempo diante da mórbida tristeza, via agora diante de si o milagre da vida. Beijou a esposa com a paixão de um primeiro namorado, olhou-a nos olhos com uma ternura sem mais fim.

“Nós vamos visitar meus pais.”





Continua...

2 comentários:

  1. Que lindo...fico impressionada como vc consegue me fazer ter tantas emoções. Lindo demais,vc deveria começar a pensar em fazer um livro. Quem sabe um projeto lá pela FCC quando tiver algo eu te aviso. Beijos Vini Saudades de vc!

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